domingo, 11 de dezembro de 2016

PAS685. Assalto e traição

Dave Everitt teve de passar também aquela noite a galopar. Aproveitaram as poucas energias dos cavalos roubados para, sem deixar de galopar, darem descanso aos seus. Depois, deixaram-nos em liberdade.
Deste modo, ao amanhecer, depois de terem seguido o curso do «Colodian Creek», chegaram à sua confluência com o rio Brazos.
— Creio que este é um bom lugar para descansarmos, Everitt.
— Muito bem.
«Gatilho» Everitt encontrava-se fresco. Sujo e poeirento, mas o seu rosto não denotava a menor fadiga. Em contrapartida, Henry Morne, com os seus quarenta e tantos anos, tinha o aspeto de estar verdadeiramente derreado.
Detiveram-se junto à margem do rio Brazos, num local onde a água passava cerca de trinta centímetros para fora do leito, e os dois homens desmontaram ao mesmo tempo.
Morne assoprou furiosamente, enquanto acionava as pernas, que sentia entorpecidas. Mas estava satisfeito.
— Que tal lhe pareceu o golpe, Everitt?
— Muito bom, fácil e produtivo... Diga-me, Morne: como sabia você que esses homens levavam tal quantia, e o lugar por onde passariam?
— Soube-o em Wisfield. Ali... Bom, ali não sou o mesmo que aqui — soltou uma gargalhada. — Nem sequer uso as mesmas roupas que uso agora. Se alguém de Wisfield me visse a uma distância regular, não me reconheceria. E supondo que esses dois homens descrevam os seus assaltantes, ninguém suspeitará jamais que um deles, o mais bem vestido, pudesse ser Henry Morne.
— Já percebo. Você é alguém ali, hem?
— Sim.
— E o dinheiro?
— Vou dar-lho agora mesmo.
— Ótimo. Mas não me referia a isso. Se você é alguém em Wisfield, pode supor-se que tem dinheiro, não?
— Sim... e não, Everitt. Não tenho o suficiente. E, precisamente, quando tomei conhecimento deste envio, andava a procurar a forma de resolver um negócio estupendo.
— Para o qual precisava de mais dinheiro do que aquele que tinha, não é verdade?
— Exato.
— E o Banco?
Henry Morne alarmou-se subitamente.
— Que Banco?
— O que enviou o dinheiro. De Wisfield até aqui há uma grande distância. Parece-me um envio muito estúpido, Morne.
— Se fosse um Banco grande, sim. Mas é pequeno, as suas sucursais estão muito espalhadas e os envios querem fazê-los assim. Os homens que levam o dinheiro costumam ser tipos duros... e de reconhecida honradez.
— Aqueles dois não me pareceram muito perigosos.
— Não é isso — sorriu Morne. — O que acontece é que nós somos muito mais duros... e eles souberam vê-lo. Além disso, o Banco que lesámos, Everitt, não fica em Wisfield. Não me julgue tão estúpido.
— Está bem. Compreendo tudo. Agora, o melhor será que cada um se afaste pelo seu caminho... com a parte que lhe compete.
— Naturalmente.
Henry Morne dirigiu-se lentamente para o seu cavalo e começou a manipular a fivela do alforge, no qual havia guardado na tarde anterior o pacote de notas.
David «Gatilho» Everitt atirou o chapéu para o chão; depois, ele mesmo se lançou para o solo, junto à margem, com o tronco inclinado para a água. Com ambas as mãos, lançou água para o rosto. Repetiu a operação várias vezes e, por fim, decidiu-se a beber.
Quando estava a fazê-lo, viu cair o dólar de prata a seu lado, sobre a terra vermelha que canalizava o rio Brazos.
Imediatamente, Everitt deixou de beber. A água escapou-se mansamente através das suas mãos unidas, unindo--se às gotinhas que, resvalando pelo seu rosto refrescado, caiam no rio.
— Que significa...?
Torceu um pouco a cabeça ao começar a falar.
E emudeceu.
Henry Morne estava a seu lado e um pouco atrás, empunhando firmemente o seu revólver, apontado diretamente à cabeça de David «Gatilho» Everitt.
Este sentiu-se empalidecer.
Mas a sua voz, após uns segundos de tensão, soou seca e firme:
— Que significa isto, Morne?
Henry Morne sorriu de modo enviesado.
— Você, Everitt, é suficientemente inteligente para saber o que significa isto... com toda a exatidão.
— Vai matar-me?
— Com certeza, rapaz. Duzentos mil dólares é demasiado dinheiro para ser repartido por dois. Não está de acordo comigo?
— Sim.
— Vê? Além disso, se continuar vivo significa um grande perigo para mim. Conhece-me demasiado bem: o meu nome, o lugar onde encontrar...
— Julguei que tinha mentido, Morne.
— Não. Disse sempre a verdade. E disse a verdade porque, naturalmente, pensava matá-lo uma vez conseguidos os meus propósitos. Houve momentos em que receei ter de repartir o dinheiro consigo... Não mexa as mãos, Everitt!
Morne não perdia o menor movimento de Everitt. Após uns instantes de reflexão, continuou.
— Você é demasiado perigoso. O homem indicado para me ajudar tinha de ter tal qualidade, mas você excede o que me disseram a seu respeito.
— Ninguém é demasiado perigoso, Morne. Esta é prova.
— É certo! — riu Morne. — Cometem-se sempre descuidos, excessos de confiança... Você devia lembrar-se das palavras de seu pai cm todos os momentos, rapaz: estar sempre em igualdade de condições com os outros homens. Demonstrou muita cautela, no quarto daquele hotel em Rocktown, e agora...
Voltou a rir.
Everitt comentou serenamente:
— Foi um disparate da minha parte. De acordo, Morne: dispare já.
— Oh, não, rapaz...! Ainda não. Apanhe esse dólar.
Everitt olhou para o dólar de prata. Passou a língua pelos lábios secos.
— O dólar?
— Foi isso o que eu disse.
— Para quê? Não vou precisar dele.
— Não se trata disso — sorriu, ironicamente, Morne —, mas gosto de cumprir o que prometo. Disse--lhe que lhe daria tanto dinheiro que não poderia gastá-lo enquanto vivesse. E cumpro a minha palavra: não poderá gastar esse dinheiro no curto espaço de tempo que lhe restava de vida.
— Deixe-se de disparates, Morne. Dispare e acabemos com isto.
— Apanhe o dólar, Everitt. Não quer fazer-me este favor? Sou honrado nos meus negócios. E quero cumprir a minha palavra.
— Como queira, Morne.
— Com muito cuidado, volte-se devagar até ficar sobre o flanco esquerdo. Isso. Agora, devagar e com a mão direita, apanhe o dólar... e guarde-o num dos seus bolsos. Perfeito, Everitt. Estamos em paz, não é isso?
— Sim. Segundo o seu ponto de vista, sim.
-- Estamos. Portanto, Everitt, apesar de você me parecer um tipo simpático, vamos acabar de saldar as nossas contas... Quieto!
Supor que um homem como David «Gatilho» Everitt consentiria que disparassem impunemente contra ele, refletia uma certa escassez de inteligência psicológica. Henry Morne assim o devia julgar, porque o rápido pontapé de Everitt alcançou-o na perna esquerda e fê-lo cambalear.
Não obstante, disparou.
Imediatamente, fronte de Everitt, que começava a levantar-se, ficou cheia de sangue. Foi uma visão fugaz para Henry Morne, pois Everitt saltou para trás, caindo no rio, sem um gemido e inerte.
Com o rosto descomposto por um esgar feroz, Henry Morne correu para a margem. Nada. O corpo de David «Gatilho» Everitt havia desaparecido sob as águas avermelhadas. Mas Morne tinha ficado furioso com a reação de Everitt, inesperada para ele, e esperou uns segundos junto à margem.
De súbito, uns metros mais abaixo, apareceu o corpo do pistoleiro traído. Tinha as costas para cima e a cara submersa na água. Lançando uma maldição, Henry Morne dirigiu-se para o seu cavalo, montou e tomando a brida ao que havia pertencido a «Gatilho» Everitt galopou pela margem, seguindo a corrente.
Muito próximo dali, o rio estreitava e as suas águas eram mais profundas.
— Tenho de alcançá-lo antes que chegue ali...
Conseguiu-o.
Saltou do cavalo e aproximou-se o mais possível da água. Sacou o revólver e esperou que o corpo de Everitt passasse diante dele, o que aconteceu segundos depois.
Henry Morne apontou friamente às amplas costas e apertou o gatilho.
O corpo do pistoleiro pareceu ir afundar-se, mas só o fez alguns centímetros. Depois, voltou a flutuar como anteriormente... mas à distância de vinte metros a que se encontrava colocado, Henry Morne distinguiu com clareza suficiente e convincente, a mancha de sangue nas costas do pistoleiro.
Sangue vermelho, de um tom muito mais intenso que o das turbulentas águas do rio Brazos.
E foi então que o corpo de Everitt penetrou na parte mais estreita, mais turbulenta e mais profunda do rio.
Henry Morne meteu o revólver no coldre.
Sorriu.
— Tiveste azar, «Gatilho» Everitt.

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