Naquela manhã o tenente Mac Clody recebeu uma desagradável notícia. Um cavaleiro que acabara de chegar a Tryton comunicou-lhe que o homem que levava o correio para Phoenix tinha sido assaltado por bandidos pertencentes à quadrilha de Horácio.
O semblante de Mac Clody alterou-se visivelmente, ao escutar a notícia. Acabava precisamente de enviar os seus superiores uma informação detalhada da fuga de Harry Freyer, e explicava os motivos que o seu subordinado tinha para manobrar assim e os fins com que o fazia. Dirigiu-se imediatamente ao local, onde, convenientemente vigiado, se encontrava um dos mais perigosos foragidos da comarca homem que noites antes, tinha sido enviado por Harry Freyer. com a mediação do «sheriff» de Truenberg.
Andy Black Face não tinha perdido o humor, apesar do cativeiro a que estava submetido. Ao reparar quem era o visitante, levantou-se e inclinou-se exageradamente numa cerimoniosa reverência.
—Bem-vindo ao meu humilde aposento, Excelência! —saudou ao mesmo tempo que levava uma mão peito. —A que devo a honra da vossa visita?
— Acabo de me inteirar de uma coisa. Sabes o que é? — perguntou Mac Clody.
Black Face olhou-o pensativo.
—Que sei eu! São tantos os boatos que fazem correr acerca de mim, que já não costumo admirar-me de nada.
— Nunca te interrogaste sobre quem era a pessoa que te capturou e levou até Truenber?
—Referes-te a Joe? Ah! No dia em que puder pôr-lhe as mãos em cima...
—Crês ainda que chegará esse dia?
—Eu espero sempre escapar e voltar com os meus.
—Há uns momentos, soube quem era essa pessoa. Trata-se de um amigo meu que teve a oportunidade de me prestar um grande favor. E não encontrou nada melhor do que enviar-me o mais perigoso dos bandidos que conhecia. Claro está, depois de Horácio.
— C'os diabos! Como podes pensar que Horácio é mais famoso do que eu?
—Esse meu amigo — continuou Mac Clody, sem fazer caso—, era Harry Freyer. Desertou, levando consigo Simão, possivelmente para juntar-se com Horácio. Atualmente andamos à sua procura, já que a sua cabeça foi posta a prémio.
—Muito dinheiro?
—Bastante—sorriu-se Mac Clody. — Não temos provas, mas supomos que Horácio conserva-o ao seu serviço.
—Com cem mil coiotes! — rugiu prontamente Black Face, dando uma palmada na testa. — Foi esse canalha do Horácio!
—Que se passa?
—Agora vejo tudo claramente —falava o bandido, passeando a largos passos pela cela. — Preguei um pequeno susto a Horácio e ele, por vingança, enviou--me esse Freyer, dizendo-lhe onde me encontraria.
Mac Clody observava-o em silêncio. Deixou que Black Face desabafasse, lançando toda a espécie de ameaças contra os responsáveis pela sua situação. E quando viu que ele se deixava cair sobre o catre, aproximou-se dele.
— Agradar-te-ia vingares-te de Horácio?
Black Face pôs-se novamente de pé.
—Daria tudo o que me resta de vida.
— SÓ bastará que nos guies até ao seu esconderijo.
—Que é que pensas fazer?
— Uma visita de cortesia. Teria uma grande surpresa ao ver-te em nossa companhia.
Black Face permaneceu uns segundos silencioso. Depois, começou a rir com estrépito.
—De acordo! — exclamou. —Levá-los-ei até ao esconderijo desse velhaco. Com a gana que tenho de ver-me cara a cara com o meu antigo amigo!...
• • •
Na granja abandonada nos arredores de Benson, Harry Freyer via passar as horas com uma sensação de nostalgia e aborrecimento. A inatividade daquelas quarenta e oito horas que passava levavam-no ao desespero.
Recordava-se daquela encantadora rapariguinha que o esperava no refúgio das montanhas e pensava na maneira de tirá-la dali, agora que o seu principal objetivo tinha sido bem-sucedido.
Horácio ia com frequência a Benson e jamais, nas suas saídas, lhe falava dos seus movimentos. Umas vezes voltava alegre e loquaz, enquanto que outras não cessava de manifestar o seu mau humor da maneira mais violenta.
Ao terceiro dia da sua estadia naquela casa, chegaram quatro cavaleiros, os mesmos que vira no acampamento de Horácio no último dia que lá estivera. Em virtude desse acontecimento, Horácio disse que nessa mesma noite abandonariam a granja. Ao amanhecer pararam num cruzamento.
— Esperamos aqui.
Harry julgou oportuno perguntar ao cabecilha a que se propunha.
—Que estamos esperando?
—Uma pequena oferta de um bom amigo. Desta vez também terás a tua parte, pois tens direito a ela.
Não perguntou mais nada, mas suspeitou que aquilo se referia ao governador que conhecera em Benson.
— Ali vêm! —disse um dos homens.
Harry viu algo que se movia pelo tortuoso caminho das montanhas. Era uma carreta das que se utilizavam para o transporte de feno, mas andava rapidamente.
Viam-se três homens, dois deles atrás da carruagem, como se fizessem escolta. Aquilo nada tinha de particular. Mas algo importante encerrava a sua presença, pois Horário e a sua gente demonstravam um enorme interesse.
—Tem todo o aspeto de uma carreta de camponeses—disse, em voz bem alta, para que Horácio ouvisse.
—Com dez mil dólares em ouro que o governador envia a Phoenix.
— Numa carreta?
—Ninguém suspeitará que debaixo de um montão de feno se escondam as caixas com o ouro dos contribuintes.
Harry não insistiu. Sem dúvida, aquilo estava claro. Horácio sabia que o ouro ia no veículo e disso tinha conhecimento por intermédio do governador. Sem escolta, para não levantar suspeitas, a empresa apresentava-se fácil. Dos dez mil dólares, o governador receberia uma boa parte, passando o resto para posse dos bandidos.
— Sentes escrúpulos? — perguntou Horácio.
— Não é pelo dinheiro. Mas acho demasiado matar três desgraçados com aspeto de labregos.
— Esses homens vão armados. Mas não temas, não haverá derramamento de sangue. Limitam-se a disparar uns tiros e a deixar-se caçar.
Harry sentiu uma onda de indignação, ao compreender que a corrupção se estendia até àqueles que mais estavam obrigados a servir os interesses da nação.
A carreta aproximava-se. Horácio fez então um sinal a um dos seus homens e este saltou do esconderijo, sem forçar o passo do cavalo, para dar a sensação de que era um pacífico caminhante que descia à cidade para fazer compras. Uma pessoa sozinha não podia inspirar receios...
E sempre havia a possibilidade de os da escolta iniciarem a defesa demasiado tarde. Harry viu-o dirigir-se para o cruzamento e chegar lá quando a carreta estava a umas doze jardas. Então deteve-se como que para se orientar.
Os dois homens que vinham atrás da carruagem adiantaram-se. Detiveram-se a curta distância do homem de Horácio e trocaram algumas palavras. Depois este iniciou a marcha em direção a Benson. Mas ainda não tinha chegado à parte traseira da carreta, quando se voltou e fez fogo contra os da escolta. Instintivamente, Harry levou a mão ao cinturão. Horácio, que o observava, evitou-lhe o gesto.
—Não te enerves!
—Isto é um assassínio! — exclamou, sem poder dominar-se
— Surgiram dificuldades. E as dificuldades eliminamo-las sem contemplações.
—Não concordo com esses métodos.
— Tens no sangue os prejuízos do teu antigo ofício. Ir-te-ás acostumando. Um dos homens tinha caldo por terra e estava imóvel. O outro mantinha-se inclinado para a frente e estava, sem dúvida, bastante ferido.
Somente o condutor da carreta se tinha apressado a levantar os braços. ao dar conta da sorte que o esperava. Horácio e os seus três homens dirigiram-se para a carreta. Harry seguiu-os, embora de mau humor. Em poucos segundos tiraram o ouro do carro.
— Que fazemos com esses? — perguntou o que havia disparado, referindo-se ao ferido e ao outro sobrevivente.
— Deixa-os — respondeu Horácio.
— Vamos arriscar-nos a que nos denunciem.
Horácio encolheu os ombros.
—Faz o que quiseres.
O homem levou a mão ao revólver, mas a mão fria de Harry conteve-o.
— Não é necessário causar outra morte.
O foragido conteve-se e sorriu.
—Quem te deu voto neste assunto?
— Aconselho-te a que faças o que te digo.
O outro vacilou. Mas não desconhecia a habilidade de Harry com os revólveres e absteve-se de executar a sua decisão.
— Espero que não tenhamos de arrepender-nos. De contrário...
Harry dirigiu-se ao condutor da carreta.
— Monta aí e vai-te de seguida — disse, mostrando-lhe o cavalo do morto.
O homem não fez com que repetisse a ordem. Entretanto, o ferido olhava Freyer com olhos suplicantes. Com um gesto, Harry ordenou-lhe que se fosse embora também. Dentro em pouco, os dois homens desapareceram envoltos numa nuvem de pó.
— Sinto-me verdadeiramente comovido — disse o que disparara. — Com estas companhias vamos todos regenerar-nos.
Horácio e os outros três acabaram de recolher o ouro e prenderam-no à cela das respetivas montadas.
— Vamos! —ordenou Horácio. — Não podemos ficar aqui mais tempo!
Começaram a marcha, mas Harry notou que o foragido se atrasava de maneira suspeita. Decidiu manter-se alerta. O outro adivinhou os seus receios.
— Tens medo? —riu.
—Não me agrada ter atrás de mim quem mata a sangue frio.
Não obteve resposta. Fizeram alto nas montanhas.
— Advirto-te, Honick, que não quero lutas aqui—disse Horácio ao companheiro, suspeitando das suas intenções.
Honick não ligou importância e fez uma alusão que incomodou Harry.
—Ter um traidor entre nós faz correr o risco de que te cortem o pescoço, enquanto dormes.
—É uma ideia que não me tinha ocorrido.
—De futuro, ninguém poderá descuidar-se.
—Podes dormir tranquilo, amigo, porque o grupo de traidores, ao qual me honro de pertencer, costuma dar a cara ao mais insignificante inimigo.
—De qualquer maneira, terei os olhos bem abertos.
— Não perco tempo com cobardes que assassinam com vantagem.
Honick ruborizou-se. Pôs a comida de parte e as mãos desceram em busca do revólver. Jamais Harry apertou o gatilho com tanta satisfação. Ao ver este sucumbir, pensou que o mundo acabava de se livrar de um dos mais venenosos répteis. Horácio ficou imóvel, surpreendido com a rapidez do que sucedera.
—Não me agrada o que fizeste — disse com voz rouca. — Foi ele que o procurou e devo confessar que não sinto remorsos.
Levantou-se e foi até junto do morto.
— Há os que andam à procura do que merecem — foi o comentário de Harry.
E voltou para junto da fogueira. Naquela noite, Harry não dormiu. Tinha o pressentimento que quantos ali estavam, desejavam ardentemente a sua morte. Mas nenhum se atreveu a levantar uni só dedo para dar o primeiro passo.
Antes de amanhecer estavam a pé. Cavaram uma cova e enterraram o cadáver de Honick. Todos se entreolhavam de forma estranha, exceto Horácio, que estava, como de costume, despreocupado e jovial.
Ao cair da tarde, chegaram ao acampamento. Ninguém se surpreendeu pela sua chegada. Só Simão veio recebê-los. Chalaceava, satisfeito, e nem sequer deu pela falta de Honick.
—Há dois dias que o teu pai está em sua casa. Seria indigno da minha lealdade consentir que ele estivesse aqui uma hora mais, sequer.
Harry experimentou uma sensação de alívio, porque tinha a impressão de que Simão não mentia. Ma enquanto ia para casa, não pôde escutar as palavras que Simão dirigia a Horácio.
—Devo dar-te uma notícia interessante. Temos aqui um espião.
— Freyer — replicou Horácio, sem titubear.
Simão assentiu com a cabeça. Tinha tirado do bolso um papel e mostrava-o ao irmão.
—Reegan e David encontraram-no na mala de um mensageiro que se dirigia a Phoenix. Refere-se a nosso hóspede e presumido amigo.
Horácio leu o papel e terminou, amarrotando com um gesto de raiva.
—E pensar que tinha conseguido convencer-me.
Levantou-se. Deu uns passos pelo compartimente e disse:
—Não podemos deixar que se vá embora.
—Nem tão pouca limitarmo-nos a matá-lo pelas costas.
— Harry não poderá ser vencido cara a cara.
—Existem outros meios menos arriscados... Esse homem está enamorado de Maria, a sobrinha de Joaquim. Ela servir-nos-á para o que queremos.
Uma sombra movia-se agora atrás de Horácio. Era Vera.
—Quero pedir-te uma coisa, querido. Estás sempre fora e...
Bruscamente, Horácio afastou-se.
—Deixa-me em paz com os teus caprichos extravagantes!
E sem fazer caso dela, saiu de casa com o irmão. Vera ficou furiosa. Os olhos brilhavam com uma raiva infinita. Correu até à porta e esteve a ver para onde se dirigiam os dois irmãos.
De uma das paredes pendia uma grande e curva faca de afiado gume. Arrancou-a com veemência e contemplou-a durante uns segundos. Depois voltou ao quarto e pôs uma capa sobre os ombros de forma a envolver o corpo. Segundos depois, batia à porta de Harry. Este abriu e, ao ver a mulher, esboçou uma cara de desagrado.
—A que vens? Vera sorriu-se.
—Nas minhas mãos estão a vida e a morte. Que preferes?
Harry viu faca que ela empunhava e rapidamente apoderou-se dela.
—Horácio não vai gostar do que fazes.
—Julgas que me interessa ainda esse sujeito rude e grosseiro? Chegou o momento de partimos para Phoenix.
— Sabes muito bem que ainda que quisesse levar-te para lá, não o poderia.
—Se não o fizeres dentro de uma hora, jamais farás.
Harry ficou pensativo.
— Que tens a dizer-me?
—Horácio e Simão sabem por que estás aqui—falou ela, como se tivesse recuperado de repente toda a lucidez. — Alguém assaltou o correio e encontrou um documento que falava de ti. Agora já sabem que estás a representar uma comédia e que não és um desertor como pretendes fazer crer.
—Quem to disse?
— Horácio e o irmão estiveram a falar disto, e casa, há uns dez minutos.
Harry compreendeu que Vera dizia a verdade. Aquilo vinha modificar os seus planos.
— Volta para lá e não digas nada a ninguém. Não devem suspeitar de coisa alguma. Terei tudo preparado para esta noite.
—Vais levar-me contigo?
—Farei todo o possível. Procura escutar o que dizem e logo me dirás o que estão a tramar.
Vera saiu e Harry fez o mesmo pouco depois. Dirigiu-se a casa de Maria. Estava já muito próximo quando viu umas sombras a pouca distância da entrada. E nesse momento a voz de Maria elevou-se entre o murmúrio das outras.
— São uns canalhas! —exclamou, angustiada. —Jamais me prestarei a essa manobra!
— Farás o que dissermos.
Empurraram-na à força e obrigaram-na a entrar em casa. No mesmo momento, ouviu-se um grito de alerta. Uma sombra passou a correr. Harry regressou a casa e encontrou Nestor, que chegava, agitado.
— Ouviste? — perguntou o pastor. — Suponho que deram o alarme.
— Um grupo de desconhecidos aproxima-se pelo lado poente. Tarde ou cedo, alguém havia de vir aqui. O que fazemos não está certo. Procura não sair de tua casa. Preciso de ir procurar Maria.
A confusão aumentava. Harry ocultou-se, de maneira a poder observar o que se passava. Não tardou em ver um grupo de sete homens, armados, rodear a sua casa. Decorreram uns segundos. Por fim, um deles exclamou:
—Escapou! Mas não pode estar longe!
Afastaram-se. Viu passar Simão. Dava ordens e recomendava que quem o descobrisse advertisse imediatamente quantos estavam ao pé. Pouco depois, chegava à cabana de Maria. Parecia deserta e não se via ninguém nas imediações. Abriu a porta e entrou:
—Oh! Harry Julguei que tudo o que me disseram era verdade e que tinhas fugido para muito longe daqui. Levas-me contigo?
— Saiamos rapidamente!
Naquele momento, Harry descobriu uma sombra.
— Quem está contigo? — inquiriu Thory
Harry pegou na mão de Maria, e, sem que ninguém visse, correu para uma das casas que ficava no fim da rua. Entretanto, anoiteceu. Do lado do barranco soavam disparos. Era evidente que a luta tinha começado.
— Alto! — gritou um homem, empunhando uma espingarda. — Mostrem-se!
A sombra continuou.
— És tu, Harry?
Com alegria, reconheceu a voz de Nestor.
—Sou eu, Nestor. Levo Maria comigo.
— Não continuem por esse caminho. Simão está lá. em baixo com os seus homens. Têm todas as saídas vigiadas.
—Mas por ali é por onde veem mais forças inimigas. Sabes quem são.
— Não sei, mas ouvi dizer que eram os rurais. Possivelmente, vêm procurar-te. Por que não se escondem na casa das ferramentas? Dentro em pouco, isto será um inferno!
Harry dirigiu-se para a casa mais próximo. Quando ia a entrar, a porta abriu-se e surgiu uma figura.
Maria lançou um grito e desprendeu-se dos braços de Harry. Simão estava a menos de cinco passos e empunhava um revólver em cada mão.
O semblante de Mac Clody alterou-se visivelmente, ao escutar a notícia. Acabava precisamente de enviar os seus superiores uma informação detalhada da fuga de Harry Freyer, e explicava os motivos que o seu subordinado tinha para manobrar assim e os fins com que o fazia. Dirigiu-se imediatamente ao local, onde, convenientemente vigiado, se encontrava um dos mais perigosos foragidos da comarca homem que noites antes, tinha sido enviado por Harry Freyer. com a mediação do «sheriff» de Truenberg.
Andy Black Face não tinha perdido o humor, apesar do cativeiro a que estava submetido. Ao reparar quem era o visitante, levantou-se e inclinou-se exageradamente numa cerimoniosa reverência.
—Bem-vindo ao meu humilde aposento, Excelência! —saudou ao mesmo tempo que levava uma mão peito. —A que devo a honra da vossa visita?
— Acabo de me inteirar de uma coisa. Sabes o que é? — perguntou Mac Clody.
Black Face olhou-o pensativo.
—Que sei eu! São tantos os boatos que fazem correr acerca de mim, que já não costumo admirar-me de nada.
— Nunca te interrogaste sobre quem era a pessoa que te capturou e levou até Truenber?
—Referes-te a Joe? Ah! No dia em que puder pôr-lhe as mãos em cima...
—Crês ainda que chegará esse dia?
—Eu espero sempre escapar e voltar com os meus.
—Há uns momentos, soube quem era essa pessoa. Trata-se de um amigo meu que teve a oportunidade de me prestar um grande favor. E não encontrou nada melhor do que enviar-me o mais perigoso dos bandidos que conhecia. Claro está, depois de Horácio.
— C'os diabos! Como podes pensar que Horácio é mais famoso do que eu?
—Esse meu amigo — continuou Mac Clody, sem fazer caso—, era Harry Freyer. Desertou, levando consigo Simão, possivelmente para juntar-se com Horácio. Atualmente andamos à sua procura, já que a sua cabeça foi posta a prémio.
—Muito dinheiro?
—Bastante—sorriu-se Mac Clody. — Não temos provas, mas supomos que Horácio conserva-o ao seu serviço.
—Com cem mil coiotes! — rugiu prontamente Black Face, dando uma palmada na testa. — Foi esse canalha do Horácio!
—Que se passa?
—Agora vejo tudo claramente —falava o bandido, passeando a largos passos pela cela. — Preguei um pequeno susto a Horácio e ele, por vingança, enviou--me esse Freyer, dizendo-lhe onde me encontraria.
Mac Clody observava-o em silêncio. Deixou que Black Face desabafasse, lançando toda a espécie de ameaças contra os responsáveis pela sua situação. E quando viu que ele se deixava cair sobre o catre, aproximou-se dele.
— Agradar-te-ia vingares-te de Horácio?
Black Face pôs-se novamente de pé.
—Daria tudo o que me resta de vida.
— SÓ bastará que nos guies até ao seu esconderijo.
—Que é que pensas fazer?
— Uma visita de cortesia. Teria uma grande surpresa ao ver-te em nossa companhia.
Black Face permaneceu uns segundos silencioso. Depois, começou a rir com estrépito.
—De acordo! — exclamou. —Levá-los-ei até ao esconderijo desse velhaco. Com a gana que tenho de ver-me cara a cara com o meu antigo amigo!...
• • •
Na granja abandonada nos arredores de Benson, Harry Freyer via passar as horas com uma sensação de nostalgia e aborrecimento. A inatividade daquelas quarenta e oito horas que passava levavam-no ao desespero.
Recordava-se daquela encantadora rapariguinha que o esperava no refúgio das montanhas e pensava na maneira de tirá-la dali, agora que o seu principal objetivo tinha sido bem-sucedido.
Horácio ia com frequência a Benson e jamais, nas suas saídas, lhe falava dos seus movimentos. Umas vezes voltava alegre e loquaz, enquanto que outras não cessava de manifestar o seu mau humor da maneira mais violenta.
Ao terceiro dia da sua estadia naquela casa, chegaram quatro cavaleiros, os mesmos que vira no acampamento de Horácio no último dia que lá estivera. Em virtude desse acontecimento, Horácio disse que nessa mesma noite abandonariam a granja. Ao amanhecer pararam num cruzamento.
— Esperamos aqui.
Harry julgou oportuno perguntar ao cabecilha a que se propunha.
—Que estamos esperando?
—Uma pequena oferta de um bom amigo. Desta vez também terás a tua parte, pois tens direito a ela.
Não perguntou mais nada, mas suspeitou que aquilo se referia ao governador que conhecera em Benson.
— Ali vêm! —disse um dos homens.
Harry viu algo que se movia pelo tortuoso caminho das montanhas. Era uma carreta das que se utilizavam para o transporte de feno, mas andava rapidamente.
Viam-se três homens, dois deles atrás da carruagem, como se fizessem escolta. Aquilo nada tinha de particular. Mas algo importante encerrava a sua presença, pois Horário e a sua gente demonstravam um enorme interesse.
—Tem todo o aspeto de uma carreta de camponeses—disse, em voz bem alta, para que Horácio ouvisse.
—Com dez mil dólares em ouro que o governador envia a Phoenix.
— Numa carreta?
—Ninguém suspeitará que debaixo de um montão de feno se escondam as caixas com o ouro dos contribuintes.
Harry não insistiu. Sem dúvida, aquilo estava claro. Horácio sabia que o ouro ia no veículo e disso tinha conhecimento por intermédio do governador. Sem escolta, para não levantar suspeitas, a empresa apresentava-se fácil. Dos dez mil dólares, o governador receberia uma boa parte, passando o resto para posse dos bandidos.
— Sentes escrúpulos? — perguntou Horácio.
— Não é pelo dinheiro. Mas acho demasiado matar três desgraçados com aspeto de labregos.
— Esses homens vão armados. Mas não temas, não haverá derramamento de sangue. Limitam-se a disparar uns tiros e a deixar-se caçar.
Harry sentiu uma onda de indignação, ao compreender que a corrupção se estendia até àqueles que mais estavam obrigados a servir os interesses da nação.
A carreta aproximava-se. Horácio fez então um sinal a um dos seus homens e este saltou do esconderijo, sem forçar o passo do cavalo, para dar a sensação de que era um pacífico caminhante que descia à cidade para fazer compras. Uma pessoa sozinha não podia inspirar receios...
E sempre havia a possibilidade de os da escolta iniciarem a defesa demasiado tarde. Harry viu-o dirigir-se para o cruzamento e chegar lá quando a carreta estava a umas doze jardas. Então deteve-se como que para se orientar.
Os dois homens que vinham atrás da carruagem adiantaram-se. Detiveram-se a curta distância do homem de Horácio e trocaram algumas palavras. Depois este iniciou a marcha em direção a Benson. Mas ainda não tinha chegado à parte traseira da carreta, quando se voltou e fez fogo contra os da escolta. Instintivamente, Harry levou a mão ao cinturão. Horácio, que o observava, evitou-lhe o gesto.
—Não te enerves!
—Isto é um assassínio! — exclamou, sem poder dominar-se
— Surgiram dificuldades. E as dificuldades eliminamo-las sem contemplações.
—Não concordo com esses métodos.
— Tens no sangue os prejuízos do teu antigo ofício. Ir-te-ás acostumando. Um dos homens tinha caldo por terra e estava imóvel. O outro mantinha-se inclinado para a frente e estava, sem dúvida, bastante ferido.
Somente o condutor da carreta se tinha apressado a levantar os braços. ao dar conta da sorte que o esperava. Horácio e os seus três homens dirigiram-se para a carreta. Harry seguiu-os, embora de mau humor. Em poucos segundos tiraram o ouro do carro.
— Que fazemos com esses? — perguntou o que havia disparado, referindo-se ao ferido e ao outro sobrevivente.
— Deixa-os — respondeu Horácio.
— Vamos arriscar-nos a que nos denunciem.
Horácio encolheu os ombros.
—Faz o que quiseres.
O homem levou a mão ao revólver, mas a mão fria de Harry conteve-o.
— Não é necessário causar outra morte.
O foragido conteve-se e sorriu.
—Quem te deu voto neste assunto?
— Aconselho-te a que faças o que te digo.
O outro vacilou. Mas não desconhecia a habilidade de Harry com os revólveres e absteve-se de executar a sua decisão.
— Espero que não tenhamos de arrepender-nos. De contrário...
Harry dirigiu-se ao condutor da carreta.
— Monta aí e vai-te de seguida — disse, mostrando-lhe o cavalo do morto.
O homem não fez com que repetisse a ordem. Entretanto, o ferido olhava Freyer com olhos suplicantes. Com um gesto, Harry ordenou-lhe que se fosse embora também. Dentro em pouco, os dois homens desapareceram envoltos numa nuvem de pó.
— Sinto-me verdadeiramente comovido — disse o que disparara. — Com estas companhias vamos todos regenerar-nos.
Horácio e os outros três acabaram de recolher o ouro e prenderam-no à cela das respetivas montadas.
— Vamos! —ordenou Horácio. — Não podemos ficar aqui mais tempo!
Começaram a marcha, mas Harry notou que o foragido se atrasava de maneira suspeita. Decidiu manter-se alerta. O outro adivinhou os seus receios.
— Tens medo? —riu.
—Não me agrada ter atrás de mim quem mata a sangue frio.
Não obteve resposta. Fizeram alto nas montanhas.
— Advirto-te, Honick, que não quero lutas aqui—disse Horácio ao companheiro, suspeitando das suas intenções.
Honick não ligou importância e fez uma alusão que incomodou Harry.
—Ter um traidor entre nós faz correr o risco de que te cortem o pescoço, enquanto dormes.
—É uma ideia que não me tinha ocorrido.
—De futuro, ninguém poderá descuidar-se.
—Podes dormir tranquilo, amigo, porque o grupo de traidores, ao qual me honro de pertencer, costuma dar a cara ao mais insignificante inimigo.
—De qualquer maneira, terei os olhos bem abertos.
— Não perco tempo com cobardes que assassinam com vantagem.
Honick ruborizou-se. Pôs a comida de parte e as mãos desceram em busca do revólver. Jamais Harry apertou o gatilho com tanta satisfação. Ao ver este sucumbir, pensou que o mundo acabava de se livrar de um dos mais venenosos répteis. Horácio ficou imóvel, surpreendido com a rapidez do que sucedera.
—Não me agrada o que fizeste — disse com voz rouca. — Foi ele que o procurou e devo confessar que não sinto remorsos.
Levantou-se e foi até junto do morto.
— Há os que andam à procura do que merecem — foi o comentário de Harry.
E voltou para junto da fogueira. Naquela noite, Harry não dormiu. Tinha o pressentimento que quantos ali estavam, desejavam ardentemente a sua morte. Mas nenhum se atreveu a levantar uni só dedo para dar o primeiro passo.
Antes de amanhecer estavam a pé. Cavaram uma cova e enterraram o cadáver de Honick. Todos se entreolhavam de forma estranha, exceto Horácio, que estava, como de costume, despreocupado e jovial.
Ao cair da tarde, chegaram ao acampamento. Ninguém se surpreendeu pela sua chegada. Só Simão veio recebê-los. Chalaceava, satisfeito, e nem sequer deu pela falta de Honick.
—Há dois dias que o teu pai está em sua casa. Seria indigno da minha lealdade consentir que ele estivesse aqui uma hora mais, sequer.
Harry experimentou uma sensação de alívio, porque tinha a impressão de que Simão não mentia. Ma enquanto ia para casa, não pôde escutar as palavras que Simão dirigia a Horácio.
—Devo dar-te uma notícia interessante. Temos aqui um espião.
— Freyer — replicou Horácio, sem titubear.
Simão assentiu com a cabeça. Tinha tirado do bolso um papel e mostrava-o ao irmão.
—Reegan e David encontraram-no na mala de um mensageiro que se dirigia a Phoenix. Refere-se a nosso hóspede e presumido amigo.
Horácio leu o papel e terminou, amarrotando com um gesto de raiva.
—E pensar que tinha conseguido convencer-me.
Levantou-se. Deu uns passos pelo compartimente e disse:
—Não podemos deixar que se vá embora.
—Nem tão pouca limitarmo-nos a matá-lo pelas costas.
— Harry não poderá ser vencido cara a cara.
—Existem outros meios menos arriscados... Esse homem está enamorado de Maria, a sobrinha de Joaquim. Ela servir-nos-á para o que queremos.
Uma sombra movia-se agora atrás de Horácio. Era Vera.
—Quero pedir-te uma coisa, querido. Estás sempre fora e...
Bruscamente, Horácio afastou-se.
—Deixa-me em paz com os teus caprichos extravagantes!
E sem fazer caso dela, saiu de casa com o irmão. Vera ficou furiosa. Os olhos brilhavam com uma raiva infinita. Correu até à porta e esteve a ver para onde se dirigiam os dois irmãos.
De uma das paredes pendia uma grande e curva faca de afiado gume. Arrancou-a com veemência e contemplou-a durante uns segundos. Depois voltou ao quarto e pôs uma capa sobre os ombros de forma a envolver o corpo. Segundos depois, batia à porta de Harry. Este abriu e, ao ver a mulher, esboçou uma cara de desagrado.
—A que vens? Vera sorriu-se.
—Nas minhas mãos estão a vida e a morte. Que preferes?
Harry viu faca que ela empunhava e rapidamente apoderou-se dela.
—Horácio não vai gostar do que fazes.
—Julgas que me interessa ainda esse sujeito rude e grosseiro? Chegou o momento de partimos para Phoenix.
— Sabes muito bem que ainda que quisesse levar-te para lá, não o poderia.
—Se não o fizeres dentro de uma hora, jamais farás.
Harry ficou pensativo.
— Que tens a dizer-me?
—Horácio e Simão sabem por que estás aqui—falou ela, como se tivesse recuperado de repente toda a lucidez. — Alguém assaltou o correio e encontrou um documento que falava de ti. Agora já sabem que estás a representar uma comédia e que não és um desertor como pretendes fazer crer.
—Quem to disse?
— Horácio e o irmão estiveram a falar disto, e casa, há uns dez minutos.
Harry compreendeu que Vera dizia a verdade. Aquilo vinha modificar os seus planos.
— Volta para lá e não digas nada a ninguém. Não devem suspeitar de coisa alguma. Terei tudo preparado para esta noite.
—Vais levar-me contigo?
—Farei todo o possível. Procura escutar o que dizem e logo me dirás o que estão a tramar.
Vera saiu e Harry fez o mesmo pouco depois. Dirigiu-se a casa de Maria. Estava já muito próximo quando viu umas sombras a pouca distância da entrada. E nesse momento a voz de Maria elevou-se entre o murmúrio das outras.
— São uns canalhas! —exclamou, angustiada. —Jamais me prestarei a essa manobra!
— Farás o que dissermos.
Empurraram-na à força e obrigaram-na a entrar em casa. No mesmo momento, ouviu-se um grito de alerta. Uma sombra passou a correr. Harry regressou a casa e encontrou Nestor, que chegava, agitado.
— Ouviste? — perguntou o pastor. — Suponho que deram o alarme.
— Um grupo de desconhecidos aproxima-se pelo lado poente. Tarde ou cedo, alguém havia de vir aqui. O que fazemos não está certo. Procura não sair de tua casa. Preciso de ir procurar Maria.
A confusão aumentava. Harry ocultou-se, de maneira a poder observar o que se passava. Não tardou em ver um grupo de sete homens, armados, rodear a sua casa. Decorreram uns segundos. Por fim, um deles exclamou:
—Escapou! Mas não pode estar longe!
Afastaram-se. Viu passar Simão. Dava ordens e recomendava que quem o descobrisse advertisse imediatamente quantos estavam ao pé. Pouco depois, chegava à cabana de Maria. Parecia deserta e não se via ninguém nas imediações. Abriu a porta e entrou:
—Oh! Harry Julguei que tudo o que me disseram era verdade e que tinhas fugido para muito longe daqui. Levas-me contigo?
— Saiamos rapidamente!
Naquele momento, Harry descobriu uma sombra.
— Quem está contigo? — inquiriu Thory
Harry pegou na mão de Maria, e, sem que ninguém visse, correu para uma das casas que ficava no fim da rua. Entretanto, anoiteceu. Do lado do barranco soavam disparos. Era evidente que a luta tinha começado.
— Alto! — gritou um homem, empunhando uma espingarda. — Mostrem-se!
A sombra continuou.
— És tu, Harry?
Com alegria, reconheceu a voz de Nestor.
—Sou eu, Nestor. Levo Maria comigo.
— Não continuem por esse caminho. Simão está lá. em baixo com os seus homens. Têm todas as saídas vigiadas.
—Mas por ali é por onde veem mais forças inimigas. Sabes quem são.
— Não sei, mas ouvi dizer que eram os rurais. Possivelmente, vêm procurar-te. Por que não se escondem na casa das ferramentas? Dentro em pouco, isto será um inferno!
Harry dirigiu-se para a casa mais próximo. Quando ia a entrar, a porta abriu-se e surgiu uma figura.
Maria lançou um grito e desprendeu-se dos braços de Harry. Simão estava a menos de cinco passos e empunhava um revólver em cada mão.
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