domingo, 9 de fevereiro de 2020

KNS020.06 Terceira prova ultrapassada com sucesso / o chefe da banditagem

O regresso de Simão tinha sido inesperado. Havia voltado sozinho e sem que ninguém tivesse dado conta disso. Não havia ainda entrado na sua casa, quando Maria o procurou, para o advertir do que queriam fazer com Harry Freyer.
Na manhã seguinte, muito cedo, reuniu todos os homens do povoado. Em seguida foi à procura de Vera e obrigou-a a acompanhá-lo. Vera vestia de novo a sua indumentária masculina. Encerrava-se num hermético mutismo e olhava tudo com indiferença, com uma expressão quase ausente.
— Quem esteve contigo, ontem à noite? — insistia Simão ante a atitude reservada daquela mulher, que parecia desprezá-lo. — Continuas empenhada em não falar? Asseguro-te que quando Horácio chegar terá motivos mais do que suficientes para te obrigar a desatar a língua.
Depois, percorreu a longa fila de homens reunidos na rua, esperando encontrar neles a expressão delatora da sua cumplicidade com aquela diabólica mulher.
De repente, ao passar diante de Johnny, notou, uma leve alteração no rosto deste.
—Onde estiveste, ontem à noite?
— Na minha casa.
—Com quem?
— Sozinho.
— Mentes! Fui lá. e não te encontrei! Além disso viram-te a rondar a casa de Maria!

—É certo... Estive a rondar a casa de Maria durante mais de uma hora.
—Voltas a mentir! —guinchou Simão, esbofeteando-o. — Não estiveste nada! Isso inventei eu para te convencer que és um embusteiro cobarde! Diz a verdade ou meto-te já uma bala entre os olhos!
E Simão apontou o seu revólver à cabeça de Johnny. Todos os homens se calaram. Johnny estava lívida e um percetível temor agitava o seu corpo.
— Estive com... Heppler e Gronshaw. Pediram-me que os ajudasse a retirar Freyer de casa, mas eu neguei-me. Sabia que se propunham matá-lo.
Simão avançou ao longo da fila. Uns passos mais adiante deteve-se. Estava ante um homem alto e de cabelo russo.
— Sai da fila, Heppler — disse.
O aludido avançou uns passos. Sorria cinicamente como se aquela cerimónia o divertisse.
—Fui eu quem encurralou esse «furão».
—E quem mais?
—Esse cobarde do Johnny já o disse. Devo repeti-lo para que todos o oiçam?
— Não é necessário.
Simão foi até onde se encontrava Gronshaw.
—Tens algo a dizer?
—Sim.
Gronshaw afastou-se do grupo. Passou diante de Harry e parou em frente de Johnny.
— Deviam cortar-te a língua —disse-lhe, olhando-o com desprezo —mas ainda assim continuarias a denunciar os teus companheiros. Para a falta que fazes...
E antes que pudessem adivinhar os seus propósitos, sacou do revólver e disparou três vezes seguidas sobre Johnny, que caiu no chão morto, sem pronunciar uma só palavra. Simão deitou-lhe um olhar de desprezo e aproximou-se de Harry.
—Já sabes quem foram os que te prepararam a «entrevista» com «Satã». Deverás ser tu quem se entenda com eles.
A larga fileira de homens começou a desfazer-se. No ambiente adivinhava-se o que ia suceder. Gronshaw tinha guardado o revólver. Sem deixar de sorrir, andou até junto de Harry. Uns passos mais atrás, encontrava-se Vera. As suas feições não mostravam a menor emoção pelo que estava a acontecer.
—Aqui não pode fazer-se nada em segredo—disse Gronshaw, como se pretendesse fazer espírito. —Para a outra vez faremos as coisas com maior tacto.
— Para a outra vez já não terás oportunidade de o repetir — disse Harry.
Gronshaw dirigiu-se para o local onde se encontrava Heppler.
— Ouviste bem, Roddy? — disse-lhe.
Heppler assentiu. Tinha as mãos apoiadas nas ancas, como se assistisse a uma discussão amigável
—É a coisa com mais graça que tenho ouvido em toda a minha vida.
E começou a afastar-se de Gronshaw, andando mais para a esquerda, como se com os seus passos estivesse a medir uma determinada distância. Harry achou aquilo bastante significativo. E o mesmo o compreenderam todos os que assistiam, pois afastaram-se por prudência.
—Eh! Cuidado! — gritou alguém, longe dali, por detrás de Harry.
Mas este não se voltou. Adivinhava que quem gritara só pretendia distraí-lo um instante, o suficiente para dar tempo aos homens para dispararem sobre ele.
Heppler desviou-se de repente para um lado, e, como se fosse o sinal combinado, ambos os homens baixaram as mãos com rapidez. Harry tinha lido nos seus pensamentos. Encolheu--se ligeiramente e dos seus revólveres saíram labaredas.
Heppler não pôde sequer disparar o revólver, pois quando ia carregar no gatilho, a morte chegou, fulminante, na forma de um projétil que se cravou na sua testa.
Gronshaw recebeu o chumbo uma fração de segundo mais tarde. Teve ainda tempo de disparar, mas demasiado tarde para que o tiro pudesse levar a eficácia necessária. A bala sibilou por cima da cabeça de Harry e foi cravar-se numa árvore. Entre os que assistiram ao duelo passou um murmúrio de assombro. A luta tinha demorado menos de dois segundos. Tanto assim foi, que houve gente que não teve tempo de ver o que acontecia, pois só viu os cadáveres de Heppler e Gronshaw.
Simão permaneceu uns segundos olhando os cadáveres. Depois agitou os braços, indicando com isso que saíssem todos dali. Nesse momento apareceram ao fim da rua quatro ginetes. Vinham a galope e o seu aspeto demonstrava bem a caminhada a que tinham sido obrigados.
Os quatro homens desceram em frente da casa de Horácio. Simão foi ter com eles e juntos entraram cm casa.
Harry guardou os revólveres e passou entre os curiosos que ficaram a comentar o que se tinha passado. Surpreendeu olhares de revés, murmúrios de vozes que sem dúvida alguma se referiam a ele, e um ou outro sorriso com que pretendiam demonstrar que aquilo não tivera importância.
Ao passar diante das últimas casas do povoado, ouviu chamarem-no. Era Maria, que estava escondida atrás de uma casa e o esperava.
—Maria! Que fazes aqui? Ao chegar junto a ela, a rapariga abraçou-o com visível temor.
— Tens de fugir daqui, Harry! —suplicou-lhe angustiada.
— Porquê?
—O que aconteceu ontem à noite, repetir-se-á um dia e outro, até que acabem contigo. Procurarão crivar-te de balas, sem que possas defender-te. Tens de fugir daqui, Harry! Se esperas mais tempo será demasiado tarde.
—Julgas que posso ir-me embora e deixar-te entre estes selvagens?
—Leva-me para onde fores.
—Não posso. Sou um fugitivo como qualquer desses que andam por aí. Não poderia levar-te a lugares onde pudesses levar uma vida digna.
— Não importa. Podemos ir a terras onde ninguém perguntará o que foste. Esconder-nos-emos de todos, se for preciso. Sós, tu e eu, começaremos uma nova vida.
Harry guardou silêncio, o que Maria interpretou como uma negativa.
—Tu não gostas de mim como aparentas —murmurou movendo negativamente a cabeça. —És a única mulher que me importa.
—Demonstra-mo! —Olhou-o furiosa e de repente voltou-lhe as costas e largou a fugir.
Harry continuou o seu caminho. Ia já fora do povoado, quando se desviou para uma plataforma rochosa que ficava a pino sobre um abismo de oitenta pés de profundidade. Quem quer pretendesse chegar ali, seria descoberto pelo guarda que permanecia à entrada de uma gruta. Cinco minutos depois viu chegar um dos ginetes que pouco antes permaneciam à entrada da aldeia.
— És tu, Freyer? — perguntaram-lhe.
—Que queres?
Levantou-se e aproximou-se de quem o chamava.
—Horácio mandou buscar-te. Tenho de te levar ao sítio onde ele se encontra.
Simão aguardava-o em sua casa.
— Meu irmão espera-te num lugar afastado daqui. Necessita de ti para a última prova.
—Quando vou reunir-me a ele?
—Agora mesmo. Diego acompanhar-te-á.
— Está bem — assentiu. — Venho já.
Dirigiu-se à sua casa e preparou as coisas. Um rumor à entrada, fê-lo voltar-se. Era Maria. Observava-o em silêncio.
— Vais-te?
— Sim. Horácio espera-me. Devo estar muito tempo fora.
— Não vás — disse ela, sem levantar a voz. —VI como esses homens falavam em voz baixa com Simão. E os rostos de todos eles revelavam algo desagradável.
Harry pôs-se a rir.
— Não tenhas medo. Nada de mal me poderá acontecer.
E para a convencer de que os seus temores eram injustificados, rodeou-a com os braços e beijou-a nos lábios.
—Estás já tranquila?
Maria esboçou um tímido sorriso.
—Tenho muito medo de te perder.
— Voltarei logo que possa e inclusivamente trar-te-ei boas notícias.
Beijou-a de novo e foi-se embora.
— Estou pronto — disse a Simão.
Este olhou-o com uma expressão estranha, que intrigou o rapaz.
— Boa sorte! —disse Simão, levantando a mão.
Harry correspondeu da mesma forma. Mais longe, apoiada a uns troncos, viu Maria. Repetiu a saudação e ela lançou-lhe um beijo na ponta dos dedos.
Cavalgaram todo o dia e parte do seguinte. Harry verificava que se dirigiam para os lados de Benson. Com efeito, quando estavam a poucas milhas da cidade, o seu companheiro deteve-se. A umas cinquenta jardas, à sua esquerda, levantava-se uma rústica construção de uma granja que dava a impressão de estar abandonada.
— Chegámos — disse. — Encontrarás Horácio nessa casa. Eu devo continuar até Benson.
E sem esperar que Harry formulasse a menor objeção, o seu companheiro esporeou a montada e partiu veloz a caminho da cidade. Harry olhou para a casa. Não se via ninguém por aquelas imediações. Tudo aquilo era muito estranho, mas Harry não duvidava que se Horácio o tinha ma dado chamar, era porque precisava dele. Apeou-se diante da porta. Estava aberta e do interior observava-o uma pessoa. Era um homem de uns quarenta anos.
—És o enviado de Simão?
—Assim parece. Disseram-me que ia encontra aqui outra pessoa.
—Essa outra pessoa enviou-me para que esperasse a tua chegada. Deves mudar de roupa para estares mais apresentável.
—Aonde devo ir?
—Sabê-lo-ás a seu tempo.
O homem conduziu-o até um dos quartos. Ali, sobre uma cadeira, viam-se algumas roupas. Harry vestiu aquela indumentária. Em pouco tempo, havia-se transformado num homem da cidade. Vestido daquela forma, os seus modos eram distintos.
—Não te esqueças de levar os revólveres. Harry colocou o cinto do qual pendiam os revólveres, à volta da cintura. Depois seguiu o desconhecido.
— Creio que seria conveniente saber o que vim fazer — disse, enquanto procurava o cavalo.
--Eu não sei uma palavra de nada—respondeu--lhe o desconhecido. — Devo limitar-me a acompanhar-te à residência do governador.
— Do governador? — exclamou Harry, surpreendido.
—Não faças mais perguntas.
Montaram nos respetivos cavalos e abandonaram a granja. Pelo caminho, Harry perguntava-se que género de missão era aquela de que estava incumbido, e que juntava a primeira autoridade do Estado com o primeiro bandido da região.
O governador habitava uma casa nos arredores. Passava em Benson pequenas temporadas e para esse efeito tinha mandado fazer uma linda casa onde dava grandes festas. Naquela noite devia ter lugar uma dessas festas, e quando lá chegaram notava-se já uma desusada animação.
Celebrava-se um baile no jardim e os pares dançavam ao compasso de uma orquestra típica. Harry foi conduzido a uma das dependências da casa. O seu guia disse que esperasse ali e saiu imediatamente. Da janela, Harry podia ver os assistentes ao baile daquela noite. Havia bastantes mulheres e entre os homens viam-se alguns rancheiros da margem direita do rio.
Ainda não tinham passado cinco minutos, quando entrou um homem no aposento. Harry verificou imediatamente que se encontrava na presença do governador. Este olhou-o com atenção e pelo sorriso que passou pelo seu semblante, Harry adivinhou que ele se sentia compadecido com o exame.
—Falaram-me muito de ti—disse, mantendo-se a uma distância prudente. — Sei que és muito hábil no manejo do revólver.
—É só isso o que sabeis de mim?
— Para mim é o suficiente. E só necessito de uma prova da fama que te precede.
—Que prova?
O governador aproximou-se da janela.
—Vês aquele homem? —disse, assinalando um homem alto que se encontrava nesse momento a meio do pátio e que falava com uma jovem vestida de branco.
—Quem é?
—O seu nome é Tribber, Jackson Tribber, um rico ganadeiro. Mas aqui conhecem-no por um nome mais simples: «Sonora Jack».
— Creio que já ouvi falar dele.
—É necessário que esta seja a última hora de «Sonora Jack».
Disse-o em voz baixa e com um acento que mostrava um profundo desdém. Harry pensou que um homem poderoso como ele só tinha de denunciar o bandido para a lei lhe caísse em cima. Mas «Sonora Jack» devia saber muitas coisas a respeito daquele homem que se encontrava na sua frente, e que o convencia a eliminar o outro, dando ao caso o aspeto de uma simples disputa entre duas pessoas.
—Se não compreendi mal...
—Deves matá-lo. Provoca-o até obrigar esse bandido a puxar o revólver.
—Creio que há outras maneiras...
—É a única que existe. Disseram-me que te limitarias a cumprir os meus desejos sem discutir os motivos.
— Bem — encolheu os ombros. — Isso farei.
— Terás a tua recompensa — acrescentou o governador.
—Não me move nenhuma recompensa.
O governador olhou-o com curiosidade.
— De qualquer maneira, precisas de um esclarecimento. Reparaste na jovem que está falando com ele?
—É uma linda rapariga.
—É minha filha. «Sonora Jack» pretende a sua mão, mas há razão suficiente para afastar esse rufião de Laurita.
— Bem, já entendo.
— Tens a minha autorização para fazeres como melhor te parecer.
O governador saiu do compartimento e Harry desceu à pista de baile. «Sonora Jack» continuava com a filha do governador. Harry pensou que nada o impedia de matar um sujeito daquela espécie. Mas, sem dúvida, ser-lhe-ia mais útil vivo, para lhe declarar a relação que havia entre o governador e Horácio e ele próprio.
Passou entre os pares que conversavam, enquanto a orquestra não continuava a tocar, e aproximou-se das duas pessoas que constituíam o seu objetivo daquela noite.
Laurita foi quem primeiro o viu chegar. Notou que se dirigia a ela e olhou-o de um modo estranho. Sentia-se dominada por um sujeito que desprezava e que de modo algum poderia afastar.
— Concede-me o próximo baile, senhorita? —pediu-lhe Harry.
«Sonora Jack» voltou-se bruscamente, como se o tivessem insultado.
—Esta jovem tem todas as danças comprometidas comigo—replicou, mal-humorado.
—É certo, senhorita?
—Eu já disse o que tinha a dizer. Vai procurar outro par — insistiu o bandido.
— Eu perguntei à senhorita se tem alguma dança disponível para mim.
—A próxima—disse ela, agarrando-se a uma oportunidade única de se livrar daquele fastidioso pretendente.
— Já disse que ela não dançará com mais ninguém além de mim.
—Quem decide é ela.
—Decidi eu e é o suficiente! É melhor pores-te a andar e procurar outro par.
—Seria a primeira vez que abandonava o campo diante de um rival que pretende roubar-me a companhia de uma mulher.
«Sonora Ja.ck» entortou os olhos, e olhando Harry com raiva, recuou ligeiramente, o que advertiu o rapaz de que o momento crucial tinha chegado. Os movimentos foram rápidos e quase simultâneos. Harry disparou duas vezes e uma fração de segundo antes do adversário, que caiu pesadamente no chão. Ouviram-se alguns gritos. O governador foi um dos primeiros a chegar.
— Que aconteceu? — perguntou olhando para Harry e para sua filha, que permanecia algo afastada e um pouco pálida.
—Este sujeito pretendia dançar à força com esta jovem.
— Já o tinha notado. Passou a noite toda importunando Laurita. Levou o merecido.
O homem que tinha acompanhado Harry até à residência do governador, surgiu por entre os convidados.
—Vem comigo —disse, ao mesmo tempo que o puxava por um braço. Harry deixou-se levar. Quase imediatamente ouviu alguém exclamar:
—Este homem está ferido! É preciso levá-lo ao hospital quanto antes.
Harry imaginou a deceção que o governador experimentaria nesse momento. Tinha ferido o bandido levemente, a fim de lhe fazer algumas perguntas. Por algum tempo tê-lo-ia seguro numa cama do hospital de Benson. Minutos depois estava em casa do governador. Este não tardou a aparecer.
—Não foste demasiado afortunado nos teus disparos! Já te disse que desejava «Sonora Jack» convertido numa sombra do passado.
—Tive de precipitar-me, ao verificar que era um homem perigoso.
—Não adiantámos grande coisa em feri-lo.
— Se se restabelecer, apresentar-se-á outra ocasião. Esse homem dará a alma ao diabo logo que se apresente de novo â minha frente.
—Espero que isso suceda quanto antes.
Minutos depois estavam na rua. Montaram os cavalos e nesse momento apareceu Horácio.
— Tiveste sorte? — perguntou-lhe, sorridente, come se se tivessem separado uns minutos antes.
—Não totalmente. Pus-me nervoso e a bala desviou-se umas polegadas.
—Terás uma nova oportunidade de emendar esse falhanço... — disse despreocupadamente. — Agora espera-nos um novo trabalho.
— De que se trata?
Horácio não respondeu. Limitou-se a esporear cavalo e tomar a direção da cidade. Detiveram-se diante da porta de um luxuoso estabelecimento. Por cima da porta via-se um letreiro dourado «Mina de Ouro».
—É o último trabalho, Harry — disse Horácio, antes de entrar. — Depois disto poderás ficar connosco e teu pai será libertado e posto em casa. Que decides? 
—Explica-me o plano.
Horácio assinalou-lhe o interior do estabelecimento.
— Esta casa pertence a Felter. Controla o local de Jogo mais importante de Benson. O governador deseja um motivo para o privar do seu monopólio. Um motivo importante é a batota no jogo. Sabe que se fazem, mas é preciso que alguém se descubra. E quem o sabe, cala-se, porque o revólver de Felter é muito temido entre os que aqui vivem.
—Já entendo. Queres que eu chame batoteiro a Felter.
— Claro está, ninguém te obriga a fazê-lo.
—Está bem. Fá-lo-ei. Quem é Felter?
Horácio entrou no salão, seguido de Harry. Felter estava magnificamente vestido. Muitas joias adornavam os seus dedos. — Aquele é Felter.
Separaram-se. Horácio dirigiu-se para o balcão, enquanto Harry se dirigia às mesas de jogo. Por duas vezes Harry arriscou uma pequena quantia. Sempre que alguém ganhava, era pouca a quantia saída. Só uma vez é que uma mulher conseguiu levar uma apreciável quantia. Harry sentou-se num sofá e dedicou-se a observar os que jogavam. E não tardou a reparar que a mulher que ganhou a apreciável quantia levava de vez em quando as mãos debaixo da mesa. Sempre que fazia tal coisa, o ganho era para ela ou para a casa.
O rapaz levantou-se e decidiu observar mais de perto. Seguiram-se várias jogadas sem importância, até que a afortunada jogadora decidiu arriscar a maior parte das fichas que tinha diante de si. Fez o seu jogo e a roleta começou a girar com rapidez. Harry não perdia de vista a mulher.
Quando a bola começava a perder velocidade, a dama levou a mão abaixo da mesa. Harry, que estava a seu lado, inclinou-se ligeiramente e os seus dedos apertaram o pulso da jogadora. Sobressaltada, levantou os olhos. E a bola foi cair diante de um número que beneficiou outros jogadores. Levantou-se um murmúrio de assombro. O «croupier» fixou os olhos inquisidores na mulher e descobriu que algo de anormal acontecia. Então Harry sentiu que alguém lhe tocava ao de leve nas costas. Voltou-se e descobriu o rosto obeso de Felter.
— Queres beber um copo comigo? — interrogou-o o dono da casa.
— Não vim beber.
—Nem jogar?
— Ver jogar. E aqui o jogo não é lá muito limpo.
Pronunciara as últimas palavras em voz suficientemente alta, para que todos os que se encontravam ali ouvissem. Fez-se um silêncio profundo.
—Na minha casa não se faz batota nem eu a tolero. Entendes?
—Todos se convenceram de que se faz batota com uma discrição que se distingue pela elegância.
—Isso que dizes jamais se ouviu aqui sem que o seu autor tivesse logo de arrepender-se.
—Eu nunca me arrependerei de chamar batoteiro a quem faz batota ou permite que outros a façam em seu favor.
Os murmúrios extinguiram-se por completo. Nos olhos de Felter brilhou um ódio infinito.
—Sai já da minha casa! — gritou Felter.
—Voltar as costas para que os teus sabujos me crivem de balas?
Ainda não terminara a observação, quando Felter tez estalar os dedos. Harry teve a intuição do que ia seguir-se. Arrojou-se ao solo, sacou dos revólveres e disparou contra três sujeitos que apareceram junto ao balcão.
Dois caíram imediatamente e o terceiro deu três passos à retaguarda, levou as mãos ao pescoço e caiu morto. Felter fez um juramento. Nesse momento sentiu um revólver na barriga.
—E agora nós. O que é que há, por debaixo da mesa?
Um dos jogadores inclinou-se para ver o sítio que Harry indicava.
—Vejo aqui uma alavanca unida a um cabo muito fino! — disse, voltando-se para os que estavam ao pé dele. — Ladrões!
Produziu-se um grande rebuliço. Felter levantava, os braços, tentando acalmar os ânimos. Harry aproveitou essa circunstância para se dirigir para a saída. Ao chegar à porta, Harry encontrou Horácio que esperava.
—Pronto! —disse Horácio, conduzindo-o até junto dos cavalos. — Antes de quinze minutos estará a arder o melhor local de diversões de Benson!
Montaram e esporearam as montadas. Harry pensou que o governador tinha já um pretexto para conceder o monopólio do jogo a qualquer dos seus amigos. Mas Harry já tinha as provas de que necessitava para desmascarar o homem que controlava o roubo e crime nas vastas terras que se estendiam ao longo do rio.

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