O capataz, depois de ver como os guardas levavam Jimmy Derek, foi ao encontro de David. A eloquência do jovem advogado tinha-o enchido de admiração. No entanto, pensava que ele devia ter atacado mais a fundo para alcançar a liberdade do acusado, pois lhe parecera que a tivera ao seu alcance. Apertou calorosamente a mão de David.
— O senhor é tão bom advogado como me tinham garantido.
Murray teve um sorriso perante aquela expressão de Weeks.
— Agora é que vão começar a aparecer as dificuldades. Tenho de ir a Bristol ver se consigo obter provas da culpabilidade do verdadeiro assassino.
— Julga que seja necessário? Demonstrando a inocência de Jimmy, é o suficiente.
— Não sei se o terei conseguido e embora que assim fosse, isso para mim não seria o suficiente. Sobre a cabeça de Jimmy Derek ficaria para sempre a dúvida e talvez mesmo eu me arrependesse um dia. Não, tenho de saber a identidade do verdadeiro assassino.
— Quando partimos para Bristol?
—O senhor, quando quiser; eu irei sozinho. Quando me encontrar, finja que não me conhece e muito menos tente falar comigo. Compreendeu?
— Perdão, mas não percebi bem...
— Chegarei a Bristol como se fosse um simples vaqueiro...
— O senhor, um vaqueiro? — interrompeu Weeks, surpreendido. — Não conseguirá enganar ninguém. É demasiado... fino e elegante.
— Está equivocado, Weeks. Antes de ser advogado, fui vaqueiro; quase todos os dias percorro os arredores de Topeka, a cavalo. — Começou a rir com gosto da cara de assombro do capataz. — Não julgo enganar os nossos inimigos, pois são muito astutos, mas, no entanto, farei o possível para o conseguir.
— O senhor é formidável, Murray.
— Até à vista... e desconheça-me.
Apertou-lhe a mão e quando Weeks ia afastar-se, puxou-o por um braço com força.
— Um momento, Weeks. Durante o julgamento conheceu alguém de Bristol?
— Não, ninguém.
— Belo. Então, adeus.
O jovem afastou-se. Chegado a casa encarregou a senhora Mulloy de lhe preparar a roupa. A boa mulher não pareceu surpreendida da incumbência, embora dissesse:
— Tem cuidado, David... expões-te demasiado.
— É o meu dever, senhora Mulloy. Tenho de o cumprir.
— Sim, sim. Com essa palavra sempre me fazes calar. O que deves fazer, é escolher uma boa rapariga e casar. Eu conheço mais de uma...
— Já sei, senhora Mulloy, já sei. Um homem da minha posição, necessita de uma esposa distinta...
— É inútil querer convencer-te lamentou-se ela. Quando voltarás?
— Dentro de dez a quinze dias; não se preocupe comigo.
— Já estou acostumada aos teus disparates.
Apesar do seu enfado aparente, a senhora Mulloy orgulhava-se de tratar dele.
Meia hora depois, um vaqueiro saía de Topeka. Os conhecidos de David Murray ficariam surpreendidos se o reconhecessem, pois ele só era notado pela sua atlética compleição. David cavalgava com satisfação.
Em pequeno, ao ver-se só no mundo, tinha trabalhado num rancho. O seu interesse pela leitura tinha-lhe feito compreender as consideráveis vantagens que lhe proporcionaria o estudo e a ele se dedicou com afinco, sem desanimar com as troças dos seus companheiros. Aos vinte e três conseguiu alcançar o título de advogado e foi estabelecer-se em Chicago, onde permaneceu três anos trabalhando com grande afã. Regressou a Kansas e instalou-se em Topeka, onde o seu nome não tardou a rodear-se de justa fama. Era conhecido pela sua honradez, eloquência e habilidade para sair vitorioso em todos os casos que foi chamado a defender.
A defesa de Jimmy Derek, à primeira vista, achava-se eriçada de perigos. Ele conhecia o terreno. Sabia que Bristol era uma importante povoação, fundada por várias famílias inglesas. Tinha em seu poder todas as informações relativas a ela.
Naquela povoação, distante umas quarenta milhas de Topeka, reinava urna desordem quase completa. Numerosos roubos de gado, alguns assaltos à mão armada, frequentes rixas, com homens que ficavam estendidos sem vida no meio das ruas.
O xerife e os seus ajudantes não eram capazes de manter a ordem, tendo-se queixado disso em diversas ocasiões ao governador do Estado. Este limitava-se a mandar, de vez em quando, alguns agentes federais para investigar. A presença destes acalmava a situação durante algum tempo, porém mais de um agente foi encontrado morto. Era neste cenário que se devia procurar o verdadeiro assassino de James Taft.
Não eram poucas as dificuldades que encontraria e sabia que a sua vida correria um constante perigo. Mas isto não o assustava, pelo contrário, constituía um incentivo para ele. Nenhum obstáculo o faria parar no cumprimento do seu dever; somente a morte o deteria.
Tinha a certeza de que Jimmy Derek estava inocente. Ao ler pela primeira vez o crime de Bristol, julgou vislumbrar algo de estranho; o seu instinto profissional assim o indicava.
A visita de Harold Weeks fora decisiva, fazendo com que se dedicasse à sua defesa. Os assuntos que tinha em mãos, não eram de excessiva importância e tinha-os deixado entregues ao seu amigo.
David respirava o ar livre. Desde que se instalara em Topeka não mais saíra da cidade, aparte os frequentes passeios que dava a cavalo. Isto, agora, representava voltar à sua antiga vida, que no fundo adorava. Galopar por pradarias, desfiladeiros, «canyons», sem dar importância ao tempo, só pendente do trabalho que efetuava.
Ao divisar Bristol à distância, ergueu-se sobre os estribos. Achava-se convencido de que estavam à sua espera, e o acolhimento não seria nada amigável. Weeks tinha-lhe garantido não ter visto nenhum habitante de Bristol, mas David estava convencido de que o assassino de Taft tinha completas informações da sua atuação, do seu êxito em conseguir adiar o julgamento e da sua misteriosa desaparição de Topeka.
Teria de lutar contra um inimigo oculto na sombra, ignorando quem era e donde vinham os seus ataques. Este, pelo contrário, conhecê-lo-ia perfeitamente, e manter-se-ia à espreita. A perspetiva não era agradável por certo, mas ele não tinha medo. Tinha absoluta confiança em si próprio.
Ninguém reparou nele ao entrar na povoação. Tratava-se de um dos numerosos vaqueiros que chegavam continuamente a Bristol, coberto de pó, barba por fazer e desalinhado. Nada no seu trajar o distinguia dos demais.
Quanto ao seu excelente cavalo, era sabido que o mais miserável vaqueiro pode ser dono do melhor cavalo, e preferirá morrer de fome a vendê-lo. Procurou uma pensão modesta, fora do centro da povoação, para não dar tanto nas vistas, mas não conseguiu encontrá-la. Assobiou então, a um grupo de garotos que brincavam na rua.
-- Que quer, vaqueiro? — perguntou-lhe um rapazote, com o rosto coberto de sardas e ar descarado.
— Onde posso encontrar uma pensão barata, rapaz?
Este meneou a cabeça, fez um ar concentrado e disse:
— Não me recordo, é possível que...
David sorriu, tirou do bolso uma moeda e atirou-a ao garoto. Este colheu-a habilmente no ar e respondeu:
— Já me recordo. Siga-me, e conduzi-lo-ei até à pensão de Mac Gregor. Ali comerá e dormirá bem.
David começou a caminhar. O rapaz acariciou o cavalo.
— Bela estampa, vaqueiro.
— De facto, é. Em todo o Kansas não existe outro melhor.
— Ora, todos os vaqueiros dizem o mesmo! Mas este é excelente.
— Vejo que entendes de cavalos.
— Sou um bom cavaleiro.
David divertia-se com o descaramento do rapaz; este teria talvez doze anos.
— Dar-te-ei mais meio dólar, se antes de irmos à pensão de Mac Gregor, formos a uma cavalariça.
— De acordo, vaqueiro.
Por simples casualidade, muito perto da pensão de Mac Gregor, situava-se uma cavalariça.
-- Não fizeste jogo limpo, rapaz — ralhou David, entregando-lhe a moeda.
— Não o enganei. O senhor ofereceu-me meio dólar para o levar a uma cavalariça; eu limitei-me a aceitar.
— És um maroto.
O rapaz encolheu os ombros e afastou-se, correndo. Porém, deteve-se, e voltando-se, disse:
— Quando tornar a necessitar dos meus serviços, estou à sua disposição, vaqueiro.
— Obrigado, vagabundo.
Quem o recebeu foi um homem alto e delgado. O seu aspeto era rude, porém encobria um excelente carácter, como David não demorou a descobrir. O preço não era excessivo; na realidade isto não tinha importância para o jovem, mas desejava dar a impressão de que era um autêntico vaqueiro.
A habitação era limpa e confortável. David arranjou-se e saiu a dar um passeio pela povoação, para a conhecer, limitando-se a admirar os estabelecimentos, com a curiosidade própria dos forasteiros. Todos os seus movimentos eram próprios de um vaqueiro. e procurava não despertar suspeitas.
Passou pela frente do escritório do xerife. Se tivesse este como aliado, isso constituiria uma grande vantagem para ele, porém não o conhecia e ignorava até onde iria a sua honradez. Talvez fosse um homem sem escrúpulos, apesar das boas informações que tinha sobre ele.
David era desconfiado em extremo, e a experiência tinha-lhe demonstrado que isso era uma excelente qualidade.
A pessoa que mais desejava conhecer era Perla Day, a cantora de «cabaret». Ela conhecia perfeitamente Jimmy Derek; poderia fornecer-lhe dados valiosos.
Comprou tabaco e papel. Ao sair da loja, viu que uma carruagem parava perto dele; desceu Harold Weeks, que ajudou a apear-se uma jovem de cabelos loiros e olhos claros, cuja semelhança com Jimmy Derek era flagrante. Mesmo que a encontrasse sozinha, logo a teria reconhecido. Chamava-se Nancy Derek.
O seu coração bateu de forma desacostumada e ele ficou imóvel, e ao ver fixo em si o olhar assombrado de Weeks, fez-lhe um sinal impercetível. O capataz abaixou a cabeça, como significando que podia estar tranquilo. No entanto, continuava admiradíssimo que aquele rude vaqueiro fosse o elegante advogado David Murray. Achava-se perplexo e respondeu à pergunta que lhe fez a jovem com um movimento de cabeça, e entraram na loja.
David seguiu com o olhar a esbelta e escultural figura da rapariga. Era muito bela. Teria ficado apaixonado à primeira vista? A impressão recebida assim o indicava. O seu coração sobressaltou-se; o sinal esperado quando encontrasse a mulher sonhada. Se era assim, não se sentia contrariado. Nancy Derek era uma criatura maravilhosa. Desde o primeiro instante, ao ler o relato do crime cometido em Bristol, tivera a impressão de que seria um caso decisivo para a sua existência, e não se enganara.
Já não temia tornar a ver o capataz; este já não se sobressaltaria quando o visse. Apanhou um papel e escreveu rapidamente: «Weeks: não me fale, é possível que nos vigiem, Murray». Dobrou-o e dissimuladamente esperou a saída de Nancy e do capataz. Andava pelo passeio com ar distraído e ao vê-los, tropeçou e foi contra a jovem, fazendo-lhe cair um pacote. Com rapidez, abaixou-se para apanhá-lo, enquanto Weeks fazia o mesmo e depositou o papel na sua mão. Este não demonstrou o mínimo espanto. Ao erguer-se, disse:
— Não se deve andar distraído, vaqueiro.
— Perdoe, senhor — e levou a mão à aba do chapéu. – Lamento tê-la incomodado, menina.
Os seus olhares cruzaram-se e David estremeceu. Nancy Derek, vista de mais próximo, ainda era mais formosa, coisa que pouco antes lhe tinha parecido impossível. A jovem sorriu, descobrindo duas fileiras de dentes que pareciam pérolas.
— Não se preocupe, foi só o susto. Não esperava o choque.
David balbuciou com fingida timidez novas desculpas e afastou-se.
— Estes vaqueiros não sabem andar na cidade —disse Weeks, enquanto ajudava Nancy a subir para a carruagem.
— Ia distraído — desculpou-o a rapariga. — Ainda bem que já tenho o pé quase bom.
Harold Weeks ao sair da povoação, esteve tentado a revelar à jovem a verdadeira identidade do vaqueiro que tropeçara nela, mas conteve-se, recordando a insistência do advogado que não o reconhecesse ao vê-lo em Bristol.
Aproveitou a primeira oportunidade para ler o papel, que destruiu imediatamente. David Murray era um belo rapaz, não olhava a meios para demonstrar a inocência do seu constituinte.
David foi andando com lentidão, chegando a um «saloon», de aspeto luxuoso, que podia competir com os melhores de Topeka. Ali atuava Perla Day. Segundo Weeks era uma mulher muito bela e o «saloon» era o lugar mais adequado para ela.
Entrou. Aquela hora estava quase vazio. Encostou-se ao balcão e pediu uma caneca de cerveja. O «barman» serviu-o com indiferença. David bebeu um trago e comprovou que era de excelente qualidade.
— Boa cerveja — disse. — O espetáculo também é tão bom?
— Naturalmente, vaqueiro, porém deve aperaltar-se para vir esta noite, pois há raparigas muito lindas.
E fez uma cara maliciosa.
-- Então cá estarei — prometeu David.
Ao sair do «saloon» encaminhou-se para a pensão. Achava-se satisfeito. O seu aspeto tinha enganado todas as pessoas com quem falara, porém, as palavras do «barman» tinham-lhe indicado que devia barbear-se, e isto contrariava-o; uma barba cerrada permitir-lhe-ia manter-se incógnito.
Tinha a certeza de que o misterioso assassino de James Taft estava ao par da sua súbita desaparição de Topeka e estaria vigilante para vê-lo aparecer em Bristol. Apesar de todos os seus esforços não conseguiria enganá-lo.
Não se lamentava; contava com esta desvantagem, e estava decidido a fazer frente a todos os perigos que lhe saíssem ao encontro. Chegou à pensão e antes de comer, arranjou-se. Ao sentar-se à mesa, Mac Gregor olhou-o, sorrindo.
-- Pensa divertir-se, não é verdade, vaqueiro?
— Sim, há muitos dias que não ponho os pés numa cidade decente.
— Bristol agradar-lhe-á, mas tem de ser cauteloso.
— Não me preocupo, pois não costumo provocar seja quem for, embora não vire a cara ao perigo.
— Isso vê-se logo — respondeu o irlandês, sorrindo.
—Nos meus tempos eu também era assim, porém casei-me e o terrível Mac Gregor passou à história.
David começou a rir, divertido com a lembrança do irlandês.
David Murray não se tinha enganado. O assassino de James Taft achava-se perfeitamente inteirado de que tomara a defesa de Jimmy Derek, assim como do êxito que obtivera e a sua súbita desaparição de Topeka, e esperava o seu aparecimento em Bristol. Dispunha-se a suprimi-lo, mas de forma que parecesse natural. Vários homens, todos perigosos, receberam a incumbência de esperar o advogado e atacá-lo quando se lhes apresentasse a oportunidade.
Em princípio não foi reconhecido. O seu aspeto de vaqueiro salvou-o de vários ataques, pois a recompensa para o que conseguisse eliminar David Murray era tentadora em extremo.
Depois de comer, deitou-se tranquilamente, descansando da marcha efetuada para chegar a Bristol. Dormiu pouco. O resto da noite passou-o fumando, parecendo-lhe ver através das nuvens de fumo o belíssimo rosto de Nancy Derek. Jamais lhe acontecera coisa semelhante e então confirmou-se a sua primeira impressão: estava apaixonado.
Deu uma volta antes de cear. Não lhe agradava, mas teve de fazê-lo, para não se tornar suspeito e descobrir donde viria o perigo. Tinha que actuar como um verdadeiro vaqueiro e permanecer o menos tempo possível em casa; era o mais próprio de um «cow-boy».
Percorreu as ruas como se andasse distraído. Agora era muito maior a animação, e sentiu-se mais tranquilo, como se a presença de muitas pessoas o protegesse. Viu o rapaz que lhe indicara a pensão de Mac Gregor e aparentou não o reconhecer, porém o garoto deu várias voltas à sua roda, como se o quisesse reconhecer. Ter-lhe-ia dado de boa vontade um pontapé, se não tivesse medo de o aleijar.
Parou ao pé de uma montra, como se estivesse admirando os objetos expostos e notou que lhe puxavam as calças. Voltou-se para olhar o garoto.
— Olá, vaqueiro! — saudou este, sorrindo. — Não o reconheci ao princípio.
— Ah, és tu! Eu também não te reconhecia.
— De verdade? — inquiriu o garoto, mas o seu sorriso era incrédulo.
— Naturalmente — respondeu David, como se estivesse ofendido. — De contrário tinha-te falado.
— Fico contente, porque o senhor agrada-me. Há alguns vaqueiros que são muito vaidosos.
— Já gastaste o dinheiro que te dei?
— Há bocado; comprei fruta e bolos.
— Como o aproveitaste bem, estou satisfeito com isso. Toma meio dólar para amanhã.
O rapaz retrocedeu uns passos, recusando a moeda que lhe oferecia o vaqueiro.
— Obrigado, mas não aceito.
— Porquê? — perguntou David, surpreendido.
— Porque eu não ganhei esse dinheiro. Que importa isso? Oferece-to um amigo.
— Não, não o quero. Eu também jogo limpo.
— Como te chamas? — e David sorriu, satisfeito pela decidida atitude do garoto.
— Jackie, e alegro-me por ser teu amigo.
— Então, pela nossa amizade aceita este meio dólar.
Jackie titubeou uns instantes e por fim decidiu-se, recebeu a moeda e estreitando a mão de David, afastou-se depois a correr. O jovem olhou-o sorrindo, encolheu os ombros e prosseguiu no seu passeio.
— O senhor é tão bom advogado como me tinham garantido.
Murray teve um sorriso perante aquela expressão de Weeks.
— Agora é que vão começar a aparecer as dificuldades. Tenho de ir a Bristol ver se consigo obter provas da culpabilidade do verdadeiro assassino.
— Julga que seja necessário? Demonstrando a inocência de Jimmy, é o suficiente.
— Não sei se o terei conseguido e embora que assim fosse, isso para mim não seria o suficiente. Sobre a cabeça de Jimmy Derek ficaria para sempre a dúvida e talvez mesmo eu me arrependesse um dia. Não, tenho de saber a identidade do verdadeiro assassino.
— Quando partimos para Bristol?
—O senhor, quando quiser; eu irei sozinho. Quando me encontrar, finja que não me conhece e muito menos tente falar comigo. Compreendeu?
— Perdão, mas não percebi bem...
— Chegarei a Bristol como se fosse um simples vaqueiro...
— O senhor, um vaqueiro? — interrompeu Weeks, surpreendido. — Não conseguirá enganar ninguém. É demasiado... fino e elegante.
— Está equivocado, Weeks. Antes de ser advogado, fui vaqueiro; quase todos os dias percorro os arredores de Topeka, a cavalo. — Começou a rir com gosto da cara de assombro do capataz. — Não julgo enganar os nossos inimigos, pois são muito astutos, mas, no entanto, farei o possível para o conseguir.
— O senhor é formidável, Murray.
— Até à vista... e desconheça-me.
Apertou-lhe a mão e quando Weeks ia afastar-se, puxou-o por um braço com força.
— Um momento, Weeks. Durante o julgamento conheceu alguém de Bristol?
— Não, ninguém.
— Belo. Então, adeus.
O jovem afastou-se. Chegado a casa encarregou a senhora Mulloy de lhe preparar a roupa. A boa mulher não pareceu surpreendida da incumbência, embora dissesse:
— Tem cuidado, David... expões-te demasiado.
— É o meu dever, senhora Mulloy. Tenho de o cumprir.
— Sim, sim. Com essa palavra sempre me fazes calar. O que deves fazer, é escolher uma boa rapariga e casar. Eu conheço mais de uma...
— Já sei, senhora Mulloy, já sei. Um homem da minha posição, necessita de uma esposa distinta...
— É inútil querer convencer-te lamentou-se ela. Quando voltarás?
— Dentro de dez a quinze dias; não se preocupe comigo.
— Já estou acostumada aos teus disparates.
Apesar do seu enfado aparente, a senhora Mulloy orgulhava-se de tratar dele.
Meia hora depois, um vaqueiro saía de Topeka. Os conhecidos de David Murray ficariam surpreendidos se o reconhecessem, pois ele só era notado pela sua atlética compleição. David cavalgava com satisfação.
Em pequeno, ao ver-se só no mundo, tinha trabalhado num rancho. O seu interesse pela leitura tinha-lhe feito compreender as consideráveis vantagens que lhe proporcionaria o estudo e a ele se dedicou com afinco, sem desanimar com as troças dos seus companheiros. Aos vinte e três conseguiu alcançar o título de advogado e foi estabelecer-se em Chicago, onde permaneceu três anos trabalhando com grande afã. Regressou a Kansas e instalou-se em Topeka, onde o seu nome não tardou a rodear-se de justa fama. Era conhecido pela sua honradez, eloquência e habilidade para sair vitorioso em todos os casos que foi chamado a defender.
A defesa de Jimmy Derek, à primeira vista, achava-se eriçada de perigos. Ele conhecia o terreno. Sabia que Bristol era uma importante povoação, fundada por várias famílias inglesas. Tinha em seu poder todas as informações relativas a ela.
Naquela povoação, distante umas quarenta milhas de Topeka, reinava urna desordem quase completa. Numerosos roubos de gado, alguns assaltos à mão armada, frequentes rixas, com homens que ficavam estendidos sem vida no meio das ruas.
O xerife e os seus ajudantes não eram capazes de manter a ordem, tendo-se queixado disso em diversas ocasiões ao governador do Estado. Este limitava-se a mandar, de vez em quando, alguns agentes federais para investigar. A presença destes acalmava a situação durante algum tempo, porém mais de um agente foi encontrado morto. Era neste cenário que se devia procurar o verdadeiro assassino de James Taft.
Não eram poucas as dificuldades que encontraria e sabia que a sua vida correria um constante perigo. Mas isto não o assustava, pelo contrário, constituía um incentivo para ele. Nenhum obstáculo o faria parar no cumprimento do seu dever; somente a morte o deteria.
Tinha a certeza de que Jimmy Derek estava inocente. Ao ler pela primeira vez o crime de Bristol, julgou vislumbrar algo de estranho; o seu instinto profissional assim o indicava.
A visita de Harold Weeks fora decisiva, fazendo com que se dedicasse à sua defesa. Os assuntos que tinha em mãos, não eram de excessiva importância e tinha-os deixado entregues ao seu amigo.
David respirava o ar livre. Desde que se instalara em Topeka não mais saíra da cidade, aparte os frequentes passeios que dava a cavalo. Isto, agora, representava voltar à sua antiga vida, que no fundo adorava. Galopar por pradarias, desfiladeiros, «canyons», sem dar importância ao tempo, só pendente do trabalho que efetuava.
Ao divisar Bristol à distância, ergueu-se sobre os estribos. Achava-se convencido de que estavam à sua espera, e o acolhimento não seria nada amigável. Weeks tinha-lhe garantido não ter visto nenhum habitante de Bristol, mas David estava convencido de que o assassino de Taft tinha completas informações da sua atuação, do seu êxito em conseguir adiar o julgamento e da sua misteriosa desaparição de Topeka.
Teria de lutar contra um inimigo oculto na sombra, ignorando quem era e donde vinham os seus ataques. Este, pelo contrário, conhecê-lo-ia perfeitamente, e manter-se-ia à espreita. A perspetiva não era agradável por certo, mas ele não tinha medo. Tinha absoluta confiança em si próprio.
Ninguém reparou nele ao entrar na povoação. Tratava-se de um dos numerosos vaqueiros que chegavam continuamente a Bristol, coberto de pó, barba por fazer e desalinhado. Nada no seu trajar o distinguia dos demais.
Quanto ao seu excelente cavalo, era sabido que o mais miserável vaqueiro pode ser dono do melhor cavalo, e preferirá morrer de fome a vendê-lo. Procurou uma pensão modesta, fora do centro da povoação, para não dar tanto nas vistas, mas não conseguiu encontrá-la. Assobiou então, a um grupo de garotos que brincavam na rua.
-- Que quer, vaqueiro? — perguntou-lhe um rapazote, com o rosto coberto de sardas e ar descarado.
— Onde posso encontrar uma pensão barata, rapaz?
Este meneou a cabeça, fez um ar concentrado e disse:
— Não me recordo, é possível que...
David sorriu, tirou do bolso uma moeda e atirou-a ao garoto. Este colheu-a habilmente no ar e respondeu:
— Já me recordo. Siga-me, e conduzi-lo-ei até à pensão de Mac Gregor. Ali comerá e dormirá bem.
David começou a caminhar. O rapaz acariciou o cavalo.
— Bela estampa, vaqueiro.
— De facto, é. Em todo o Kansas não existe outro melhor.
— Ora, todos os vaqueiros dizem o mesmo! Mas este é excelente.
— Vejo que entendes de cavalos.
— Sou um bom cavaleiro.
David divertia-se com o descaramento do rapaz; este teria talvez doze anos.
— Dar-te-ei mais meio dólar, se antes de irmos à pensão de Mac Gregor, formos a uma cavalariça.
— De acordo, vaqueiro.
Por simples casualidade, muito perto da pensão de Mac Gregor, situava-se uma cavalariça.
-- Não fizeste jogo limpo, rapaz — ralhou David, entregando-lhe a moeda.
— Não o enganei. O senhor ofereceu-me meio dólar para o levar a uma cavalariça; eu limitei-me a aceitar.
— És um maroto.
O rapaz encolheu os ombros e afastou-se, correndo. Porém, deteve-se, e voltando-se, disse:
— Quando tornar a necessitar dos meus serviços, estou à sua disposição, vaqueiro.
— Obrigado, vagabundo.
Quem o recebeu foi um homem alto e delgado. O seu aspeto era rude, porém encobria um excelente carácter, como David não demorou a descobrir. O preço não era excessivo; na realidade isto não tinha importância para o jovem, mas desejava dar a impressão de que era um autêntico vaqueiro.
A habitação era limpa e confortável. David arranjou-se e saiu a dar um passeio pela povoação, para a conhecer, limitando-se a admirar os estabelecimentos, com a curiosidade própria dos forasteiros. Todos os seus movimentos eram próprios de um vaqueiro. e procurava não despertar suspeitas.
Passou pela frente do escritório do xerife. Se tivesse este como aliado, isso constituiria uma grande vantagem para ele, porém não o conhecia e ignorava até onde iria a sua honradez. Talvez fosse um homem sem escrúpulos, apesar das boas informações que tinha sobre ele.
David era desconfiado em extremo, e a experiência tinha-lhe demonstrado que isso era uma excelente qualidade.
A pessoa que mais desejava conhecer era Perla Day, a cantora de «cabaret». Ela conhecia perfeitamente Jimmy Derek; poderia fornecer-lhe dados valiosos.
Comprou tabaco e papel. Ao sair da loja, viu que uma carruagem parava perto dele; desceu Harold Weeks, que ajudou a apear-se uma jovem de cabelos loiros e olhos claros, cuja semelhança com Jimmy Derek era flagrante. Mesmo que a encontrasse sozinha, logo a teria reconhecido. Chamava-se Nancy Derek.
O seu coração bateu de forma desacostumada e ele ficou imóvel, e ao ver fixo em si o olhar assombrado de Weeks, fez-lhe um sinal impercetível. O capataz abaixou a cabeça, como significando que podia estar tranquilo. No entanto, continuava admiradíssimo que aquele rude vaqueiro fosse o elegante advogado David Murray. Achava-se perplexo e respondeu à pergunta que lhe fez a jovem com um movimento de cabeça, e entraram na loja.
David seguiu com o olhar a esbelta e escultural figura da rapariga. Era muito bela. Teria ficado apaixonado à primeira vista? A impressão recebida assim o indicava. O seu coração sobressaltou-se; o sinal esperado quando encontrasse a mulher sonhada. Se era assim, não se sentia contrariado. Nancy Derek era uma criatura maravilhosa. Desde o primeiro instante, ao ler o relato do crime cometido em Bristol, tivera a impressão de que seria um caso decisivo para a sua existência, e não se enganara.
Já não temia tornar a ver o capataz; este já não se sobressaltaria quando o visse. Apanhou um papel e escreveu rapidamente: «Weeks: não me fale, é possível que nos vigiem, Murray». Dobrou-o e dissimuladamente esperou a saída de Nancy e do capataz. Andava pelo passeio com ar distraído e ao vê-los, tropeçou e foi contra a jovem, fazendo-lhe cair um pacote. Com rapidez, abaixou-se para apanhá-lo, enquanto Weeks fazia o mesmo e depositou o papel na sua mão. Este não demonstrou o mínimo espanto. Ao erguer-se, disse:
— Não se deve andar distraído, vaqueiro.
— Perdoe, senhor — e levou a mão à aba do chapéu. – Lamento tê-la incomodado, menina.
Os seus olhares cruzaram-se e David estremeceu. Nancy Derek, vista de mais próximo, ainda era mais formosa, coisa que pouco antes lhe tinha parecido impossível. A jovem sorriu, descobrindo duas fileiras de dentes que pareciam pérolas.
— Não se preocupe, foi só o susto. Não esperava o choque.
David balbuciou com fingida timidez novas desculpas e afastou-se.
— Estes vaqueiros não sabem andar na cidade —disse Weeks, enquanto ajudava Nancy a subir para a carruagem.
— Ia distraído — desculpou-o a rapariga. — Ainda bem que já tenho o pé quase bom.
Harold Weeks ao sair da povoação, esteve tentado a revelar à jovem a verdadeira identidade do vaqueiro que tropeçara nela, mas conteve-se, recordando a insistência do advogado que não o reconhecesse ao vê-lo em Bristol.
Aproveitou a primeira oportunidade para ler o papel, que destruiu imediatamente. David Murray era um belo rapaz, não olhava a meios para demonstrar a inocência do seu constituinte.
David foi andando com lentidão, chegando a um «saloon», de aspeto luxuoso, que podia competir com os melhores de Topeka. Ali atuava Perla Day. Segundo Weeks era uma mulher muito bela e o «saloon» era o lugar mais adequado para ela.
Entrou. Aquela hora estava quase vazio. Encostou-se ao balcão e pediu uma caneca de cerveja. O «barman» serviu-o com indiferença. David bebeu um trago e comprovou que era de excelente qualidade.
— Boa cerveja — disse. — O espetáculo também é tão bom?
— Naturalmente, vaqueiro, porém deve aperaltar-se para vir esta noite, pois há raparigas muito lindas.
E fez uma cara maliciosa.
-- Então cá estarei — prometeu David.
Ao sair do «saloon» encaminhou-se para a pensão. Achava-se satisfeito. O seu aspeto tinha enganado todas as pessoas com quem falara, porém, as palavras do «barman» tinham-lhe indicado que devia barbear-se, e isto contrariava-o; uma barba cerrada permitir-lhe-ia manter-se incógnito.
Tinha a certeza de que o misterioso assassino de James Taft estava ao par da sua súbita desaparição de Topeka e estaria vigilante para vê-lo aparecer em Bristol. Apesar de todos os seus esforços não conseguiria enganá-lo.
Não se lamentava; contava com esta desvantagem, e estava decidido a fazer frente a todos os perigos que lhe saíssem ao encontro. Chegou à pensão e antes de comer, arranjou-se. Ao sentar-se à mesa, Mac Gregor olhou-o, sorrindo.
-- Pensa divertir-se, não é verdade, vaqueiro?
— Sim, há muitos dias que não ponho os pés numa cidade decente.
— Bristol agradar-lhe-á, mas tem de ser cauteloso.
— Não me preocupo, pois não costumo provocar seja quem for, embora não vire a cara ao perigo.
— Isso vê-se logo — respondeu o irlandês, sorrindo.
—Nos meus tempos eu também era assim, porém casei-me e o terrível Mac Gregor passou à história.
David começou a rir, divertido com a lembrança do irlandês.
David Murray não se tinha enganado. O assassino de James Taft achava-se perfeitamente inteirado de que tomara a defesa de Jimmy Derek, assim como do êxito que obtivera e a sua súbita desaparição de Topeka, e esperava o seu aparecimento em Bristol. Dispunha-se a suprimi-lo, mas de forma que parecesse natural. Vários homens, todos perigosos, receberam a incumbência de esperar o advogado e atacá-lo quando se lhes apresentasse a oportunidade.
Em princípio não foi reconhecido. O seu aspeto de vaqueiro salvou-o de vários ataques, pois a recompensa para o que conseguisse eliminar David Murray era tentadora em extremo.
Depois de comer, deitou-se tranquilamente, descansando da marcha efetuada para chegar a Bristol. Dormiu pouco. O resto da noite passou-o fumando, parecendo-lhe ver através das nuvens de fumo o belíssimo rosto de Nancy Derek. Jamais lhe acontecera coisa semelhante e então confirmou-se a sua primeira impressão: estava apaixonado.
Deu uma volta antes de cear. Não lhe agradava, mas teve de fazê-lo, para não se tornar suspeito e descobrir donde viria o perigo. Tinha que actuar como um verdadeiro vaqueiro e permanecer o menos tempo possível em casa; era o mais próprio de um «cow-boy».
Percorreu as ruas como se andasse distraído. Agora era muito maior a animação, e sentiu-se mais tranquilo, como se a presença de muitas pessoas o protegesse. Viu o rapaz que lhe indicara a pensão de Mac Gregor e aparentou não o reconhecer, porém o garoto deu várias voltas à sua roda, como se o quisesse reconhecer. Ter-lhe-ia dado de boa vontade um pontapé, se não tivesse medo de o aleijar.
Parou ao pé de uma montra, como se estivesse admirando os objetos expostos e notou que lhe puxavam as calças. Voltou-se para olhar o garoto.
— Olá, vaqueiro! — saudou este, sorrindo. — Não o reconheci ao princípio.
— Ah, és tu! Eu também não te reconhecia.
— De verdade? — inquiriu o garoto, mas o seu sorriso era incrédulo.
— Naturalmente — respondeu David, como se estivesse ofendido. — De contrário tinha-te falado.
— Fico contente, porque o senhor agrada-me. Há alguns vaqueiros que são muito vaidosos.
— Já gastaste o dinheiro que te dei?
— Há bocado; comprei fruta e bolos.
— Como o aproveitaste bem, estou satisfeito com isso. Toma meio dólar para amanhã.
O rapaz retrocedeu uns passos, recusando a moeda que lhe oferecia o vaqueiro.
— Obrigado, mas não aceito.
— Porquê? — perguntou David, surpreendido.
— Porque eu não ganhei esse dinheiro. Que importa isso? Oferece-to um amigo.
— Não, não o quero. Eu também jogo limpo.
— Como te chamas? — e David sorriu, satisfeito pela decidida atitude do garoto.
— Jackie, e alegro-me por ser teu amigo.
— Então, pela nossa amizade aceita este meio dólar.
Jackie titubeou uns instantes e por fim decidiu-se, recebeu a moeda e estreitando a mão de David, afastou-se depois a correr. O jovem olhou-o sorrindo, encolheu os ombros e prosseguiu no seu passeio.
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