Art Kearney tinha tudo bem preparado; provavelmente pagara ao dono da casa para a deixar livremente à sua disposição. Desta maneira podia manobrar à vontade.
David compreendeu que estava perdido. O seu cadáver não tardaria a ser encontrado numa rua solitária. Lamentava o facto somente devido a Jimmy Derek; a sua inocência não podia ser provada. Para ele era completamente indiferente; jamais tivera apreço à vida.
De repente compreendeu que estava equivocado, ao evocar a imagem de Nancy. Sim, queria continuar a viver, gostava da jovem e tinha a certeza de ser correspondido. Esforçou-se por se conter e não agredir Kearney. Isso constituiria um verdadeiro suicídio.
Foi obrigado a entrar na casa. Esta achava-se mobilada com uma mesa rústica e duas cadeiras. Por uma pequena janela entrava 'a ténue claridade do entardecer.
— Acende o candeeiro, Strond, para vermos melhor a cara do advogado.
O pistoleiro obedeceu. A uma indicação do rancheiro afastou a mesa para um canto, deixando sobre esta o candeeiro de petróleo. Kearney concordou, satisfeito, com um movimento de cabeça e disse:
— Sente-se, Murray.
O jovem deixou-se cair na cadeira, enquanto o pistoleiro que o surpreendera ao pé do muro, se colocava atrás dele. Aquele bandido nem um só momento deixara de lhe apontar o revólver, como se esperasse com ansiedade o instante de apertar o gatilho.
— Agora vamos falar com toda a tranquilidade, Murray — disse Kearney, guardando a sua arma.
— Estou disposto a responder a todas as suas perguntas, Kearney.
— Alegra-me imenso que se mostre ajuizado.
— Julgo não ter outro remédio — respondeu David, encolhendo os ombros.
— A que se deve o seu interesse em demonstrar que Jimmy Derek está inocente?
— Por acreditar na inocência dele. Cumpro o meu dever.
— Bah! — exclamou o rancheiro, despeitado. — Isso é uma solene patetice. Deve existir um motivo mais poderoso e quero saber qual é.
— Disse-lhe a verdade, não há outro motivo.
Kearney soltou um rugido de raiva e deu uma forte bofetada em David. A força do golpe sacudiu com violência a cabeça do jovem, ferindo-lhe o lábio superior. Sentiu na boca o sabor acre do sangue. Um doloroso zumbido atacou-lhe os ouvidos. Ia a levantar-se, mas deteve-o o frio contacto do cano do revólver na nuca.
— Diga-me a verdade, Murray.
— Já a disse.
Kearney bateu no rosto do seu inimigo com o dorso da mão. David apertou os lábios e permaneceu impassível, olhando com desprezo o rancheiro. Já esperava aquele golpe.
— É muito valente o advogado — comentou Strond, trocista.
Deu um passo à frente e golpeou com o punho cerrado a mandíbula de David. Por um momento pareceu que este ia a cair da cadeira, mas com una poderoso esforço conseguiu manter-se firme.
— Agora já sabe que Jimmy Derek está inocente. Que pensa fazer?
— Prender o verdadeiro assassino e julgá-lo.
—O senhor é muito otimista —comentou Kearney, lançando uma gargalhada.
— Vocês são uns canalhas. — Acusou David.
— Continuo sem compreender como um homem da sua posição se meteu nesta empresa. Você oculta um motivo e quero descobri-lo, nem que para isso tenha de arrancar-lhe a pele, às tiras, e desfazê-lo a socos.
Pela sinistra expressão dos olhos de Art Kearney, David compreendeu que este se achava disposto a cumprir a sua ameaça. Viu que lhe ia bater outra vez. Doía-lhe os queixos do potente soco que lhe dera Strond. Se continuasse apanhando pancada, ficaria à mercê dos seus inimigos. Isto significava a morte e ele não queria morrer sem se defender.
Decidiu recorrer a uma tentativa desesperada. Os seus inimigos estavam confiados, julgando-o em seu poder. Devia aproveitar esta oportunidade que se lhe oferecia. Não vacilou. Apoiou com força as pontas dos pés no solo, afastou com rapidez a cabeça para um lado, lançando o corpo para trás com toda a energia.
O seu inesperado ataque colheu desprevenidos os seus inimigos, que já estavam saboreando o seu triunfo. O «pistoleiro» que estava atrás de si, caiu ao chão com o peso do seu corpo. Ao disparar, a bala foi-se anichar no tecto. Com um ágil salto, David endireitou-se.
A sua direita golpeou o queixo de Strond, que retrocedeu até embater na parede, deslizando por ela até ficar sentado no chão. O jovem voltou-se e deu um brutal pontapé no rosto do «pistoleiro» que intentava levantar-se, fazendo-o ficar estendido no solo.
Viu que Kearney se dispunha a empunhar o revólver e lançou-se como um furacão sobre ele, com a cabeça para a frente. O choque foi terrível. O rancheiro recebeu a cabeçada no peito e cambaleou.
David aproveitou a tontura do seu inimigo, para golpeá-lo com a esquerda no rosto, derrubando-o.
Viu que Strond lhe apontava o revólver e com um inverosímil salto caiu sobre a mesa, ao mesmo tempo que a bala passava sibilando junto ao seu corpo. Derrubou o candeeiro com uma palmada, deixando o compartimento em completa escuridão.
Soaram mais dois tiros. Strond disparava com rancor para o sítio onde estava, mas as balas passaram-lhe por cima, pois deitara-se no chão.
Agarrou a mesa pelas pernas, enquanto ouvia os passos do «pistoleiro» aproximarem-se dele. De repente, o compartimento iluminou-se ao incendiar-se o petróleo do candeeiro partido e Strond deixou escapar uma exclamação de triunfo, dispondo-se atirar sobre David.
O jovem conseguiu antecipar-se-lhe. Com um poderoso esforço elevou a mesa sobre a sua cabeça, ao mesmo tempo que se punha em pé, e arrojou-a com demolidora potência sobre o «pistoleiro», que lançando um grito de dor caiu no chão.
David recebeu um duro golpe na cabeça. Kearney tinha-lhe batido com as duas mãos. Apoiou um joelho no solo, aturdido, e recebeu um pontapé nas costas que o derrubou. Conseguiu levantar-se e no mesmo momento Kearney lançou-se sobre ele enquanto gritava para o «pistoleiro» que voltara a si, do pontapé que apanhara na cara, que o ajudasse.
Agarrava David para impedi-lo de se mover, enquanto via aproximar-se o seu cúmplice. As chamas iam alastrando pelo compartimento, iluminando a feroz luta, que a fazia parecer uma cena dantesca.
David passou as mãos por debaixo dos braços do seu inimigo e, com um impulso brutal, obrigou-o a soltá-lo Com um empurrão fez o «pistoleiro» afastar-se, ao mesmo tempo que via Strond dirigir-se para ele.
As forças começavam a faltar-lhe. A terrível luta mantida contra um inimigo superior em número, esgotara-o. As suas fantásticas energias abandonavam-no.
Observou o avanço vacilante de Strond. Ainda não estava refeito do golpe que apanhara com a mesa. Foi ao seu encontro e derrubou-o com um golpe em pleno rosto O «pistoleiro» preparava-se para atacá-lo juntamente com Kearney.
A sorte protegia David porque tinham caído ao solo os revólveres e não podiam disparar sobre ele. Os dois homens aproximavam-se ao mesmo tempo tapando a porta para evitar que se escapasse, enquanto as chamas aumentavam de intensidade.
— Estás nas nossas mãos, Murray. Já não escaparás — rosnou Kearney.
— Julgas isso? — respondeu David, trocista.
E protegendo o rosto com os braços, lançou-se contra a janela. Partiu os vidros e passou através deles, enquanto das gargantas dos seus inimigos brotavam furiosas imprecações.
David levantou-se e começou a correr para a saída, antes de que os seus inimigos conseguissem recuperar os revólveres e disparassem contra ele. Sentia um grande ardor nas mãos e no peito, mas não fez o menor caso, deviam ser alguns arranhões causados pelos vidros partidos.
Acabava de passar a porta que dava para a rua. Não se deteve um instante, nem sequer para voltar a cabeça, convencido de que Kearney e os seus cúmplices o perseguiriam com a intenção de acabar com ele, aproveitando a oportunidade de estar desarmado.
Não se enganava. Kearney, Strond e o outro «pistoleiro» apressaram-se a sair, assustados, pois o fogo cada vez era maior e ameaçava envolvê-los. Strond tossia bastante, enquanto os seus olhos procuravam distinguir a figura de David Murray, para disparar.
Kearney não se atreveu a empreender a perseguição do seu inimigo. Tanto o seu aspeto como o dos seus homens era deplorável, e apresentavam numerosos vestígios da luta travada. David chegou à cavalariça. O moço sobressaltou-se ao vê-lo chegar e saiu ao seu encontro.
— Que aconteceu, Wallace? Está ferido?
— Não, não é nada, uns rasgões sem importância. O meu cavalo.
Quando ia a montar o nobre animal, o moço lançou uma exclamação de surpresa.
— Não leva revólver?
— Já sei, amigo. Travei uma pequena escaramuça e perdi-o. Até à vista!
E partiu a galope, só abrandando a marcha depois de ter saído da povoação. Só havia um lugar onde podia estar seguro, e esse era o rancho de Nancy Derek. Não podia ficar em Bristol.
Kearney e a sua quadrilha lançar-se-iam à sua procura e não descansariam enquanto não o eliminassem. E ele não queria ter esse fim, sobretudo depois de ter conseguido sair ileso da terrível emboscada de que fora objeto. Sorriu ao recordar a luta recente.
Conseguira escapar graças à sua valentia e ter conservado o sangue frio até ao último momento. Nunca lutara com tanto prazer como o fizera minutos antes. Kearney, Strond e o «pistoleiro», tinham apanhado com toda a fúria de que era capaz. De vez em quando parava e escutava com atenção.
A escuridão era completa e não desejava cair numa emboscada. Não, não era perseguido, lograra despistar os seus inimigos. E já mais tranquilo continuou decidido a marcha para o rancho de Nancy. Quando transpôs o amplo portão do rancho dos Derek respirou aliviado, como se tivesse a sensação de estar protegido de quantos perigos o ameaçavam.
Ao parar à porta da grande casa dos Derek, viu-se rodeado de vários homens que lhe apontavam os revolveres. Apressou-se a levantar os braços, como indicando que não pensava em opor resistência. No patamar, apareceu Harold Weeks seguido de Nancy.
— O senhor Murray! —exclamou o capataz, surpreendido. — Guardem as armas, rapazes, trata-se dum amigo.
Os vaqueiros obedeceram e retiraram-se. Weeks apressou-se a ir ao encontro do jovem. Ao ver o sangue que lhe cobria o peito e as mãos, perguntou:
— Quem o feriu, rapaz?
—Kearney, Strond e outro «pistoleiro». Estes rasgões foram produzidos por vidros.
— Vidros? Como aconteceu isso?
— Saltei através duma janela fechada.
Weeks fez um gesto de espanto, enquanto se ouvia a voz de Nancy.
— Basta de conversa e suba imediatamente, Murray!
— Já vou, miss Derek, mas primeiro tenho de levar o meu cavalo à cavalariça.
— Obedeça, amigo — aconselhou Weeks, em voz baixa. — Eu tratarei do seu cavalo.
— Obrigado.
O capataz afastou-se levando o animal, enquanto David subia os quatro degraus da casa.
— Sente-se nessa cadeira — ordenou Nancy. — Vou-lhe fazer os curativos.
David sentou-se. Então compreendeu como estava cansado. No ardor da luta e da fuga, mantivera o seu indomável espírito. Mas ao sentar-se a sua cabeça caiu sobre o peito e os seus olhos fecharam-se, vencidos pela fadiga.
Quando Nancy regressou, não pôde conter um grito de terror. Weeks, que entrava naquele momento, correu para ela, enquanto David despertava, sobressaltado.
— Que se passa, Nancy? — perguntou o capataz, com ansiedade.
— Nada, julguei que o senhor Murray tinha desmaiado.
— Perdoe-me, miss Derek. Estou tão cansado que julgo ter adormecido.
— Causou-me um susto terrível. Por um instante, julguei que estava morto.
David deu uma alegre gargalhada.
— Que pensamento o seu, Nancy! Sou muito difícil de «liquidar».
A jovem, sem responder, começou a tratá-lo, respirando aliviada ao certificar-se de que as feridas eram simples arranhões.
— Não têm importância —disse Nancy. — Amanhã já estará curado.
— Já o sabia. Disse-o quando entrei.
— É verdade — respondeu a jovem, confusa, — mas como os homens são tão teimosos, julguei que o dizia para me enganar.
— Vá tomar um banho — disse Weeks. — Não tardaremos em ir jantar.
— Sim, julgo que um bom banho é que me porá melhor.
Quando David se sentou à mesa, sentia-se muito mais bem-disposto. A água fria, ao deslizar-lhe pelo corpo, fora como um bálsamo mágico; o aroma do guisado servido por Nancy, acabou por fortalecê-lo.
Esta opôs-se a que falasse do ocorrido; havia muito tempo, quando acabassem de jantar e os dois homens obedeceram. Nancy serviu café e pôs uma garrafa de «whisky» em cima da mesa.
— Isto acabará de reanimá-lo, Murray.
— Obrigado. A senhora é muito amável.
— Não diga patetices. Por muito que faça por si, nunca poderei pagar-lhe o que está fazendo por Jimmy.
David calou-se, confuso, sem saber que responder às palavras de agradecimento da rapariga.
— Dormirá cá em casa?
— Agradeço-lhe imenso. Era para pedir isso; em Bristol correria enorme perigo. Esses bandidos procuraram-me para me matar.
— Bem, agora que já acabámos de jantar, explique-nos tudo o que aconteceu, Murray — pediu Weeks, impaciente.
—É muito simples. Recebi uma carta do senhor, marcando um encontro para o mesmo sítio de ontem à tarde.
— Uma carta minha? — exclamou o capataz, surpreendido. — Devia ser falsa, pois eu não lhe escrevi.
— Já sei, não tardei a verificá-lo. Ao chegar ao lugar do encontro, deparou-se-me uma desagradável surpresa... — E David relatou a traços largos o acontecido na casa solitária, o próximo que estivera da morte e como conseguira escapar ao perigo.
Weeks e Nancy escutavam-no com ansiedade. Não o interromperam uma única vez. Quando ele terminou, o capataz comentou:
— O senhor é muito valente. Jamais pensei que existisse em Topeka um homem tão decidido, e muito menos que fosse um advogado.
David começou a rir ao ouvir o ingénuo comentário do capataz. Nancy não se cansava de olhar para ele. Os seus belos e claros olhos estavam cravados no semblante do jovem. Este dava conta disso e sentia-se incomodado.
— O senhor sabe quem matou James Taft? — perguntou a rapariga.
— Andrew Strond — foi a rápida resposta.
— Obedecendo a ordens de Kearney, não é verdade? —perguntou Weeks.
— É possível, mas não o posso afirmar. Durante esta noite, se o sono não me atacar, quero meditar bastante sobre o assunto.
— Vá descansar — ordenou Nancy, levantando-se. —Acompanhá-lo-ei ao quarto de Jimmy; está preparado.
E encaminhou-se, decidida, para o andar superior, como se tivesse a certeza de ser obedecida.
David inclinou-se para Weeks e perguntou-lhe em voz baixa:
—É sempre assim, tão autoritária?
— Oh, não! Algumas vezes, quando a situação é crítica. Agora, julgo que deseja impressioná-lo.
— Impressionar-me? — perguntou o jovem, surpreendido.
Weeks limitou-se a sorrir maliciosamente. David não pôde fazer comentários; Nancy, detendo-se, perguntou:
— Que fazem aí murmurando?
David encaminhou-se para ela sem responder e Nancy não se dignou voltar-se para o olhar. Deteve-se diante da porta, abrindo-a. Acendeu um candeeiro e disse:
— Este é o quarto de Jimmy; julgo que se sentirá à sua vontade.
— Não tenha a menor dúvida, Nancy. O pior palheiro, neste momento parecer-me-ia um paraíso, quanto mais um quarto tão magnífico.
Nancy chegou à porta, voltou-se e disse:
— Boas enoites, Murray. Desejo-lhe uma noite descansada. Muito obrigado, Nancy.
David aproximou-se da janela para a fechar, mas logo pensou melhor; deixá-la-ia aberta, encontrava-se em lugar seguro. Despiu-se e, instintivamente, pôs o revólver debaixo da almofada; ao dar conta do seu gesto ia a tirá-lo, mas não o fez, pois não o incomodaria. O jovem, tão depressa pôs a cabeça na almofada, adormeceu, sem que a adorável recordação de Nancy o pudesse evitar.
David compreendeu que estava perdido. O seu cadáver não tardaria a ser encontrado numa rua solitária. Lamentava o facto somente devido a Jimmy Derek; a sua inocência não podia ser provada. Para ele era completamente indiferente; jamais tivera apreço à vida.
De repente compreendeu que estava equivocado, ao evocar a imagem de Nancy. Sim, queria continuar a viver, gostava da jovem e tinha a certeza de ser correspondido. Esforçou-se por se conter e não agredir Kearney. Isso constituiria um verdadeiro suicídio.
Foi obrigado a entrar na casa. Esta achava-se mobilada com uma mesa rústica e duas cadeiras. Por uma pequena janela entrava 'a ténue claridade do entardecer.
— Acende o candeeiro, Strond, para vermos melhor a cara do advogado.
O pistoleiro obedeceu. A uma indicação do rancheiro afastou a mesa para um canto, deixando sobre esta o candeeiro de petróleo. Kearney concordou, satisfeito, com um movimento de cabeça e disse:
— Sente-se, Murray.
O jovem deixou-se cair na cadeira, enquanto o pistoleiro que o surpreendera ao pé do muro, se colocava atrás dele. Aquele bandido nem um só momento deixara de lhe apontar o revólver, como se esperasse com ansiedade o instante de apertar o gatilho.
— Agora vamos falar com toda a tranquilidade, Murray — disse Kearney, guardando a sua arma.
— Estou disposto a responder a todas as suas perguntas, Kearney.
— Alegra-me imenso que se mostre ajuizado.
— Julgo não ter outro remédio — respondeu David, encolhendo os ombros.
— A que se deve o seu interesse em demonstrar que Jimmy Derek está inocente?
— Por acreditar na inocência dele. Cumpro o meu dever.
— Bah! — exclamou o rancheiro, despeitado. — Isso é uma solene patetice. Deve existir um motivo mais poderoso e quero saber qual é.
— Disse-lhe a verdade, não há outro motivo.
Kearney soltou um rugido de raiva e deu uma forte bofetada em David. A força do golpe sacudiu com violência a cabeça do jovem, ferindo-lhe o lábio superior. Sentiu na boca o sabor acre do sangue. Um doloroso zumbido atacou-lhe os ouvidos. Ia a levantar-se, mas deteve-o o frio contacto do cano do revólver na nuca.
— Diga-me a verdade, Murray.
— Já a disse.
Kearney bateu no rosto do seu inimigo com o dorso da mão. David apertou os lábios e permaneceu impassível, olhando com desprezo o rancheiro. Já esperava aquele golpe.
— É muito valente o advogado — comentou Strond, trocista.
Deu um passo à frente e golpeou com o punho cerrado a mandíbula de David. Por um momento pareceu que este ia a cair da cadeira, mas com una poderoso esforço conseguiu manter-se firme.
— Agora já sabe que Jimmy Derek está inocente. Que pensa fazer?
— Prender o verdadeiro assassino e julgá-lo.
—O senhor é muito otimista —comentou Kearney, lançando uma gargalhada.
— Vocês são uns canalhas. — Acusou David.
— Continuo sem compreender como um homem da sua posição se meteu nesta empresa. Você oculta um motivo e quero descobri-lo, nem que para isso tenha de arrancar-lhe a pele, às tiras, e desfazê-lo a socos.
Pela sinistra expressão dos olhos de Art Kearney, David compreendeu que este se achava disposto a cumprir a sua ameaça. Viu que lhe ia bater outra vez. Doía-lhe os queixos do potente soco que lhe dera Strond. Se continuasse apanhando pancada, ficaria à mercê dos seus inimigos. Isto significava a morte e ele não queria morrer sem se defender.
Decidiu recorrer a uma tentativa desesperada. Os seus inimigos estavam confiados, julgando-o em seu poder. Devia aproveitar esta oportunidade que se lhe oferecia. Não vacilou. Apoiou com força as pontas dos pés no solo, afastou com rapidez a cabeça para um lado, lançando o corpo para trás com toda a energia.
O seu inesperado ataque colheu desprevenidos os seus inimigos, que já estavam saboreando o seu triunfo. O «pistoleiro» que estava atrás de si, caiu ao chão com o peso do seu corpo. Ao disparar, a bala foi-se anichar no tecto. Com um ágil salto, David endireitou-se.
A sua direita golpeou o queixo de Strond, que retrocedeu até embater na parede, deslizando por ela até ficar sentado no chão. O jovem voltou-se e deu um brutal pontapé no rosto do «pistoleiro» que intentava levantar-se, fazendo-o ficar estendido no solo.
Viu que Kearney se dispunha a empunhar o revólver e lançou-se como um furacão sobre ele, com a cabeça para a frente. O choque foi terrível. O rancheiro recebeu a cabeçada no peito e cambaleou.
David aproveitou a tontura do seu inimigo, para golpeá-lo com a esquerda no rosto, derrubando-o.
Viu que Strond lhe apontava o revólver e com um inverosímil salto caiu sobre a mesa, ao mesmo tempo que a bala passava sibilando junto ao seu corpo. Derrubou o candeeiro com uma palmada, deixando o compartimento em completa escuridão.
Soaram mais dois tiros. Strond disparava com rancor para o sítio onde estava, mas as balas passaram-lhe por cima, pois deitara-se no chão.
Agarrou a mesa pelas pernas, enquanto ouvia os passos do «pistoleiro» aproximarem-se dele. De repente, o compartimento iluminou-se ao incendiar-se o petróleo do candeeiro partido e Strond deixou escapar uma exclamação de triunfo, dispondo-se atirar sobre David.
O jovem conseguiu antecipar-se-lhe. Com um poderoso esforço elevou a mesa sobre a sua cabeça, ao mesmo tempo que se punha em pé, e arrojou-a com demolidora potência sobre o «pistoleiro», que lançando um grito de dor caiu no chão.
David recebeu um duro golpe na cabeça. Kearney tinha-lhe batido com as duas mãos. Apoiou um joelho no solo, aturdido, e recebeu um pontapé nas costas que o derrubou. Conseguiu levantar-se e no mesmo momento Kearney lançou-se sobre ele enquanto gritava para o «pistoleiro» que voltara a si, do pontapé que apanhara na cara, que o ajudasse.
Agarrava David para impedi-lo de se mover, enquanto via aproximar-se o seu cúmplice. As chamas iam alastrando pelo compartimento, iluminando a feroz luta, que a fazia parecer uma cena dantesca.
David passou as mãos por debaixo dos braços do seu inimigo e, com um impulso brutal, obrigou-o a soltá-lo Com um empurrão fez o «pistoleiro» afastar-se, ao mesmo tempo que via Strond dirigir-se para ele.
As forças começavam a faltar-lhe. A terrível luta mantida contra um inimigo superior em número, esgotara-o. As suas fantásticas energias abandonavam-no.
Observou o avanço vacilante de Strond. Ainda não estava refeito do golpe que apanhara com a mesa. Foi ao seu encontro e derrubou-o com um golpe em pleno rosto O «pistoleiro» preparava-se para atacá-lo juntamente com Kearney.
A sorte protegia David porque tinham caído ao solo os revólveres e não podiam disparar sobre ele. Os dois homens aproximavam-se ao mesmo tempo tapando a porta para evitar que se escapasse, enquanto as chamas aumentavam de intensidade.
— Estás nas nossas mãos, Murray. Já não escaparás — rosnou Kearney.
— Julgas isso? — respondeu David, trocista.
E protegendo o rosto com os braços, lançou-se contra a janela. Partiu os vidros e passou através deles, enquanto das gargantas dos seus inimigos brotavam furiosas imprecações.
David levantou-se e começou a correr para a saída, antes de que os seus inimigos conseguissem recuperar os revólveres e disparassem contra ele. Sentia um grande ardor nas mãos e no peito, mas não fez o menor caso, deviam ser alguns arranhões causados pelos vidros partidos.
Acabava de passar a porta que dava para a rua. Não se deteve um instante, nem sequer para voltar a cabeça, convencido de que Kearney e os seus cúmplices o perseguiriam com a intenção de acabar com ele, aproveitando a oportunidade de estar desarmado.
Não se enganava. Kearney, Strond e o outro «pistoleiro» apressaram-se a sair, assustados, pois o fogo cada vez era maior e ameaçava envolvê-los. Strond tossia bastante, enquanto os seus olhos procuravam distinguir a figura de David Murray, para disparar.
Kearney não se atreveu a empreender a perseguição do seu inimigo. Tanto o seu aspeto como o dos seus homens era deplorável, e apresentavam numerosos vestígios da luta travada. David chegou à cavalariça. O moço sobressaltou-se ao vê-lo chegar e saiu ao seu encontro.
— Que aconteceu, Wallace? Está ferido?
— Não, não é nada, uns rasgões sem importância. O meu cavalo.
Quando ia a montar o nobre animal, o moço lançou uma exclamação de surpresa.
— Não leva revólver?
— Já sei, amigo. Travei uma pequena escaramuça e perdi-o. Até à vista!
E partiu a galope, só abrandando a marcha depois de ter saído da povoação. Só havia um lugar onde podia estar seguro, e esse era o rancho de Nancy Derek. Não podia ficar em Bristol.
Kearney e a sua quadrilha lançar-se-iam à sua procura e não descansariam enquanto não o eliminassem. E ele não queria ter esse fim, sobretudo depois de ter conseguido sair ileso da terrível emboscada de que fora objeto. Sorriu ao recordar a luta recente.
Conseguira escapar graças à sua valentia e ter conservado o sangue frio até ao último momento. Nunca lutara com tanto prazer como o fizera minutos antes. Kearney, Strond e o «pistoleiro», tinham apanhado com toda a fúria de que era capaz. De vez em quando parava e escutava com atenção.
A escuridão era completa e não desejava cair numa emboscada. Não, não era perseguido, lograra despistar os seus inimigos. E já mais tranquilo continuou decidido a marcha para o rancho de Nancy. Quando transpôs o amplo portão do rancho dos Derek respirou aliviado, como se tivesse a sensação de estar protegido de quantos perigos o ameaçavam.
Ao parar à porta da grande casa dos Derek, viu-se rodeado de vários homens que lhe apontavam os revolveres. Apressou-se a levantar os braços, como indicando que não pensava em opor resistência. No patamar, apareceu Harold Weeks seguido de Nancy.
— O senhor Murray! —exclamou o capataz, surpreendido. — Guardem as armas, rapazes, trata-se dum amigo.
Os vaqueiros obedeceram e retiraram-se. Weeks apressou-se a ir ao encontro do jovem. Ao ver o sangue que lhe cobria o peito e as mãos, perguntou:
— Quem o feriu, rapaz?
—Kearney, Strond e outro «pistoleiro». Estes rasgões foram produzidos por vidros.
— Vidros? Como aconteceu isso?
— Saltei através duma janela fechada.
Weeks fez um gesto de espanto, enquanto se ouvia a voz de Nancy.
— Basta de conversa e suba imediatamente, Murray!
— Já vou, miss Derek, mas primeiro tenho de levar o meu cavalo à cavalariça.
— Obedeça, amigo — aconselhou Weeks, em voz baixa. — Eu tratarei do seu cavalo.
— Obrigado.
O capataz afastou-se levando o animal, enquanto David subia os quatro degraus da casa.
— Sente-se nessa cadeira — ordenou Nancy. — Vou-lhe fazer os curativos.
David sentou-se. Então compreendeu como estava cansado. No ardor da luta e da fuga, mantivera o seu indomável espírito. Mas ao sentar-se a sua cabeça caiu sobre o peito e os seus olhos fecharam-se, vencidos pela fadiga.
Quando Nancy regressou, não pôde conter um grito de terror. Weeks, que entrava naquele momento, correu para ela, enquanto David despertava, sobressaltado.
— Que se passa, Nancy? — perguntou o capataz, com ansiedade.
— Nada, julguei que o senhor Murray tinha desmaiado.
— Perdoe-me, miss Derek. Estou tão cansado que julgo ter adormecido.
— Causou-me um susto terrível. Por um instante, julguei que estava morto.
David deu uma alegre gargalhada.
— Que pensamento o seu, Nancy! Sou muito difícil de «liquidar».
A jovem, sem responder, começou a tratá-lo, respirando aliviada ao certificar-se de que as feridas eram simples arranhões.
— Não têm importância —disse Nancy. — Amanhã já estará curado.
— Já o sabia. Disse-o quando entrei.
— É verdade — respondeu a jovem, confusa, — mas como os homens são tão teimosos, julguei que o dizia para me enganar.
— Vá tomar um banho — disse Weeks. — Não tardaremos em ir jantar.
— Sim, julgo que um bom banho é que me porá melhor.
Quando David se sentou à mesa, sentia-se muito mais bem-disposto. A água fria, ao deslizar-lhe pelo corpo, fora como um bálsamo mágico; o aroma do guisado servido por Nancy, acabou por fortalecê-lo.
Esta opôs-se a que falasse do ocorrido; havia muito tempo, quando acabassem de jantar e os dois homens obedeceram. Nancy serviu café e pôs uma garrafa de «whisky» em cima da mesa.
— Isto acabará de reanimá-lo, Murray.
— Obrigado. A senhora é muito amável.
— Não diga patetices. Por muito que faça por si, nunca poderei pagar-lhe o que está fazendo por Jimmy.
David calou-se, confuso, sem saber que responder às palavras de agradecimento da rapariga.
— Dormirá cá em casa?
— Agradeço-lhe imenso. Era para pedir isso; em Bristol correria enorme perigo. Esses bandidos procuraram-me para me matar.
— Bem, agora que já acabámos de jantar, explique-nos tudo o que aconteceu, Murray — pediu Weeks, impaciente.
—É muito simples. Recebi uma carta do senhor, marcando um encontro para o mesmo sítio de ontem à tarde.
— Uma carta minha? — exclamou o capataz, surpreendido. — Devia ser falsa, pois eu não lhe escrevi.
— Já sei, não tardei a verificá-lo. Ao chegar ao lugar do encontro, deparou-se-me uma desagradável surpresa... — E David relatou a traços largos o acontecido na casa solitária, o próximo que estivera da morte e como conseguira escapar ao perigo.
Weeks e Nancy escutavam-no com ansiedade. Não o interromperam uma única vez. Quando ele terminou, o capataz comentou:
— O senhor é muito valente. Jamais pensei que existisse em Topeka um homem tão decidido, e muito menos que fosse um advogado.
David começou a rir ao ouvir o ingénuo comentário do capataz. Nancy não se cansava de olhar para ele. Os seus belos e claros olhos estavam cravados no semblante do jovem. Este dava conta disso e sentia-se incomodado.
— O senhor sabe quem matou James Taft? — perguntou a rapariga.
— Andrew Strond — foi a rápida resposta.
— Obedecendo a ordens de Kearney, não é verdade? —perguntou Weeks.
— É possível, mas não o posso afirmar. Durante esta noite, se o sono não me atacar, quero meditar bastante sobre o assunto.
— Vá descansar — ordenou Nancy, levantando-se. —Acompanhá-lo-ei ao quarto de Jimmy; está preparado.
E encaminhou-se, decidida, para o andar superior, como se tivesse a certeza de ser obedecida.
David inclinou-se para Weeks e perguntou-lhe em voz baixa:
—É sempre assim, tão autoritária?
— Oh, não! Algumas vezes, quando a situação é crítica. Agora, julgo que deseja impressioná-lo.
— Impressionar-me? — perguntou o jovem, surpreendido.
Weeks limitou-se a sorrir maliciosamente. David não pôde fazer comentários; Nancy, detendo-se, perguntou:
— Que fazem aí murmurando?
David encaminhou-se para ela sem responder e Nancy não se dignou voltar-se para o olhar. Deteve-se diante da porta, abrindo-a. Acendeu um candeeiro e disse:
— Este é o quarto de Jimmy; julgo que se sentirá à sua vontade.
— Não tenha a menor dúvida, Nancy. O pior palheiro, neste momento parecer-me-ia um paraíso, quanto mais um quarto tão magnífico.
Nancy chegou à porta, voltou-se e disse:
— Boas enoites, Murray. Desejo-lhe uma noite descansada. Muito obrigado, Nancy.
David aproximou-se da janela para a fechar, mas logo pensou melhor; deixá-la-ia aberta, encontrava-se em lugar seguro. Despiu-se e, instintivamente, pôs o revólver debaixo da almofada; ao dar conta do seu gesto ia a tirá-lo, mas não o fez, pois não o incomodaria. O jovem, tão depressa pôs a cabeça na almofada, adormeceu, sem que a adorável recordação de Nancy o pudesse evitar.
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