quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

PAS691. A batalha de Forte Sumter

O primeiro tiro foi saudado com uma salva de aplausos pelas mulheres que, com as suas melhores galas, passeavam a escassa distância das batarias confederadas, admirando a elegância gentil dos oficiais de Jefferson Davis. Ignoravam que, se naquele momento a luta era uma brincadeira, mais tarde veriam os belos uniformes rotos pela metralha e sujos de sangue. Eram quatro e meia da madrugada de 12 de Abril de 1860.
Durante trinta e seis horas o bombardeamento não foi interrompido. Por fim o coronel Anderson, comandante do Forte Sumter, içou a bandeira branca e um pouco mais tarde, em formação correta, conservando os seus estandartes e armas, aos acordos do Yankee Doedle, oficiais e soldados embarcaram em direção a Nova Iorque.
O júbilo foi extraordinário em Carolina do Sul. As multidões vitoriavam Jefferson Davis e repicaram todos os sinos.
Manifestações de entusiasmo, hinos, desfiles militares, discursos, flores das mulheres para os soldados, fanfarronadas...
A primeira batalha da guerra da Secessão, a de Forte Sumter, em Charleston, não tinha ocasionado nem uma só baixa. Contudo...
Encostado à amurada de estibordo do navio que zarparia em breve do porto, Douglas Morrow refletia acerca do imprevisível resultado dos acontecimentos que acabavam de ocorrer, quando uma voz gritou à sua direita:
— Estou aqui, Edith!
George Bradford agitou o chapéu para chamar a atenção de uma jovem de beleza esplêndida acompanhado por um tenente confederado.
— Marcel Lefebvre! — resmungou o capitão por entre os dentes.
O oficial e a rapariga, a pequena distância de Morrow, agitaram os seus lenços. Douglas ouviu Lefebvrc dizer a Edith:
— Sobe pela passarela. O vapor ainda demora uns minutos a zarpar. Podes abraçá-lo. Quem sugeriu a teu irmão a ideia de se alistar com os do Norte? Com Jefferson teria garantido o futuro.
— Ele e eu odiamos a escravidão.
Sem aguardar a réplica às suas palavras, a jovem chegou até à ponte do navio. Ao passar junto de Morrow e ao vê-lo, deteve-se, muito pálida.
— Olá, Edith!
Ela, refeita da surpresa, continuou o seu caminho. No abraço que deu a George faltava alegria.
— Estás a tremer! — disse o rapaz.
— É a emoção da tua partida.
Bradford- sorriu com ferocidade ao observar como Douglas Morrow os olhava. Depois, vencido pelo amor à única pessoa de família que lhe restava, mortos os pais, esforçou-se por tranquilizar Edith.
— Serena. Espero que não tardaremos a reunir-nos. Assinei o meu compromisso apenas por três meses. Chegará para o que me proponho fazer.
— Que pretendes fazer? Não quero que aconteça nada de mau a Douglas! Percebes-me? Renegar-te-ia para sempre!
As palavras de Edith vibravam de paixão mal contida. George olhou-a com dureza:
— Continuas a amá-lo?
— Que importa isso? O sangue do nosso pai separa--nos. Promete-me que não farás nada de que te possas envergonhar!
O jovem, com um sorriso respondeu:
— Vai para terra. O vapor sairá depressa. Não te preocupes comigo. Sei tratar de mim!
— Mas...
- Não insistas, irmã. Voltarás a Savannah?
— Ficarei em Charleston durante algum tempo na companhia da família Lefebvre.
— Casar-te-ás com ele?
Edith Bradford inclinou a cabeça.
— Não o amo. Considero-o um bom amigo.
A sereia do navio atroou os ares, anunciando a partida imediata. Edith, ao dirigir-se para a passarela, viu o caminho interrompido por Douglas Morrow.
— Apenas uma pergunta que não te compromete — pediu o capitão. — Odeias-me tanto como o teu irmão?
Os olhos da rapariga encheram-se de lágrimas ao responder com voz trémula:
— Desejo-te a felicidade.
— Sem ti não a poderei conseguir nunca. É possível que não nos vejamos mais. Boa sorte, Edith.
— Desejo-te o mesmo, Douglas. Deixas-me passar?
— Sim. Porque me recusaste antes de acontecer aquilo com teu pai? Sê sincera. Lefebvre foi um pretexto. Tu não podes amar um esclavagista! É o nosso último diálogo, Edith. Amavas-me nessa altura?
A mulher desviou o olhar do de Douglas para murmurar em tom sumido:
— Sim. Desejava pôr à prova a firmeza do teu amor.
— Fazendo-me ciúmes com Lefebvre?
— Marcel é um bom amigo meu; nada mais. Pretende transformar-me em sua esposa. O meu pai e ele eram amigos.
A sereia tornou a ouvir-se, segundo aviso para que visitas abandonassem o barco.
— Amas-me, Edith? Pudeste esquecer-me?
— Douglas!
— Não te atraiçoes a ti mesma.
Ela, sem responder, incapaz de resistir aos impul: do coração, correu pela coberta, quando vários marinheiros se dispunham já a retirar as pranchas de madeira.
Já no cais, junto do tenente Lefebvre, em cujo rosto havia um ricto de crueldade, agitou o lenço para se des-pedir dos que se iam para Nova Iorque. Depois secou as lágrimas que sulcavam o seu belo rosto. Marcel pergun-tou:
— Choras por teu irmão ou por Douglas Morrow?
O oficial da Confederação não obteve resposta. A bandeira das listas e estrelas ondeava no mastro do navio, em cuja coberta superior a banda militar começou a tocar o Manque Doedle.

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