quinta-feira, 29 de dezembro de 2016

PAS696. Sozinha no baile

O local onde se realizava o baile fora um velho celeiro que os sulistas incendiaram antes da ocupação. Os ianques tinham-no reparado e convertido numa pista ampla.
Do teto pendiam festões multicores, o chão estava encerado e num estrado quatro músicos afinavam os instrumentos. Velhos reposteiros cor de vinho cobriam as paredes meio restauradas.
Quando entrou, Red Maine deitou uma vista de olhos geral. Havia um bar ao fundo. Dirigiu-se para o balcão e pediu uísque e um copo de água. Todas as mulheres que se encontravam na sala repararam nele, porque a sua presença varonil as impressionava. Não recordavam o que era nem o que fora.
Os homens, sim. Admiravam-se do seu atual emprego no Banco e não esqueciam a sua prodigiosa pontaria quando lutara com o «gun-man» Stevens, de sinistra fama, que abatera por décimos de segundo com uma bala entre os olhos. Que pretenderia o enigmático rapaz?
Claro que ninguém seria capaz de lho perguntar, embora presentemente se mostrasse muito pacífico.
Red não se preocupava com as opiniões dos que o conheciam, que eram muitos. Bebendo o uísque, golo a golo, observava as jovens que formavam um ramalhete multicor na sala.
Estava visto e assim opinava Red — que não havia raparigas feias no Novo México. Eram belas dos pés à cabeça. E algum mérito tinham nisso os espanhóis.
Sentia-se satisfeito por se encontrar no baile, embora à chegada estivesse preocupado. Não ignorava, como ninguém em Lincoln City, a luta travada entre Bryan e Braxer. Nem o seu mortal desenlace.
Era o princípio de um drama que se iria agigantando.
Red afastara-se do mundo de violência que fora o seu desde a adolescência e estava decidido a viver uma vida nova.
Um golo e voltou à agradável contemplação das raparigas.
Olhos, figura, lábios, lindos pés... Elas, na sua maioria, vestiam antiquados vestidos de antes da guerra, mas estavam igualmente belas. Não sabia qual escolher. O melhor seria dançar com várias. Por outro lado, não queria mostrar predileção por nenhuma. As raparigas eram muito espertas quando se tratava de caçar marido e ele não estava disposto, de momento, a representar tal papel.
Ia entrando mais gente. Ainda havia muitas cadeiras vazias, mas em geral reinava a animação. Toda a gente desejava divertir-se e esquecer os sofrimentos da guerra.
De súbito, apareceu o xerife, de rosto corado e gestos nervosos. Subiu ao estrado, no qual os músicos pareciam dispostos a tocar, e dirigiu-se a todos os presentes:
— Senhoras e senhores: não pude vir mais cedo, como era meu desejo. Uma onda de violência parece ter invadido a cidade e preciso de me manter vigilante — falava com ênfase, desejoso de realçar quão importantes eram os seus serviços. Tenho de tomar uma providência que abrange todos (refiro-me aos homens) e que espero seja bem acolhida.
Fez uma longa pausa, de grande efeito.
Os homens esperaram em silêncio.
— Uma providência de salvação pública — prosseguiu o xerife. — Como realizamos uma festa na qual todos têm lugar, não gostaria de a ver perturbada por qualquer discussão que degenerasse em zaragata. Assim, pois, vou recolher as armas de todos os presentes e já tenho dois ajudantes lá fora, que se encarregarão dos que forem entrando...
Houve um murmúrio de vozes masculinas, mas todos, na sua maioria militares, entregaram sabres e revólveres.
Quando o xerife chegou junto de Red, este sorriu.
— É um homem prudente, xerife.
— Talvez os dois revólveres que trazes me pudessem dar sérias dores de cabeça.
— Bem sabe que adotei uma vida pacífica. Tem as suas vantagens.
— Estou tão intrigado com a tua vida pacífica como estava há algum tempo com a outra...
— No seu lugar, estaria tranquilo; mas se o diverte mais preocupar-se... — Entretanto, entregava-lhe os dois lustrosos Colts. — Embora suponha que todas estas providências não foram tomadas por minha causa.
— Disso podes estar certo; não é por ti, em especial. Mas cheira-me que não faltará por cá o teu antigo camarada, Van Summers, com os outros colegas. E Jeff Gayar, também acompanhado, como é de supor. Não quero que se arme uma batalha campal.
— Tem a certeza de que, se eles vierem, lhe entregarão as armas?
— Tomei as minhas precauções.
— Bem, desejo-lhe sorte; eu tenciono dedicar-me ao baile. Quando recuperarei as minhas armas?
— Quando terminar a festa. À saída do salão.
Red fez um gesto de concordância.
— De acordo, xerife. Mas recomendo-lhe que se Jeff Gayar vier lhe tire também a navalha.
— Não me esquecerei.
Os ajudantes do xerife, dois entroncados veteranos, caprichavam em deixar os que pretendiam entrar sem artilharia e colaboravam com aquele quando lhes sobrava tempo.
Red, com um sorriso de indiferença nos lábios enérgicos, descansado quanto à possibilidade de uma luta fratricida, pediu novo uísque.
Os músicos esperavam a ordem do xerife.
As raparigas começavam a ficar nervosas e os saltos finos dos seus sapatos batiam no soalho.
Red bebia o uísque sem se apressar. Só era inquieto o seu olhar, que procurava abarcar o mais recôndito recanto do recinto.
Agora, além de observar as raparigas, procurava descobrir algum tipo suspeito. Porque se ocorresse alguma altercação, talvez alguém o provocasse. De resto, poderia tolerar, por exemplo, que alguém atacasse Van à traição?... Tinha de confessar que não.
De súbito, semicerrou os olhos. E pareceu-lhe que nunca tivera memória, porque não se recordava do que pensava havia um segundo. Atravessavam a sala duas mulheres, uma delas muito nova. Red achou-a a encarnação da beleza ideal: airosa, maravilhosa... E o vestido verde que trazia realçava o seu harmonioso corpo juvenil.
Red deixara o balcão e caminhava devagar para ela, como que fascinado. Notava que estava a proceder como um sonâmbulo e procurou recuperar o domínio de si mesmo.
As duas mulheres eram Nancy e Ana.
O xerife atravessou a pista naquele momento. Aproximou-se dos músicos e falou-lhe. Pouco depois ouvia-se a pequena orquestra. Uma valsa de Strauss em ritmo vaqueiro.
Red, suspenso de Ana, nem sequer notara a cor dos cabelos de Nancy. Esta, quanto a provocante, levava a palma à companheira; portanto, se Red só tinha olhos para Ana, a maioria dos homens deixara-se conquistar pelo generoso decote de Nancy e pelas suas formas pronunciadas, cobertas por um vestido negro e brilhante.
Um jovem, com o posto de major, alcançado por méritos de guerra, hábil também nas batalhas amorosas, precipitou-se para a provocante Nancy, primeiro do que qualquer outro.
— Concede-me esta dança, menina?
Nancy tinha uma infinidade de sorrisos ensaiada, mas ao jovem militar, esbelto e bem-parecido, dedicou-lhe o melhor.
— Encantada... — e, de repente, recordou-se de Ana. — Senta-te, querida; volto já...
Ana sorriu para dissimular o seu acanhamento. Julgou que todos os presentes a observavam. Ia a dizer qualquer coisa, mas já Nancy e o jovem major, enlaçados, davam voltas e mais voltas.
A pista começava a encher-se de pares jovens.
Ana ia-se retirando para as cadeiras; hesitava, pois temia sentar-se nalguma ocupada...
Tola ilusão a sua vir ao baile. Se Jeff a acompanhasse, seria diferente. Agora... Decerto, Nancy não deixaria o galhardo oficial durante toda a noite.
Esteve tentada a regressar a casa. De todos os modos, teria de o fazer mais tarde... poderia chorar, só; o pai encontrava-se, com certeza, a beber uísque em qualquer estabelecimento de bebidas da cidade. Quanto a Jeff, andava transtornado desde que tinham matado Braxer. Não começava bem a noite. Nem a música conseguia arrancá-la do abatimento que acabava de se apoderar de si. De súbito, um par que girava loucamente empurrou-a e fê-la cambalear. Ele murmurou uma desculpa que se perdeu no torvelinho da dança. Foi refugiar-se num canto, confundida...
E então viu Red.
Os seus olhos verdes brilharam; Ana sentiu algo inexplicável, uma nova força que lhe vivificava o corpo e a alma. Foi para ele sem saber o. que fazia...
Red dirigia-se para ela e não recuaria mesmo que se cavasse um abismo entre os dois.
Encontraram-se frente a frente e olharam-se nos olhos.

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