Simão, que ia adiante, deteve-se e esperou que Harry o alcançasse.
— Dispara uma vez e depois outras três seguidas. o suficiente para que nos permitam a passagem sem sermos incomodados.
Harry fez como lhe ordenaram. Imediatamente do alto das rochas escarpadas responderam com dois disparos.
— Podemos continuar — disse Simão.
Seguiram por uma espécie de carreiro natural na margem direita. Um silêncio imponente envolvia aquele lugar. Sem dúvida, Harry experimentava a sensação de que mais de um par de olhos seguiam com atenção a sua marcha através do vale. Possivelmente estavam ali entrincheirados alguns homens de Horácio.
Ao fim do vale, uma garganta de reduzidas dimensões comunicava com um vale de incomparável beleza. Era um amplo vale, aberto a oeste. Uma das ladeiras estava coberta por um extenso bosque. A outra, era rochosa e desnuda como a palma da mão, mas oferecia a vantagem de estar escalonada.
O que mais chamou a atenção de Harry foi um verdadeiro povoado que se erguia na extremidade oposta, do outro lado da corrente de água que cruzava aquela terra maravilhosa.
— Que povoação é esta? — perguntou a Simão.
—A minha — riu Simão, como se achasse graça à resposta.
Cinco cavaleiros aproximavam-se deles.
— Meu irmão veio dar-me as boas-vindas. Tenho curiosidade em saber como vais explicar a tua presença aqui.
O homem que cavalgava à frente do grupo era sem dúvida, mais velho do que Simão. Harry só o vira uma vez e reconheceu-o bem.
— Quem é esse homem? — perguntou Horácio, enquanto olhava para o seu irmão.
—É Harry Freyer. Prendeu-me e depois soltou-me sem dar qualquer explicação. Trouxe-me a teu lado. Não posso dizer-te o que pensa nem o que se propõe.
Horácio aproximou-se do visitante.
— De maneira que te entregaram a minha carta e resolveste fazer um pacto com o diabo?
— Já vês como te devolvi teu irmão.
—Também cumprirei a minha palavra. Poderás vê-lo imediatamente e regressar quando quiseres.
— Já não posso voltar — disse Harry, sombrio. —Teria de me apresentar perante um conselho de guerra e não ignoras qual seria a minha sorte.
—Suponho. O que vais fazer?
— Não sei.
Simão compreendia agora os motivos que tinha Harry para o salvar.
— Tiveste uma ideia genial, irmão. Não sei como não me lembrei disso. Passei toda a viagem a dar voltas à imaginação, sem encontrar solução.
Horácio voltou-se de novo para Harry.
— Podes ficar aqui até amanhã. Logo encontrarás maneira de te livrares deste sarilho. O certo é que tu fizeste todo o possível para te meteres nele.
—Que terias feito em meu lugar?
—É possível que fizesses o mesmo. Mas eu estou muito acima dos teus compromissos. Faço e desfaço quando me dá na gana.
—Nunca julguei chegar a invejar-te.
—Invejar-me? Talvez te agradasse chegar aonde cheguei?
— Não, mas no futuro terei de viver como tu vives, escondendo-me de todos, convertido num vulgar foragido.
Horácio acariciou a barba, pensativo.
—Creio que vale a pena falar disto com mais vagar. Acompanha-nos.
Dirigiram-se ao povoado. Harry reparou que havia ali muita gente e que o observavam com curiosidade. Entraram numa das casas. Era espaçosa e estava simplesmente mobilada. No entanto, não tinha o aspeto de miséria ou abandono. Deixaram-no sozinho uns minutos. Por fim, os dois irmãos regressaram.
— Fala claro, Freyer — disse-lhe Simão, observando-o fixamente. —Tu vieste com a intenção de te unires a nós. E para qualquer um que tenha cérebro, não há dúvida de que isso é suspeito.
— Isso mesmo pensaria eu — assentiu Harry.
— Sem dúvida, comprometes-te ante os teus, tirando-me do cárcere e trazendo-me aqui. Harry concordou, de novo.
— Que pensas que te acontecerá quando fores apanhado?
— Colocar-me-ão no mesmo sítio onde te iam colocar.
Horácio adiantou-se.
— Simão falou-me de ti. Não vou negar que de homens como tu é o que eu necessito. Faremos, no entanto, uma prova. Melhor — refletiu prontamente —, três provas. Que decides?
— Necessito refletir.
—Bem, dar-me-ás amanhã a resposta. Se não te decides, poderás ir-te embora com teu pai. Dois dos meus homens escoltar-te-ão até um lugar habitado.
—Não posso voltar para sítio algum onde me conheçam.
Horácio sorriu de modo estranho.
—Se ficares connosco, teu pai ficará como refém, enquanto não fizeres satisfatoriamente as três provas. Queres vê-lo agora?
—Ele está bom de saúde?
— Não tem de se queixar de mim. Podes comprová-lo.
— Não quero que ele saiba que estou aqui — negou Harry. —Deve ignorar, por agora, que estou convosco. Desprezar-me-ia.
Os dois irmãos olharam-no atentamente. Foi Simão quem falou primeiro.
—Ficarás com um dos meus homens. Chama-se Keefer.
Levou-o até uma cabana situada no outro extremo povoado. Ao entrar, apareceu uma mulher jovem. Tinha uns dezoito anos, e olhou Harry com curiosidade.
— Olá! — saudou o jovem, sorrindo.
— Olá! — correspondeu ela, mostrando uns dentes muito brancos e miúdos.
Era pequena, de corpo esbelto; o cabelo, negro como azeviche, caía-lhe pelas costas, onde era apanhado por uma grossa trança. Os olhos tinham um maravilhoso tom esmeralda.
—É Maria — disse Simão, piscando um olho. —A irmã de Diego.
— Maria?
—Ela e Johnny Keefer tinham relações... ou algo parecido. Creio que lhe agradaste.
Entraram em casa. Um homem limpava uma espingarda. Ao sentir passos, levantou a cabeça.
— Olá, Johnny! — saudou Simão.
—Viva! Não te tinham caçado no cruzamento de Liames?
—Sim, mas já vês que estou aqui. Sou como os gatos...
— Quem é esse?
— Chama-se Freyer e será teu companheiro. Tirou--me do cárcere.
— Não se chama assim o furão que lhes estendeu a emboscada?
— Sim. Este é Freyer.
Johnny levantou-se de um salto, como se o tivessem picado.
—Que faz aqui?
— Fica connosco.
—Prisioneiro?
—Não. Disse que fica connosco. Não entendes?
— Nem uma palavra.
—Pois, não faças mais perguntas. Ocupará quarto e dirás a Maria que cuide de tudo o que necessitar. Compreendes?
—Um pouco.
— Já vais melhor — sorriu Simão. E voltando para Harry: — Logo verei teu pai. Digo-lhe qualquer coisa?
—Sim. Podes dizer-lhe que tudo está bem; que voltará para casa depressa.
—Dir-lhe-ei isso. Até logo.
Saiu da cabana, deixando os dois homens. Johnny limpava de novo a espingarda. Depois, como reparasse em Harry, assinalou-lhe uma porta havia do lado direito.
—Ali está o teu quarto.
Harry entrou. Havia uma cama e um par de cadeiras. A Janela estava aberta e por ela penetrava o fresco da serra. Ao assomar-se, viu Maria que regressava com um cântaro de água. Ela, ao vê-lo à Janela, caminhou diretamente ao seu encontro.
—Simão disse-me que ficas aqui. Qual é nome?
—Harry — respondeu. — Tu és Maria, não é verdade?
—Sim — assentiu.
— Sabes o que dizem de ti?
— Suponho-o. Tens medo?
— Não. Tens um aspeto mais agradável do que todos os outros.
Johnny Keefer aproximou-se da porta ao ouvir aquela conversa.
—Que fazes aqui? — perguntou secamente à rapariga. —Vai ao teu trabalho e não te aproximes deste sítio.
— Que te importa o que eu faço? — replicou Maria.
—É preciso ter cuidado com esse tipo.
—E com vocês, não é? — insistiu ela, olhando-o, atrevida.
Johnny avançou uns passos e ela fugiu a correr.
— Até logo, Harry! — gritou, agitando a mão desocupada.
Freyer olhava para Johnny, molestado pela intromissão.
—Que mal faz que esta rapariga fale comigo?
—É minha noiva e molesta-me que fale com desconhecidos. Foste um furão, e há certos cheiros que não posso suportar.
Harry conteve-se para não provocar um incidente. Lembrou-se que ao princípio teria de suportar todos os receios e a adversão dos homens que obedeciam aos dois irmãos. Estendeu-se na cama e fechou os olhos. Ainda não tinha decorrido meia hora, quando ouviu passos dentro de casa. A voz de Simão fez-se ouvir.
—Eh! Freyer! Onde estás?
Saiu do quarto. Não viu Keefer em parte alguma. Sem dúvida, havia saído.
—Horácio quer falar contigo. Acompanha-me. Saíram.
Era evidente que os motivos da sua presença no povoado eram bem conhecidos. Todos o olhavam com curiosidade, quando não com hostilidade.
— Estão um pouco alterados — disse-lhe Simão, — mas não deves fazer caso. Em breve te considerarão como um amigo mais. Mas tens de demonstrar que queres sê-lo, de verdade.
Horácio aguardava-os em sua casa. Uma mulher de trinta e cinco anos, com roupas masculinas, estava à sua direita. Olhou Freyer com desagrado e esboçou uma careta.
—É esse? — perguntou.
Horácio concordou. Nas suas mãos bailava um punhal. Quando Harry entrou, cravou-o em cima da mesa.
— Senta-te ali — ordenou, indicando uma cadeira.
Harry obedeceu. Olhou para a mulher e viu como ela o examinava com atenção.
— Não te fies demasiado nessa gente — disse ela.
—Agora é preferível que estejas calada. Entendeste?
Ela afastou-se da mesa e dirigiu-se para uma porta que estava por detrás das suas costas.
—Mandei-te buscar para chegarmos a um acordo. Pensas ficar connosco ou voltar?
— Não posso voltar.
—Nesse caso, necessito de provar a tua lealdade. Será a primeira das provas de que te falei. Acabo de saber que um dos homens feridos no cruzamento de Llamas ainda lá está e vigiam-nos três homens.
—Fui eu que lá os deixei para socorrer os feridos.
—Esse homem é Langson, um dos meus melhores amigos. Necessito que o tires dali e o ponhas a salvo.
—É possível que ali estejam inteirados do que fiz.
—De qualquer maneira, necessito que Langson volte. Podes pedir a Simão tudo o que precisares.
Harry não explicou. Saiu de casa de Horácio. Não havia ainda dado dez passos, quando Simão o alcançou.
— Quando partes?
— Agora mesmo.
—Sozinho?
—É preferível.
—Desejo-te sorte e que possas voltar com Langson.
Não respondeu. Parecia-lhe ouvir cada palavra daqueles homens impregnada de ironia. Sabia que o odiavam de morte e que a necessidade de que ele lhes apresentasse o companheiro ferido os continha. Provavelmente suportá-lo-iam enquanto lhes fosse de alguma utilidade.
Mas Harry confiava em que durante o tempo que estivesse com eles averiguaria muitas coisas ignoradas e que eram importantes para desmascarar os culpados de quantos desmandos se cometiam ao longo da fronteira.
Voltou para a cabana e preparou-se para montar a cavalo. Viu Johnny assomar à porta. No momento em que passava diante da cabana de Horácio, viu Maria chegar a correr.
—Harry! — chamou, agarrando-se à cilha do seu cavalo. —Thory vem aí para te matar!
Harry deteve-se. Aquela complicação vinha alterar-lhe os planos. Thory devia ser algum imbecil fanático que não se conformara por Horácio o ter incluído nas suas fileiras.
—Diz que fará contigo o que fizeste com o irmão dele!
O Irmão de Thory estava entre os que caíram e Llamas. Aquilo já era mais claro. Por um momento, assaltou-o a ideia de esporear o cavalo e evitar o obstáculo. Mas não queria dar a sensação de que temia qualquer daqueles homens nem que fugia a enfrentar-se com quem não estivesse de acordo com a decisão de Ho rácio. Um homem aparecia nesse momento no fim da rua. Ia sozinho, mas a certa distância seguia-o um grupo de dez dos seus partidários. Harry decidiu aguardá-lo. Apeou-se do cavalo deu as rédeas à rapariga.
—Queres levá-lo para um lado qualquer?
— Tem cuidado, Harry — suplicou ela.
— Esse Thory é um tipo de maus fígados.
—Por que te preocupas tanto comigo? —sorriu-lhe Freyer.
—Porque és melhor do que todos eles e me agradas.
Afastou-se com o cavalo de Harry. Este olhava o homem que se aproximava. Estava a menos de vinte jardas e avançava com lentidão. Possivelmente, por ver Harry à sua espera, refreava os seus ímpetos e mostrava-se precavido.
—Tu és Harry Freyer? —perguntou, detendo-se a umas quinze jardas dele.— Tu és o homem que assassinou o meu irmão em Llamas?
—Eu sou Freyer. Que queres?
— Billy estava ali e vocês assassinaram-no sem o deixarem defender-se. Billy era meu irmão! E o homem que matou meu irmão não pode permanecer entre nós!
—O teu irmão morreu quando ambos lutávamos por um fim distinto. As circunstâncias mudaram nestas últimas horas.
— Para mim, não mudaram! — rugiu Thory. — És um cão traidor, que merece a morte!
Thory ia a tirar o revólver, mas um disparo advertiu-o de que ia cometer uma grande imprudência. Sentiu uma dor intensa nos dedos, como se acabassem de aplicar-lhe um ferro em brasa e lançou um grito de dor. Estupefacto, notou que quem acabara de disparar era o próprio Freyer. Nem sequer o tinha visto puxar pelo revólver. A rapidez do adversário assombrou-o e desconcertou-o.
—Que significa isto, Thory?
—Esse homem matou Billy! Como podes tê-lo admitido?
—Esse homem está aqui com consentimento meu! — replicou Horário, ameaçadoramente. — E não penso permitir que ninguém vá contra os meus desejos! Compreendeste?
Thory não respondeu. Horácio avançou em direção a ele.
—Perguntei-te se estás disposto a acatar quanto eu ordenar!
Thory estava lívido.
— Há certas coisas que custam a admitir.
—Deves admiti-las todas, sejam ou não do teu gosto!
Thory continuava, sem dar o braço a torcer. Harry julgou-se obrigado a intervir:
—Está ressentido e de certa maneira é justificável.
— Agora trata-se apenas de obedecer ao que e ordeno! — replicou Horácio, sem olhar para Harry. que respondes, Thory?
—Jurei vingar Billy se algum dia me visse cara a cara com um desses furões!
— Há certas vinganças que eu não posso aceitar.
— Tenho de vingá-lo!
Horácio empunhou um revólver e encostou-o peito do seu subordinado.
—Pela última vez, Thory! Não admito desobediências entre a minha gente!
Thory tragou saliva e envolveu Harry num profundo olhar de ódio.
— Está bem — murmurou entre dentes. — Farei como dizes.
E afastou-se. Horácio foi ter com Harry.
— Podias tê-lo morto e não o fizeste. Manobras prudentemente, já que terias arranjado demasiados inimigos. E isso não é conveniente.
— O rapaz estava excitado. Creio que o sucedido moderará os seus ímpetos.
Maria aproximou-se com o cavalo.
— Obrigado — disse Harry, tomando as rédeas.
Ela deitou-lhe um sugestivo olhar. Horácio regressava a casa e Harry pôde ver à porta a mulher que ali vivia. Olhava-os com singular interesse.
— Quem é aquela mulher? — perguntou ele a Maria.
Ela não precisou de se voltar para saber a quem me referia.
—É Vera. Horácio trouxe-a quando foi a Tucson. É má e astuta. Horácio faz tudo o que ela lhe pede, ainda que seja tirar a vida ao melhor dos seus homens
—Adeus, Maria —disse, ao mesmo tempo que saltava para o cavalo. — Gostaria de te encontrar quando voltasse.
Maria riu-se e retrocedeu. Os seus pequenos pés descalços marcaram um desenho claro na fina areia da rua.
— Eu escutarei tudo o que de ti disserem — disse, tendo o cuidado de não levantar a voz. — Contar-te-ei tudo no regresso.
Afastou-se e Harry saudou-a com a mão. Esporeou o cavalo, dirigindo-se para a abertura que dava acesso ao vale.
— Dispara uma vez e depois outras três seguidas. o suficiente para que nos permitam a passagem sem sermos incomodados.
Harry fez como lhe ordenaram. Imediatamente do alto das rochas escarpadas responderam com dois disparos.
— Podemos continuar — disse Simão.
Seguiram por uma espécie de carreiro natural na margem direita. Um silêncio imponente envolvia aquele lugar. Sem dúvida, Harry experimentava a sensação de que mais de um par de olhos seguiam com atenção a sua marcha através do vale. Possivelmente estavam ali entrincheirados alguns homens de Horácio.
Ao fim do vale, uma garganta de reduzidas dimensões comunicava com um vale de incomparável beleza. Era um amplo vale, aberto a oeste. Uma das ladeiras estava coberta por um extenso bosque. A outra, era rochosa e desnuda como a palma da mão, mas oferecia a vantagem de estar escalonada.
O que mais chamou a atenção de Harry foi um verdadeiro povoado que se erguia na extremidade oposta, do outro lado da corrente de água que cruzava aquela terra maravilhosa.
— Que povoação é esta? — perguntou a Simão.
—A minha — riu Simão, como se achasse graça à resposta.
Cinco cavaleiros aproximavam-se deles.
— Meu irmão veio dar-me as boas-vindas. Tenho curiosidade em saber como vais explicar a tua presença aqui.
O homem que cavalgava à frente do grupo era sem dúvida, mais velho do que Simão. Harry só o vira uma vez e reconheceu-o bem.
— Quem é esse homem? — perguntou Horácio, enquanto olhava para o seu irmão.
—É Harry Freyer. Prendeu-me e depois soltou-me sem dar qualquer explicação. Trouxe-me a teu lado. Não posso dizer-te o que pensa nem o que se propõe.
Horácio aproximou-se do visitante.
— De maneira que te entregaram a minha carta e resolveste fazer um pacto com o diabo?
— Já vês como te devolvi teu irmão.
—Também cumprirei a minha palavra. Poderás vê-lo imediatamente e regressar quando quiseres.
— Já não posso voltar — disse Harry, sombrio. —Teria de me apresentar perante um conselho de guerra e não ignoras qual seria a minha sorte.
—Suponho. O que vais fazer?
— Não sei.
Simão compreendia agora os motivos que tinha Harry para o salvar.
— Tiveste uma ideia genial, irmão. Não sei como não me lembrei disso. Passei toda a viagem a dar voltas à imaginação, sem encontrar solução.
Horácio voltou-se de novo para Harry.
— Podes ficar aqui até amanhã. Logo encontrarás maneira de te livrares deste sarilho. O certo é que tu fizeste todo o possível para te meteres nele.
—Que terias feito em meu lugar?
—É possível que fizesses o mesmo. Mas eu estou muito acima dos teus compromissos. Faço e desfaço quando me dá na gana.
—Nunca julguei chegar a invejar-te.
—Invejar-me? Talvez te agradasse chegar aonde cheguei?
— Não, mas no futuro terei de viver como tu vives, escondendo-me de todos, convertido num vulgar foragido.
Horácio acariciou a barba, pensativo.
—Creio que vale a pena falar disto com mais vagar. Acompanha-nos.
Dirigiram-se ao povoado. Harry reparou que havia ali muita gente e que o observavam com curiosidade. Entraram numa das casas. Era espaçosa e estava simplesmente mobilada. No entanto, não tinha o aspeto de miséria ou abandono. Deixaram-no sozinho uns minutos. Por fim, os dois irmãos regressaram.
— Fala claro, Freyer — disse-lhe Simão, observando-o fixamente. —Tu vieste com a intenção de te unires a nós. E para qualquer um que tenha cérebro, não há dúvida de que isso é suspeito.
— Isso mesmo pensaria eu — assentiu Harry.
— Sem dúvida, comprometes-te ante os teus, tirando-me do cárcere e trazendo-me aqui. Harry concordou, de novo.
— Que pensas que te acontecerá quando fores apanhado?
— Colocar-me-ão no mesmo sítio onde te iam colocar.
Horácio adiantou-se.
— Simão falou-me de ti. Não vou negar que de homens como tu é o que eu necessito. Faremos, no entanto, uma prova. Melhor — refletiu prontamente —, três provas. Que decides?
— Necessito refletir.
—Bem, dar-me-ás amanhã a resposta. Se não te decides, poderás ir-te embora com teu pai. Dois dos meus homens escoltar-te-ão até um lugar habitado.
—Não posso voltar para sítio algum onde me conheçam.
Horácio sorriu de modo estranho.
—Se ficares connosco, teu pai ficará como refém, enquanto não fizeres satisfatoriamente as três provas. Queres vê-lo agora?
—Ele está bom de saúde?
— Não tem de se queixar de mim. Podes comprová-lo.
— Não quero que ele saiba que estou aqui — negou Harry. —Deve ignorar, por agora, que estou convosco. Desprezar-me-ia.
Os dois irmãos olharam-no atentamente. Foi Simão quem falou primeiro.
—Ficarás com um dos meus homens. Chama-se Keefer.
Levou-o até uma cabana situada no outro extremo povoado. Ao entrar, apareceu uma mulher jovem. Tinha uns dezoito anos, e olhou Harry com curiosidade.
— Olá! — saudou o jovem, sorrindo.
— Olá! — correspondeu ela, mostrando uns dentes muito brancos e miúdos.
Era pequena, de corpo esbelto; o cabelo, negro como azeviche, caía-lhe pelas costas, onde era apanhado por uma grossa trança. Os olhos tinham um maravilhoso tom esmeralda.
—É Maria — disse Simão, piscando um olho. —A irmã de Diego.
— Maria?
—Ela e Johnny Keefer tinham relações... ou algo parecido. Creio que lhe agradaste.
Entraram em casa. Um homem limpava uma espingarda. Ao sentir passos, levantou a cabeça.
— Olá, Johnny! — saudou Simão.
—Viva! Não te tinham caçado no cruzamento de Liames?
—Sim, mas já vês que estou aqui. Sou como os gatos...
— Quem é esse?
— Chama-se Freyer e será teu companheiro. Tirou--me do cárcere.
— Não se chama assim o furão que lhes estendeu a emboscada?
— Sim. Este é Freyer.
Johnny levantou-se de um salto, como se o tivessem picado.
—Que faz aqui?
— Fica connosco.
—Prisioneiro?
—Não. Disse que fica connosco. Não entendes?
— Nem uma palavra.
—Pois, não faças mais perguntas. Ocupará quarto e dirás a Maria que cuide de tudo o que necessitar. Compreendes?
—Um pouco.
— Já vais melhor — sorriu Simão. E voltando para Harry: — Logo verei teu pai. Digo-lhe qualquer coisa?
—Sim. Podes dizer-lhe que tudo está bem; que voltará para casa depressa.
—Dir-lhe-ei isso. Até logo.
Saiu da cabana, deixando os dois homens. Johnny limpava de novo a espingarda. Depois, como reparasse em Harry, assinalou-lhe uma porta havia do lado direito.
—Ali está o teu quarto.
Harry entrou. Havia uma cama e um par de cadeiras. A Janela estava aberta e por ela penetrava o fresco da serra. Ao assomar-se, viu Maria que regressava com um cântaro de água. Ela, ao vê-lo à Janela, caminhou diretamente ao seu encontro.
—Simão disse-me que ficas aqui. Qual é nome?
—Harry — respondeu. — Tu és Maria, não é verdade?
—Sim — assentiu.
— Sabes o que dizem de ti?
— Suponho-o. Tens medo?
— Não. Tens um aspeto mais agradável do que todos os outros.
Johnny Keefer aproximou-se da porta ao ouvir aquela conversa.
—Que fazes aqui? — perguntou secamente à rapariga. —Vai ao teu trabalho e não te aproximes deste sítio.
— Que te importa o que eu faço? — replicou Maria.
—É preciso ter cuidado com esse tipo.
—E com vocês, não é? — insistiu ela, olhando-o, atrevida.
Johnny avançou uns passos e ela fugiu a correr.
— Até logo, Harry! — gritou, agitando a mão desocupada.
Freyer olhava para Johnny, molestado pela intromissão.
—Que mal faz que esta rapariga fale comigo?
—É minha noiva e molesta-me que fale com desconhecidos. Foste um furão, e há certos cheiros que não posso suportar.
Harry conteve-se para não provocar um incidente. Lembrou-se que ao princípio teria de suportar todos os receios e a adversão dos homens que obedeciam aos dois irmãos. Estendeu-se na cama e fechou os olhos. Ainda não tinha decorrido meia hora, quando ouviu passos dentro de casa. A voz de Simão fez-se ouvir.
—Eh! Freyer! Onde estás?
Saiu do quarto. Não viu Keefer em parte alguma. Sem dúvida, havia saído.
—Horácio quer falar contigo. Acompanha-me. Saíram.
Era evidente que os motivos da sua presença no povoado eram bem conhecidos. Todos o olhavam com curiosidade, quando não com hostilidade.
— Estão um pouco alterados — disse-lhe Simão, — mas não deves fazer caso. Em breve te considerarão como um amigo mais. Mas tens de demonstrar que queres sê-lo, de verdade.
Horácio aguardava-os em sua casa. Uma mulher de trinta e cinco anos, com roupas masculinas, estava à sua direita. Olhou Freyer com desagrado e esboçou uma careta.
—É esse? — perguntou.
Horácio concordou. Nas suas mãos bailava um punhal. Quando Harry entrou, cravou-o em cima da mesa.
— Senta-te ali — ordenou, indicando uma cadeira.
Harry obedeceu. Olhou para a mulher e viu como ela o examinava com atenção.
— Não te fies demasiado nessa gente — disse ela.
—Agora é preferível que estejas calada. Entendeste?
Ela afastou-se da mesa e dirigiu-se para uma porta que estava por detrás das suas costas.
—Mandei-te buscar para chegarmos a um acordo. Pensas ficar connosco ou voltar?
— Não posso voltar.
—Nesse caso, necessito de provar a tua lealdade. Será a primeira das provas de que te falei. Acabo de saber que um dos homens feridos no cruzamento de Llamas ainda lá está e vigiam-nos três homens.
—Fui eu que lá os deixei para socorrer os feridos.
—Esse homem é Langson, um dos meus melhores amigos. Necessito que o tires dali e o ponhas a salvo.
—É possível que ali estejam inteirados do que fiz.
—De qualquer maneira, necessito que Langson volte. Podes pedir a Simão tudo o que precisares.
Harry não explicou. Saiu de casa de Horácio. Não havia ainda dado dez passos, quando Simão o alcançou.
— Quando partes?
— Agora mesmo.
—Sozinho?
—É preferível.
—Desejo-te sorte e que possas voltar com Langson.
Não respondeu. Parecia-lhe ouvir cada palavra daqueles homens impregnada de ironia. Sabia que o odiavam de morte e que a necessidade de que ele lhes apresentasse o companheiro ferido os continha. Provavelmente suportá-lo-iam enquanto lhes fosse de alguma utilidade.
Mas Harry confiava em que durante o tempo que estivesse com eles averiguaria muitas coisas ignoradas e que eram importantes para desmascarar os culpados de quantos desmandos se cometiam ao longo da fronteira.
Voltou para a cabana e preparou-se para montar a cavalo. Viu Johnny assomar à porta. No momento em que passava diante da cabana de Horácio, viu Maria chegar a correr.
—Harry! — chamou, agarrando-se à cilha do seu cavalo. —Thory vem aí para te matar!
Harry deteve-se. Aquela complicação vinha alterar-lhe os planos. Thory devia ser algum imbecil fanático que não se conformara por Horácio o ter incluído nas suas fileiras.
—Diz que fará contigo o que fizeste com o irmão dele!
O Irmão de Thory estava entre os que caíram e Llamas. Aquilo já era mais claro. Por um momento, assaltou-o a ideia de esporear o cavalo e evitar o obstáculo. Mas não queria dar a sensação de que temia qualquer daqueles homens nem que fugia a enfrentar-se com quem não estivesse de acordo com a decisão de Ho rácio. Um homem aparecia nesse momento no fim da rua. Ia sozinho, mas a certa distância seguia-o um grupo de dez dos seus partidários. Harry decidiu aguardá-lo. Apeou-se do cavalo deu as rédeas à rapariga.
—Queres levá-lo para um lado qualquer?
— Tem cuidado, Harry — suplicou ela.
— Esse Thory é um tipo de maus fígados.
—Por que te preocupas tanto comigo? —sorriu-lhe Freyer.
—Porque és melhor do que todos eles e me agradas.
Afastou-se com o cavalo de Harry. Este olhava o homem que se aproximava. Estava a menos de vinte jardas e avançava com lentidão. Possivelmente, por ver Harry à sua espera, refreava os seus ímpetos e mostrava-se precavido.
—Tu és Harry Freyer? —perguntou, detendo-se a umas quinze jardas dele.— Tu és o homem que assassinou o meu irmão em Llamas?
—Eu sou Freyer. Que queres?
— Billy estava ali e vocês assassinaram-no sem o deixarem defender-se. Billy era meu irmão! E o homem que matou meu irmão não pode permanecer entre nós!
—O teu irmão morreu quando ambos lutávamos por um fim distinto. As circunstâncias mudaram nestas últimas horas.
— Para mim, não mudaram! — rugiu Thory. — És um cão traidor, que merece a morte!
Thory ia a tirar o revólver, mas um disparo advertiu-o de que ia cometer uma grande imprudência. Sentiu uma dor intensa nos dedos, como se acabassem de aplicar-lhe um ferro em brasa e lançou um grito de dor. Estupefacto, notou que quem acabara de disparar era o próprio Freyer. Nem sequer o tinha visto puxar pelo revólver. A rapidez do adversário assombrou-o e desconcertou-o.
—Que significa isto, Thory?
—Esse homem matou Billy! Como podes tê-lo admitido?
—Esse homem está aqui com consentimento meu! — replicou Horário, ameaçadoramente. — E não penso permitir que ninguém vá contra os meus desejos! Compreendeste?
Thory não respondeu. Horácio avançou em direção a ele.
—Perguntei-te se estás disposto a acatar quanto eu ordenar!
Thory estava lívido.
— Há certas coisas que custam a admitir.
—Deves admiti-las todas, sejam ou não do teu gosto!
Thory continuava, sem dar o braço a torcer. Harry julgou-se obrigado a intervir:
—Está ressentido e de certa maneira é justificável.
— Agora trata-se apenas de obedecer ao que e ordeno! — replicou Horácio, sem olhar para Harry. que respondes, Thory?
—Jurei vingar Billy se algum dia me visse cara a cara com um desses furões!
— Há certas vinganças que eu não posso aceitar.
— Tenho de vingá-lo!
Horácio empunhou um revólver e encostou-o peito do seu subordinado.
—Pela última vez, Thory! Não admito desobediências entre a minha gente!
Thory tragou saliva e envolveu Harry num profundo olhar de ódio.
— Está bem — murmurou entre dentes. — Farei como dizes.
E afastou-se. Horácio foi ter com Harry.
— Podias tê-lo morto e não o fizeste. Manobras prudentemente, já que terias arranjado demasiados inimigos. E isso não é conveniente.
— O rapaz estava excitado. Creio que o sucedido moderará os seus ímpetos.
Maria aproximou-se com o cavalo.
— Obrigado — disse Harry, tomando as rédeas.
Ela deitou-lhe um sugestivo olhar. Horácio regressava a casa e Harry pôde ver à porta a mulher que ali vivia. Olhava-os com singular interesse.
— Quem é aquela mulher? — perguntou ele a Maria.
Ela não precisou de se voltar para saber a quem me referia.
—É Vera. Horácio trouxe-a quando foi a Tucson. É má e astuta. Horácio faz tudo o que ela lhe pede, ainda que seja tirar a vida ao melhor dos seus homens
—Adeus, Maria —disse, ao mesmo tempo que saltava para o cavalo. — Gostaria de te encontrar quando voltasse.
Maria riu-se e retrocedeu. Os seus pequenos pés descalços marcaram um desenho claro na fina areia da rua.
— Eu escutarei tudo o que de ti disserem — disse, tendo o cuidado de não levantar a voz. — Contar-te-ei tudo no regresso.
Afastou-se e Harry saudou-a com a mão. Esporeou o cavalo, dirigindo-se para a abertura que dava acesso ao vale.
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