David despertou sobressaltado. Acabava de ouvir um grande tiroteio. Ao princípio julgou ser vítima dum pesadelo, mas ao continuar a ouvir os tiros, compreendeu que não estava a sonhar; bastante próximo dele estava a desenrolar-se uma luta feroz.
Pôs-se em pé dum salto e começou a vestir-se apressadamente. Apanhou o revólver, mas ficou pensativo. Aquele não era o seu. Provavelmente tinha sido Weeks que o pusera no seu coldre, sem que ele desse por isso, devido ao seu cansaço. Alegrou-se pela precaução adotada pelo capataz.
Estavam a bater à porta e ele abriu-a, afastando-se para um lado para apontar o revólver ao visitante. Baixou a arma ao reconhecer Nancy.
— Estão a assaltar o rancho? — perguntou David.
— Sim, dois homens tentam entrar em casa, os restantes atacam os vaqueiros.
— Fique neste quarto, aqui estará em segurança.
A jovem olhou-o, altiva.
— Volto para o lado de Harold. Vim chamá-lo; julguei que não tivesse acordado.
David não pôde deixar de olhar para ela com admiração. Que bela estava naquele momento!
— Volte para o lado do seu capataz e não se exponha desnecessariamente.
E encaminhou-se para a janela. Nancy, surpreendida pelo seu gesto, correu para ele e afastou-o por um braço.
— Que tenta fazer? — perguntou. — Saltar pela janela e dar um castigo a esses bandidos.
— Tenha cuidado consigo...
Por um momento olharam-se fixamente. David teve a convicção de que se se atrevesse a estreitá-la contra o peito, a rapariga não teria oposto resistência. Limitou-se a agarrá-la pelos ombros, com ternura.
— Os cuidados são consigo; não se esqueça que é mulher.
Soltou-a e deslizou pela janela, agilmente; já tivera a precaução de apagar o candeeiro. Aquelas poucas horas do descanso tinham-lhe devolvido a sua perdida elasticidade. Chegou ao solo sem novidade.
Soavam numerosos tiros. David avançou encostado à parede. Não tardou a descobrir os dois homens que disparavam contra a casa. Achava-se numa posição vantajosa para não errar os tiros.
Os bandidos não tinham ainda dado conta da sua presença. Repugnava-lhe disparar contra um inimigo desprevenido, embora este fosse traiçoeiro e cobarde como os ladrões de gado. Disparou. O chapéu de um dos bandidos voou, como que arrebatado por mão misteriosa.
Os atacantes voltaram-se para ele e dispararam contra o lugar onde julgaram que se encontrava o inesperado inimigo, mas dois clarões rasgaram a escuridão e eles caíram mortalmente feridos.
— Já pode sair, Weeks! --- gritou.
110 - -
O capataz apareceu no patamar. O seu olhar assombrado estava posto nos cadáveres dos seus inimigos.
— Você é perigoso, Murray! — exclamou, admirado.
— Simplesmente, tenho sorte — respondeu o jovem.
— Pelos cornos do diabo! Uma vez, pode ser sorte; tantas, já é habilidade. Uma habilidade infernal.
David apanhou um revólver que se encontrava a pouca distância dos cadáveres, carregou-o com um rápido movimento, assim como o seu. Voltou-se para Nancy, que se encontrava a seu lado e ordenou-lhe com energia:
— Entre em casa e deixe-se estar quieta.
A jovem concordou com um movimento de cabeça e obedeceu-lhe. Weeks olhou-a, admirado.
— Rapaz, ela obedeceu sem replicar, isso também é prodigioso.
— Basta de conversa e vamos ajudar os vaqueiros!
Os tiros continuavam diabolicamente. Deslizaram até ao dormitório dos vaqueiros, que se achavam submetidos a um assédio em todas as regras. Distinguiram os bandidos que atacavam as janelas com um vivo tiroteio. A sua presença não foi notada.
— Temos tido sorte —sussurrou David. —Dispare a matar, sem compaixão alguma.
E os dois homens começaram a fazer fogo sobre um inimigo que lhes oferecia um excelente alvo. Os dois disparavam a matar. Tratava-se de assassinos, que tinham intentado matá-los à traição e não sentiam nenhum escrúpulo em aproveitar a formidável vantagem adquirida.
A matança foi horrível. Em menos de cinco minutos, cinco homens caíram sob os certeiros tiros dos seus inesperados atacantes e os restantes apressaram-se a fugir em debandada, possuídos de pânico.
Mais dois bandidos caíram, alcançados pelos tiros dos defensores do dormitório. Os vaqueiros não se satisfizeram com a derrota dos seus inimigos. Achavam-se furiosos e penalizados pela morte de um dos seus companheiros. A perseguição foi encarniçada. Escassos assaltantes conseguiram chegar com vida às suas montadas e fugir. Na escuridão da noite, foram atacados sem dó nem piedade.
Ao renascer a calma, Weeks comunicou aos vaqueiros o papel decisivo de David na contenda e os rapazes felicitaram-no com efusão, agradecendo-lhe, pois devido a ele a maioria salvara a vida. O jovem respondeu com modéstia, como se tratasse de tirar importância à sua ação.
Regressou a casa com Weeks, decidindo recolher os cadáveres no dia seguinte. Os vaqueiros encarregaram-se de tratar dos feridos, incluindo dois dos bandidos.
Nancy esperava-os, ansiosa. Já sabia da vitória conseguida, pelos gritos de satisfação que soltavam os seus vaqueiros. Não se compreendia que um advogado de uma grande cidade como Topeka, podia ter um poder tão fulminante e aniquilador. Ofereceu-lhes uma chávena de café. Os dois homens aceitaram, agradecidos.
Nancy não fez nenhum comentário enquanto eles bebiam. Weeks deu uma palmada no ombro de David e disse:
— Rapaz, deve ir repousar outra vez. O dia de hoje foi muito violento para você.
— Julgo que tem razão, Weeks.
Com um sinal, evitou que Nancy se levantasse.
— Obrigado, Nancy, já conheço o meu quarto.
E depois de despedir-se, subiu a escada. Weeks e Nancy olharam-se. O capataz moveu a cabeça e sorriu.
— Posso jurar, Nancy, que não conheci em toda a minha longa vida um homem mais perigoso. Não queria ser inimigo dele. É rápido como uma centelha e eficaz como um diabo.
— Julgas que conseguirá salvar Jimmy?
— Se há alguém no mundo capaz de salvar Jimmy, esse alguém é David Murray.
A jovem sorriu tranquilizada pela resposta de Weeks, pois também ela tinha uma fé cega no jovem advogado.
— Aparte essas qualidades, também é homem para agradar a qualquer mulher. Não te parece?
— Não sei, ainda não reparei nisso — respondeu ela, fingindo completa indiferença.
— Eu julguei o contrário. Como estás sempre a olhar para ele... — concluiu Weeks, esboçando um sorriso trocista.
Nancy corou e levantou-se dum salto.
— Harold, às 'vezes és insuportável!
E afastou-se furiosa. Harlod Weeks permaneceu comodamente sentado, fez outro cigarro e acendeu-o. Ao dar uma fumaça, teve a certeza de que tudo se resolveria satisfatoriamente, embora o contrariasse a ideia de ter de se separar da jovem. Resignou-se a pensar que Topeka não ficava muito longe.
No dia seguinte avisaram o xerife. Este mostrou-se bastante surpreendido ao ver as consequências da ocorrência da noite anterior. Um' dos vaqueiros tinha sido morto. Os dois feridos, graças aos cuidados dos seus companheiros, estavam livres de perigo, era essa a opinião do médico.
Os bandidos feridos tinham tido menos sorte. O xerife contou onze mortos; os dois feridos haviam morrido durante a noite. Olhou para David e disse:
— A qualquer lugar onde o senhor vá, há sempre dança, não é verdade?
O jovem sorriu. Fez um gesto vago com a mão, ao replicar: Estou inocente por completo, xerife. Quando começou o tiroteio, dormia tranquilamente.
— Isso, na realidade, não tem importância. Pela primeira vez conseguiu-se dar um valente castigo aos ladrões de gado.
— E tudo devido a você, Wallace.
Os vaqueiros sepultaram o seu companheiro. Algumas lágrimas deslizaram pelos rostos rudes daqueles homens, sujeitos a todos os perigos. Os cadáveres dos bandidos foram colocados numa carroça e conduzidos para a povoação. Ao começar a marcha, o xerife perguntou:
— Também vem, Wallace?
— Vou.
David despediu-se de Nancy e Weeks. Todos os vaqueiros levantaram a mão, numa cordial saudação de despedida e o jovem não pôde deixar de se sentir emocionado pelo afeto demonstrado por aqueles homens.
O xerife procedeu às formalidades necessárias para enterrar os cadáveres, identificando-os primeiro. A maioria eram rostos conhecidos, por terem frequentado o «Grand Saloon». No entanto, não se conseguiu nenhum resultado positivo.
Homens como eles, passavam com frequência por Bristol. Pela sua identidade era impossível descobrir quem era o chefe que os dirigia. Por outro lado, devido à matança efetuada, era de esperar uma pausa na atividade dos ladrões de gado e talvez a destruição da quadrilha, pois os sobreviventes deviam fugir da região.
— Tinha razão em lhe oferecer o cargo de comissário, Murray.
— Ainda é demasiado cedo para verificá-lo, xerife.
— O brilhante resultado obtido, justifica-o plenamente.
-- Só cumpri o meu dever.
— É o suficiente; não julgo ser possível fazer mais.
— Sim; conseguir entregar à justiça o chefe dessa quadrilha — afirmou David, com energia.
Os dois homens entreolharam-se e o xerife sorriu.
— Isso seria admirável, rapaz.
— Sim, e tenho o pressentimento de que se trata de Clem Gainer.
— Bah, é um disparate! Há uns poucos de anos que não se •ouve falar de Clem Gainer.
—Porque conserva você o cartaz em que se oferecem mil dólares pela sua captura?
— Por preguiça. Encontrei-o assim e deixei-o estar. E a prova do que afirmo é estar lá também o de Roger Kimball, apesar de ele ser considerado morto.
— Sim, sim, estou de acordo consigo; mas trata-se de um pressentimento.
David afastou-se, dirigindo-se para o «Grand Saloon». Ia firmemente decidido a prender Kearney e Strond, se os encontrasse à sua frente. Estava convencido de que os assaltantes do rancho dos Derek, pertenciam à sua quadrilha e o que eles procuravam era a sua pessoa, pois não o vendo na povoação, tinham chegado à conclusão de que se refugiara no rancho. Não se equivocara ao suspeitar que eles conheciam a sua identidade.
Antes de entrar no «saloon», desejou ver a casa em que estivera em tão grande perigo. Não foi preciso aproximar-se muito; o fogo destruíra-a quase completamente. Voltou sobre os seus passos, encaminhando-se para o «saloon».
Todos os peões se detinham ao passar por ele; em todos os olhares se distinguia a admiração. As suas façanhas eram sobejamente conhecidas.
O «saloon» encontrava-se quase vazio e, quando ele entrou, fez-se um silêncio absoluto. O «barman» encheu uma caneca de cerveja e colocou-a sobre o balcão. David agradeceu-lhe com um cordial sorriso.
— Obrigado, amigo. Era mesmo isto que eu desejava.
— Procuro sempre atender os clientes com a máxima rapidez.
David não se demorou; somente o tempo para despejar a caneca. Deitou uma moeda para cima do balcão e saiu logo. Mac Gregor teve grande satisfação ao vê-lo entrar em casa.
— Alegro-me imenso em vê-lo, Wallace. Já sei da façanha realizada por si. É formidável, conseguiu destruir a quadrilha que infestava a região.
— Ainda não, Mac Gregor.
— Os restantes ladrões de gado fugiram.
— Devem ter compreendido que o ar de Bristol deixou de ser saudável para eles.
— Talvez não se deem por vencidos com tanta facilidade.
— Pior para eles; serão enterrados no cemitério da nossa povoação.
David não pôde deixar de sorrir ante o verdadeiro otimismo do irlandês. Subiu para o seu quarto e mudou de roupa. A que levava estava bastante danificada; não quisera aceitar o oferecimento de Harold Weeks.
Depois de comer, deitou-se, tomando todas as precauções para não ser surpreendido. Converteu o seu quarto numa pequena fortaleza.
Passadas umas seis horas, despertou. Arranjou-Se e saiu a dar uma volta. Estava ansioso por ver-se frente a frente de Kearney e Strond; intimá-los-ia a que se entregassem e, se recusassem, dispararia a matar. Estava convencido de que acharia no rancho de Kearney provas concludentes de que fora Andrew Strond quem matara James Taft.
Esteve com o xerife. Deu várias voltas sem ver os seus inimigos. Não acreditava que eles tivessem fugido. A sua acusação carecia de bases para a manter.
De repente, a suspeita que tinha germinado no seu cérebro, tomou forma. E já encontrara o meio de concretizá-la; tudo lhe apareceu com diáfana claridade. Enfim, tinha a ansiada prova para condenar o assassino de James Taft.
Sem perder mais tempo, foi buscar o cavalo e tomou a galope o caminho do rancho dos Derek. Harold Weeks saiu-lhe ao encontro, surpreendido de vê-lo regressar tão depressa. David apertou-lhe a mão com força.
— Qual é o motivo desta nova visita, Murray?
— Está disposto a ajudar-me a demonstrar a inocência de Jimmy Derek? — perguntou, por sua vez, David.
— Isso não é pergunta que se faça. Bem sabe que sou capaz de dar a vida por ele.
— Tem algum vaqueiro de absoluta confiança?
— Tenho uns poucos.
— Um é suficiente. É favor ir buscá-lo. Espero-o fora do rancho.
— Não quer cumprimentar Nancy?
— Não; não posso perder tempo.
— Está bem.
David não esperou muito tempo. Estava sentado sobre uma pedra quando apareceram Weeks e um vaqueiro. O aspeto deste agradou ao jovem.
—5entem-se e escutem com atenção.
Esteve falando durante um bom espaço de tempo. Os olhos dos seus interlocutores expressaram incredulidade depois compreensão e, por fim, satisfação.
— Será uma grande honra para mim poder ajudá-lo, Murray —disse o vaqueiro, com entusiasmo.
Weeks não pronunciou uma única palavra; achava-se demasiado emocionado para isso. Limitou-se a abraçar o jovem, enquanto nos seus olhos apareciam lágrimas de alegria, que com um poderoso esforço conseguiu disfarçar. David montou a cavalo e agitou a mão numa saudação.
— Até à vista!
Não voltou a cabeça. Estava disposto a realizar um esforço decisivo. Mesmo que uma bala pusesse fim à sua existência, tinha a certeza de que a inocência de Jimmy Derek ficaria demonstrada e o verdadeiro assassino teria o merecido castigo.
Chegou a Bristol, deixou o cavalo na cavalariça e dirigiu-se para o seu alojamento. Perto deste, deteve-se bruscamente. Acabava de ver Perla Day. Dispôs-se a falar--lhe, mas reconsiderou e deixou isso para mais tarde. Alegrou-se de ter adotado esta resolução, pois não tardou a ver a silhueta alta e esguia de Andrew Strond.
A cara do pistoleiro tinha uma expressão mais sinistra que o normal, por a cicatriz estar contraída por um cruel sorriso.
Compreendeu o que acontecia e alegrou-se de chegar tão a propósito. Perla devia ter descoberto qualquer coisa de importante e ia comunicá-lo, mas os bandidos suspeitavam dela e vigiavam-na, e o mais certo era estar Strond disposto a matá-la.
Deixou que os dois se distanciassem. Desejava surpreender o «pistoleiro» em flagrante, para que, desta maneira, o pudesse matar com justa causa. Caminhava tranquilamente e nem uma única vez se voltou, o que não serviria de nada, pois Strond ocultar-se-ia imediatamente.
A jovem entrou no hotel e subiu aos seus aposentos. As suas malas estavam preparadas; sairia no dia seguinte, com a satisfação de ter dado ao advogado o nome do assassino de James Taft. Mirou-se ao espelho. Uma sombra de amargura divisava-se nos seus lábios; tinha de confessar que estava apaixonada por David Murray.
Sobressaltou-se ao ouvir chamar à porta pelo seu nome; não era possível que o jovem já tivesse recebido o bilhete que ela deixara em poder de Mac Gregor. Ao abrir a porta escapou-se-lhe um grito de angústia; na sua frente encontrava-se Andrew Strond, todo sorridente.
— Olá, boneca! —saudou o «pistoleiro».
Perla retrocedeu dois passos, enquanto o visitante penetrava no quarto, fechando a porta atrás de si.
— Que deseja? — perguntou a formosa rapariga.
— Há muito tempo que desejava fazer-te uma visita; sempre gostei de ti.
—Vou fazer queixa ao senhor Kearney desta sua atitude. inútil.
— Ele já descobriu a tua traição. Vais morrer.
Perla, com toda a rapidez de que era capaz, empunhou um pequeno revólver, mas o «pistoleiro», com uma palmada, obrigou-a a deixá-lo cair no chão. Strond agarrou-a pela cintura e tentou beijá-la, mas ela opôs-se com energia.
As garras do bandido rasgaram-lhe o vestido, deixando a descoberto o seu alvo seio, fazendo com que os olhos de Strond brilhassem de luxúria. A jovem, vendo-se impotente para conter a agressão do malvado, arranhou-lhe o rosto com fúria.
Strond soltou-a, lançando um rugido de raiva e com uma brutal bofetada derrubou-a sobre o leito, atirando-se sobre ela e dominando-a. Com um feroz sorriso, agarrou na almofada e aproximou-a do rosto da cantora, com a firme intenção de asfixiá-la. Perla, possuída pelo terror, intentou gritar, sem o conseguir devido à forte pressão que a mão de Strond exercia sobre a sua boca.
— Vou matar-te! —rosnou o «pistoleiro». Perla cerrou os olhos para não continuar a ver a medonha expressão do rosto de Andrew Strond.
Pôs-se em pé dum salto e começou a vestir-se apressadamente. Apanhou o revólver, mas ficou pensativo. Aquele não era o seu. Provavelmente tinha sido Weeks que o pusera no seu coldre, sem que ele desse por isso, devido ao seu cansaço. Alegrou-se pela precaução adotada pelo capataz.
Estavam a bater à porta e ele abriu-a, afastando-se para um lado para apontar o revólver ao visitante. Baixou a arma ao reconhecer Nancy.
— Estão a assaltar o rancho? — perguntou David.
— Sim, dois homens tentam entrar em casa, os restantes atacam os vaqueiros.
— Fique neste quarto, aqui estará em segurança.
A jovem olhou-o, altiva.
— Volto para o lado de Harold. Vim chamá-lo; julguei que não tivesse acordado.
David não pôde deixar de olhar para ela com admiração. Que bela estava naquele momento!
— Volte para o lado do seu capataz e não se exponha desnecessariamente.
E encaminhou-se para a janela. Nancy, surpreendida pelo seu gesto, correu para ele e afastou-o por um braço.
— Que tenta fazer? — perguntou. — Saltar pela janela e dar um castigo a esses bandidos.
— Tenha cuidado consigo...
Por um momento olharam-se fixamente. David teve a convicção de que se se atrevesse a estreitá-la contra o peito, a rapariga não teria oposto resistência. Limitou-se a agarrá-la pelos ombros, com ternura.
— Os cuidados são consigo; não se esqueça que é mulher.
Soltou-a e deslizou pela janela, agilmente; já tivera a precaução de apagar o candeeiro. Aquelas poucas horas do descanso tinham-lhe devolvido a sua perdida elasticidade. Chegou ao solo sem novidade.
Soavam numerosos tiros. David avançou encostado à parede. Não tardou a descobrir os dois homens que disparavam contra a casa. Achava-se numa posição vantajosa para não errar os tiros.
Os bandidos não tinham ainda dado conta da sua presença. Repugnava-lhe disparar contra um inimigo desprevenido, embora este fosse traiçoeiro e cobarde como os ladrões de gado. Disparou. O chapéu de um dos bandidos voou, como que arrebatado por mão misteriosa.
Os atacantes voltaram-se para ele e dispararam contra o lugar onde julgaram que se encontrava o inesperado inimigo, mas dois clarões rasgaram a escuridão e eles caíram mortalmente feridos.
— Já pode sair, Weeks! --- gritou.
110 - -
O capataz apareceu no patamar. O seu olhar assombrado estava posto nos cadáveres dos seus inimigos.
— Você é perigoso, Murray! — exclamou, admirado.
— Simplesmente, tenho sorte — respondeu o jovem.
— Pelos cornos do diabo! Uma vez, pode ser sorte; tantas, já é habilidade. Uma habilidade infernal.
David apanhou um revólver que se encontrava a pouca distância dos cadáveres, carregou-o com um rápido movimento, assim como o seu. Voltou-se para Nancy, que se encontrava a seu lado e ordenou-lhe com energia:
— Entre em casa e deixe-se estar quieta.
A jovem concordou com um movimento de cabeça e obedeceu-lhe. Weeks olhou-a, admirado.
— Rapaz, ela obedeceu sem replicar, isso também é prodigioso.
— Basta de conversa e vamos ajudar os vaqueiros!
Os tiros continuavam diabolicamente. Deslizaram até ao dormitório dos vaqueiros, que se achavam submetidos a um assédio em todas as regras. Distinguiram os bandidos que atacavam as janelas com um vivo tiroteio. A sua presença não foi notada.
— Temos tido sorte —sussurrou David. —Dispare a matar, sem compaixão alguma.
E os dois homens começaram a fazer fogo sobre um inimigo que lhes oferecia um excelente alvo. Os dois disparavam a matar. Tratava-se de assassinos, que tinham intentado matá-los à traição e não sentiam nenhum escrúpulo em aproveitar a formidável vantagem adquirida.
A matança foi horrível. Em menos de cinco minutos, cinco homens caíram sob os certeiros tiros dos seus inesperados atacantes e os restantes apressaram-se a fugir em debandada, possuídos de pânico.
Mais dois bandidos caíram, alcançados pelos tiros dos defensores do dormitório. Os vaqueiros não se satisfizeram com a derrota dos seus inimigos. Achavam-se furiosos e penalizados pela morte de um dos seus companheiros. A perseguição foi encarniçada. Escassos assaltantes conseguiram chegar com vida às suas montadas e fugir. Na escuridão da noite, foram atacados sem dó nem piedade.
Ao renascer a calma, Weeks comunicou aos vaqueiros o papel decisivo de David na contenda e os rapazes felicitaram-no com efusão, agradecendo-lhe, pois devido a ele a maioria salvara a vida. O jovem respondeu com modéstia, como se tratasse de tirar importância à sua ação.
Regressou a casa com Weeks, decidindo recolher os cadáveres no dia seguinte. Os vaqueiros encarregaram-se de tratar dos feridos, incluindo dois dos bandidos.
Nancy esperava-os, ansiosa. Já sabia da vitória conseguida, pelos gritos de satisfação que soltavam os seus vaqueiros. Não se compreendia que um advogado de uma grande cidade como Topeka, podia ter um poder tão fulminante e aniquilador. Ofereceu-lhes uma chávena de café. Os dois homens aceitaram, agradecidos.
Nancy não fez nenhum comentário enquanto eles bebiam. Weeks deu uma palmada no ombro de David e disse:
— Rapaz, deve ir repousar outra vez. O dia de hoje foi muito violento para você.
— Julgo que tem razão, Weeks.
Com um sinal, evitou que Nancy se levantasse.
— Obrigado, Nancy, já conheço o meu quarto.
E depois de despedir-se, subiu a escada. Weeks e Nancy olharam-se. O capataz moveu a cabeça e sorriu.
— Posso jurar, Nancy, que não conheci em toda a minha longa vida um homem mais perigoso. Não queria ser inimigo dele. É rápido como uma centelha e eficaz como um diabo.
— Julgas que conseguirá salvar Jimmy?
— Se há alguém no mundo capaz de salvar Jimmy, esse alguém é David Murray.
A jovem sorriu tranquilizada pela resposta de Weeks, pois também ela tinha uma fé cega no jovem advogado.
— Aparte essas qualidades, também é homem para agradar a qualquer mulher. Não te parece?
— Não sei, ainda não reparei nisso — respondeu ela, fingindo completa indiferença.
— Eu julguei o contrário. Como estás sempre a olhar para ele... — concluiu Weeks, esboçando um sorriso trocista.
Nancy corou e levantou-se dum salto.
— Harold, às 'vezes és insuportável!
E afastou-se furiosa. Harlod Weeks permaneceu comodamente sentado, fez outro cigarro e acendeu-o. Ao dar uma fumaça, teve a certeza de que tudo se resolveria satisfatoriamente, embora o contrariasse a ideia de ter de se separar da jovem. Resignou-se a pensar que Topeka não ficava muito longe.
No dia seguinte avisaram o xerife. Este mostrou-se bastante surpreendido ao ver as consequências da ocorrência da noite anterior. Um' dos vaqueiros tinha sido morto. Os dois feridos, graças aos cuidados dos seus companheiros, estavam livres de perigo, era essa a opinião do médico.
Os bandidos feridos tinham tido menos sorte. O xerife contou onze mortos; os dois feridos haviam morrido durante a noite. Olhou para David e disse:
— A qualquer lugar onde o senhor vá, há sempre dança, não é verdade?
O jovem sorriu. Fez um gesto vago com a mão, ao replicar: Estou inocente por completo, xerife. Quando começou o tiroteio, dormia tranquilamente.
— Isso, na realidade, não tem importância. Pela primeira vez conseguiu-se dar um valente castigo aos ladrões de gado.
— E tudo devido a você, Wallace.
Os vaqueiros sepultaram o seu companheiro. Algumas lágrimas deslizaram pelos rostos rudes daqueles homens, sujeitos a todos os perigos. Os cadáveres dos bandidos foram colocados numa carroça e conduzidos para a povoação. Ao começar a marcha, o xerife perguntou:
— Também vem, Wallace?
— Vou.
David despediu-se de Nancy e Weeks. Todos os vaqueiros levantaram a mão, numa cordial saudação de despedida e o jovem não pôde deixar de se sentir emocionado pelo afeto demonstrado por aqueles homens.
O xerife procedeu às formalidades necessárias para enterrar os cadáveres, identificando-os primeiro. A maioria eram rostos conhecidos, por terem frequentado o «Grand Saloon». No entanto, não se conseguiu nenhum resultado positivo.
Homens como eles, passavam com frequência por Bristol. Pela sua identidade era impossível descobrir quem era o chefe que os dirigia. Por outro lado, devido à matança efetuada, era de esperar uma pausa na atividade dos ladrões de gado e talvez a destruição da quadrilha, pois os sobreviventes deviam fugir da região.
— Tinha razão em lhe oferecer o cargo de comissário, Murray.
— Ainda é demasiado cedo para verificá-lo, xerife.
— O brilhante resultado obtido, justifica-o plenamente.
-- Só cumpri o meu dever.
— É o suficiente; não julgo ser possível fazer mais.
— Sim; conseguir entregar à justiça o chefe dessa quadrilha — afirmou David, com energia.
Os dois homens entreolharam-se e o xerife sorriu.
— Isso seria admirável, rapaz.
— Sim, e tenho o pressentimento de que se trata de Clem Gainer.
— Bah, é um disparate! Há uns poucos de anos que não se •ouve falar de Clem Gainer.
—Porque conserva você o cartaz em que se oferecem mil dólares pela sua captura?
— Por preguiça. Encontrei-o assim e deixei-o estar. E a prova do que afirmo é estar lá também o de Roger Kimball, apesar de ele ser considerado morto.
— Sim, sim, estou de acordo consigo; mas trata-se de um pressentimento.
David afastou-se, dirigindo-se para o «Grand Saloon». Ia firmemente decidido a prender Kearney e Strond, se os encontrasse à sua frente. Estava convencido de que os assaltantes do rancho dos Derek, pertenciam à sua quadrilha e o que eles procuravam era a sua pessoa, pois não o vendo na povoação, tinham chegado à conclusão de que se refugiara no rancho. Não se equivocara ao suspeitar que eles conheciam a sua identidade.
Antes de entrar no «saloon», desejou ver a casa em que estivera em tão grande perigo. Não foi preciso aproximar-se muito; o fogo destruíra-a quase completamente. Voltou sobre os seus passos, encaminhando-se para o «saloon».
Todos os peões se detinham ao passar por ele; em todos os olhares se distinguia a admiração. As suas façanhas eram sobejamente conhecidas.
O «saloon» encontrava-se quase vazio e, quando ele entrou, fez-se um silêncio absoluto. O «barman» encheu uma caneca de cerveja e colocou-a sobre o balcão. David agradeceu-lhe com um cordial sorriso.
— Obrigado, amigo. Era mesmo isto que eu desejava.
— Procuro sempre atender os clientes com a máxima rapidez.
David não se demorou; somente o tempo para despejar a caneca. Deitou uma moeda para cima do balcão e saiu logo. Mac Gregor teve grande satisfação ao vê-lo entrar em casa.
— Alegro-me imenso em vê-lo, Wallace. Já sei da façanha realizada por si. É formidável, conseguiu destruir a quadrilha que infestava a região.
— Ainda não, Mac Gregor.
— Os restantes ladrões de gado fugiram.
— Devem ter compreendido que o ar de Bristol deixou de ser saudável para eles.
— Talvez não se deem por vencidos com tanta facilidade.
— Pior para eles; serão enterrados no cemitério da nossa povoação.
David não pôde deixar de sorrir ante o verdadeiro otimismo do irlandês. Subiu para o seu quarto e mudou de roupa. A que levava estava bastante danificada; não quisera aceitar o oferecimento de Harold Weeks.
Depois de comer, deitou-se, tomando todas as precauções para não ser surpreendido. Converteu o seu quarto numa pequena fortaleza.
Passadas umas seis horas, despertou. Arranjou-Se e saiu a dar uma volta. Estava ansioso por ver-se frente a frente de Kearney e Strond; intimá-los-ia a que se entregassem e, se recusassem, dispararia a matar. Estava convencido de que acharia no rancho de Kearney provas concludentes de que fora Andrew Strond quem matara James Taft.
Esteve com o xerife. Deu várias voltas sem ver os seus inimigos. Não acreditava que eles tivessem fugido. A sua acusação carecia de bases para a manter.
De repente, a suspeita que tinha germinado no seu cérebro, tomou forma. E já encontrara o meio de concretizá-la; tudo lhe apareceu com diáfana claridade. Enfim, tinha a ansiada prova para condenar o assassino de James Taft.
Sem perder mais tempo, foi buscar o cavalo e tomou a galope o caminho do rancho dos Derek. Harold Weeks saiu-lhe ao encontro, surpreendido de vê-lo regressar tão depressa. David apertou-lhe a mão com força.
— Qual é o motivo desta nova visita, Murray?
— Está disposto a ajudar-me a demonstrar a inocência de Jimmy Derek? — perguntou, por sua vez, David.
— Isso não é pergunta que se faça. Bem sabe que sou capaz de dar a vida por ele.
— Tem algum vaqueiro de absoluta confiança?
— Tenho uns poucos.
— Um é suficiente. É favor ir buscá-lo. Espero-o fora do rancho.
— Não quer cumprimentar Nancy?
— Não; não posso perder tempo.
— Está bem.
David não esperou muito tempo. Estava sentado sobre uma pedra quando apareceram Weeks e um vaqueiro. O aspeto deste agradou ao jovem.
—5entem-se e escutem com atenção.
Esteve falando durante um bom espaço de tempo. Os olhos dos seus interlocutores expressaram incredulidade depois compreensão e, por fim, satisfação.
— Será uma grande honra para mim poder ajudá-lo, Murray —disse o vaqueiro, com entusiasmo.
Weeks não pronunciou uma única palavra; achava-se demasiado emocionado para isso. Limitou-se a abraçar o jovem, enquanto nos seus olhos apareciam lágrimas de alegria, que com um poderoso esforço conseguiu disfarçar. David montou a cavalo e agitou a mão numa saudação.
— Até à vista!
Não voltou a cabeça. Estava disposto a realizar um esforço decisivo. Mesmo que uma bala pusesse fim à sua existência, tinha a certeza de que a inocência de Jimmy Derek ficaria demonstrada e o verdadeiro assassino teria o merecido castigo.
Chegou a Bristol, deixou o cavalo na cavalariça e dirigiu-se para o seu alojamento. Perto deste, deteve-se bruscamente. Acabava de ver Perla Day. Dispôs-se a falar--lhe, mas reconsiderou e deixou isso para mais tarde. Alegrou-se de ter adotado esta resolução, pois não tardou a ver a silhueta alta e esguia de Andrew Strond.
A cara do pistoleiro tinha uma expressão mais sinistra que o normal, por a cicatriz estar contraída por um cruel sorriso.
Compreendeu o que acontecia e alegrou-se de chegar tão a propósito. Perla devia ter descoberto qualquer coisa de importante e ia comunicá-lo, mas os bandidos suspeitavam dela e vigiavam-na, e o mais certo era estar Strond disposto a matá-la.
Deixou que os dois se distanciassem. Desejava surpreender o «pistoleiro» em flagrante, para que, desta maneira, o pudesse matar com justa causa. Caminhava tranquilamente e nem uma única vez se voltou, o que não serviria de nada, pois Strond ocultar-se-ia imediatamente.
A jovem entrou no hotel e subiu aos seus aposentos. As suas malas estavam preparadas; sairia no dia seguinte, com a satisfação de ter dado ao advogado o nome do assassino de James Taft. Mirou-se ao espelho. Uma sombra de amargura divisava-se nos seus lábios; tinha de confessar que estava apaixonada por David Murray.
Sobressaltou-se ao ouvir chamar à porta pelo seu nome; não era possível que o jovem já tivesse recebido o bilhete que ela deixara em poder de Mac Gregor. Ao abrir a porta escapou-se-lhe um grito de angústia; na sua frente encontrava-se Andrew Strond, todo sorridente.
— Olá, boneca! —saudou o «pistoleiro».
Perla retrocedeu dois passos, enquanto o visitante penetrava no quarto, fechando a porta atrás de si.
— Que deseja? — perguntou a formosa rapariga.
— Há muito tempo que desejava fazer-te uma visita; sempre gostei de ti.
—Vou fazer queixa ao senhor Kearney desta sua atitude. inútil.
— Ele já descobriu a tua traição. Vais morrer.
Perla, com toda a rapidez de que era capaz, empunhou um pequeno revólver, mas o «pistoleiro», com uma palmada, obrigou-a a deixá-lo cair no chão. Strond agarrou-a pela cintura e tentou beijá-la, mas ela opôs-se com energia.
As garras do bandido rasgaram-lhe o vestido, deixando a descoberto o seu alvo seio, fazendo com que os olhos de Strond brilhassem de luxúria. A jovem, vendo-se impotente para conter a agressão do malvado, arranhou-lhe o rosto com fúria.
Strond soltou-a, lançando um rugido de raiva e com uma brutal bofetada derrubou-a sobre o leito, atirando-se sobre ela e dominando-a. Com um feroz sorriso, agarrou na almofada e aproximou-a do rosto da cantora, com a firme intenção de asfixiá-la. Perla, possuída pelo terror, intentou gritar, sem o conseguir devido à forte pressão que a mão de Strond exercia sobre a sua boca.
— Vou matar-te! —rosnou o «pistoleiro». Perla cerrou os olhos para não continuar a ver a medonha expressão do rosto de Andrew Strond.
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