segunda-feira, 15 de junho de 2020

BUF002.03 Candidato a bufo

O criado anunciou:
—O senhor Mallard deseja falar-lhe, senhor Jerrigan.
—Mallard, disse?
— Denny Mallard.
Buck trocou um olhar com Henry Reyes e autorizou:
— Mande-o entrar.
O criado saiu, e Reynes, levantando-se, disse:
— Com sua licença vou ao encontro do visitante para o guiar até aqui.
Buck sorriu, assentindo. Compreendia perfeitamente as intenções do seu subordinado, o qual abandonou a habitação, atravessou um pequeno gabinete e deteve-se na espécie de antessala alugada também pelo seu chefe naquele hotel de Phoenix. Denny, precedendo o criado, deteve-se à porta, indeciso.
— Procuro o senhor Jerrigan...
— Entre se faz favor — dirigiu-se ao criado. —Pode retirar-se.
Ficaram sós e o gigante acrescentou:
— Chamo-me Henry Keyes, para o servir, e terei muito gosto em o conduzir até onde está o meu chefe: mas antes deixará aqui todas as armas que traz consigo.
Denny fez um gesto de surpresa.
— Não compreendo...

— Trata-se de um costume ingénuo, sabe? O senhor Jerrigan é muito impressionável e desgosta-lhe receber pessoas desconhecidas que não tenham demonstrado previamente o seu pacifismo.
Mallard teve um amplo sorriso e entregou o seu revólver.
— Parece-me muito acertada esta medida de precaução.
— Fico satisfeito em que a aprove. À saída poderá recolher este brinquedo —. Colocou a arma sobre um móvel —. Não tem qualquer outra coisa que possa magoar?
— Não, senhor.
— Então, siga-me.
Chegaram à sala onde Buck se encontrava sentado, lendo um livro.
— O senhor Mallard... — anunciou Keyes à porta.
— Entre.
Denny avançou sem que o seu interlocutor fizesse qualquer menção de se erguer. Apesar de tão descortês acolhimento, estendeu a mão ao mulato:
— Como está, senhor Jerrigan.
— Bem. Obrigado pelo seu interesse em saber o estado da minha saúde. Qual é o objetivo da sua visita?
Mallard dirigiu um fugitivo olhar a Henry, ao mesmo tempo que dizia:
— Gostava de falar-lhe a sós.
— Não tenho segredos para o meu amigo, o senhor Keyes.
— É que... Trata-se de um assunto muito particular.
— Não me importam as suas coisas particulares; apenas me interessam as minhas. E se as minhas são expostas diante deste cavalheiro, não vejo razão para lhe agradar a si. Diga o que for, ou cale-se. Como quiser...
— Bem... bem... se assim o deseja...
Henry disse:
— Permita-me recordar-lhe, senhor Jerrigan, que a esta hora tinha de tratar um assunto seu, urgente.
Buck sorriu e dirigiu um olhar para Denny.
— Como vê, o senhor Keyes dispõe-se a satisfazê-lo. Bem. Só quis fazer-lhe compreender que não admito insinuações de ninguém, e que sou eu quem decide se as pessoas que estão comigo podem ou não tomar parte nas minhas conversas. Trata desse assunto urgente de que agora te recordaste, Henry, e volta depressa.
Keyes saiu. Buck acendeu um cigarro, sem convidar Denny ou lhe indicar que se sentasse. Aquela atitude teria ofendido e desconsertado qualquer... que não fosse aquele jovem.
— Escuto-o. Vem da parte da senhora Georgina Mallard? O facto de usarem o mesmo apelido leva-me a supor que são parentes...
— Irmãos.
—Ah!
—Mas não estou aqui em seu nome, mas sim de iniciativa própria.
—É igual para mim. Fale.
Denny ensaiou sem êxito um sorriso que quis tornar simpático.
— A verdade é que custa abordar certos assuntos numa atmosfera tão fria como a que aqui me envolve. Tentá-lo-ei, no entanto. Sei, com detalhes, tudo o que hoje sucedeu na reunião de ganadeiros e não pude deixar de me sentir admirado ao inteirar-me do seu comportamento.
—Devo avisá-lo de que não me agradam os louvores...
— Senhor Jerrigan. Suponho que não terá vindo para me dar a conhecer a sua admiração.
— Pois... em parte, sim. Sinto verdadeiro culto por homens da sua têmpera. Ser amigo de uma pessoa que possui as suas qualidades equivale a uma honra. E, por favor, não repita isso dos louvores. Nas minhas palavras há absoluta sinceridade. Não pretendo lisonjeá-lo, mas sim fazer--lhe justiça.
— E... depois de tudo isso?
— Depois disto, acrescentar que, embora não tenha rompido com a minha irmã, pus termo às relações comerciais que nos uniam e, portanto, a tudo que signifique defender os seus interesses e os dos ganadeiros que a secundam. Admito que isto lhe parecerá forte, senhor Jerrigan, mas há coisas que um homem digno como eu não pode sofrer, e uma dessas coisas é a maneira como me trata Georgina. Não entrarei em explicações que para si seriam fastidiosas e para mim dolorosas. Digo, simplesmente, que quero passar a ignorar tudo quanto se relacione com essa... senhora que tem o meu sangue, e que as minhas atividades, a minha cultura e os serviços que posso prestar acham-se à disposição de quem me saiba estimar como mereço.
— Em poucas palavras: vem vender-se a mim.
—Senhor Jerrigan.
—Enganei-me?
—Usa uns termos....
—Chamo as coisas pelo seu nome.
—Podem ter mais de um. Não penso vender--me a ninguém. Sou um homem útil e livre que procura emprego à altura das suas qualidades. Das pessoas a quem conheço diretamente ou por simples referências, nenhuma me parece tão interessante como o senhor. E pensando que os meus serviços poderão ser-lhe extraordinariamente úteis, dadas as coisas que há ao meu alcance, ocorreu-me este violento passo.
Buck abandonou o sofá e observou detidamente o pouco recomendável sujeito. Serviu-se de uni copo que encheu de uma garrafa que estava numa mesa próxima e lançou uma grande baforada de fumo. De súbito, exclamou:
— Você é o mais completo desavergonhado que conheço.
Denny retrocedeu:
— Senhor... Jerrigan!
— Menti deliberadamente ao dar-lhe a entender que o não conhecia. Mas conheço-o bem; vi-o em várias ocasiões e estou quase tão ao corrente COMO você próprio da sua falta de dignidade, da situação económica que atravessa... É outro dos meus hábitos. Procuro encontrar-me de posse de todos os detalhes que se relacionam com os meus inimigos ou daqueles que podem chegar a sê-lo. Você é um homem sem escrúpulos que, por trinta dinheiros, venderia não já o Redentor, mas sim a própria alma do diabo.
— Isto é inaudito!...
— Deixe-se de apreciações. Aparte o que lhe acabo de dizer, estou convencido de que os sujei-tos como você são úteis. Tomo-o ao meu serviço.
— Mas...
— Que acha cem dólares por semana?
— Cem dólares!
— É uma quantia respeitável, não acha?
— Está a gracejar, não é verdade?
— As poucas vezes que gracejo faço-o com pessoas a quem estimo. Falo absolutamente a sério.
— Que tenho a fazer?
— Servir-me no que lhe ordenar, sem qualquer réplica.
— Sempre que isso esteja ao alcance das minhas aptidões, entende-se.
— Claro. Não imagine que lhe vou ordenar que lute com Henry Reyes, por exemplo, nem que mate alguém, e muito menos que se torne uma pessoa decente.
Novamente, Mallard tentou o sorriso simpático. Agora ainda lhe foi mais difícil. Apenas conseguiu que os seus lábios se abrissem numa careta.
— Que maneiras tem, senhor Jerrigan!
— De acordo?
 — Sim, como não estar?
— Em caso de ter algum apuro económico urgente, diga-me.
Denny viu resplendores áureos no meio das suas trevas.
— Nem que fosse adivinho!
— Posso adiantar-lhe o soldo de uni mês.
—Oh!...
— É pouco? De dois, então? Note que não vou pôr um capital nas suas mãos, sem que ainda tenha começado a ser-me útil.
—Sim, naturalmente; mas já que se mostra tão generoso.... Com o ordenado de dois meses e meio, resolvo o meu problema imediato.
— Está bem.
Preencheu um cheque na importância de mil dólares e entregou-o a Mallard, o qual, com mão trémula, apressou-se a guardá-lo, não se atrevendo ainda a dar crédito ao que lhe sucedia.
—Obrigado, muito obrigado. Disponha de mim como lhe aprouver. Posso começar a facilitar-lhe informações...
Buck atalhou-o com um movimento de mão:
— Pedi-las-ei quando delas necessitar, se é que me chegarem a fazer falta. Pode retirar-se. Apresente-se no fim da semana no meu rancho «Fortaleza».
— Não tem qualquer recomendação a fazer-me antes?
— Nenhuma. Comunique aos seus amigos que está ao meu serviço ou cale-se; fale bem de mim ou desprestigie-me; informe a sua irmã ou mostre-se reservado. Para mim é indiferente. Pode fazer como entender. A sua única obrigação, por agora, consiste em se apresentar onde lhe disse, antes de terminar a semana que decorre. Recomendo-lhe que não se esqueça deste pequeno detalhe. Se não aparecer, irão buscá-lo... e é possível que o tragam em condições pouco benéficas para a sua saúde.
— Esteja descansado, senhor Jerrigan. Eu...
— Basta. Retire-se. que...
—É que…
— Saia! Não gosto de repetir as ordens.
Voltou-lhe as costas para se servir de outro copo. Denny fez uma inclinação de cabeça, que só obteve o desdém da pessoa a quem era dirigida e saiu. A entrevista não se havia desenrolado como supusera; mas o resultado imediato era satisfatório. Um cheque de mil dólares na algibeira; cem semanais, de soldo; nenhum trabalho imediato... e... perspetivas, grandes perspetivas.
Recolheu o revólver onde Keyes o deixara e saiu a porta, fazendo projetos. Poucos minutos depois, Henry voltou a habitação onde deixara o seu chefe.
— Da minha janela vi sair o sujeito... Interessante a entrevista?
Jerrigan encolheu os ombros:
— Divertida, pelo menos...
— Tive a impressão de que iria escutar coisas curiosas e, temendo que o tipo não se atrevesse a dizê-las na minha presença, arranjei um pretexto para me retirar. Eu compreendi. Mas seria igual. Vinha disposto a tudo. Toma nota que entrou para o pessoal às nossas ordens, com cem dólares semanais.
Keyes não fez gestos nem comentários. Conhecia bem o seu patrão para que qualquer das suas decisões o surpreendesse. Limitou-se a dizer:
— Desde que lhe resulte útil...
— Em qualquer dos casos servir-me-á de distração e isso não é pouco, Henry.
— Sim, claro. — Toma um copo e senta-te. Vamos conversar.

Sem comentários:

Enviar um comentário