sábado, 16 de fevereiro de 2019

CLF023.07 Uma jovem precisa de auxílio

John e Russ trocaram um olhar. A emoção de Deborah não os deixava indiferentes. O primeiro tossicou.
--O velho Wood era um bom homem, embora eu não tivesse tido muito contacto com ele—murmurou Russ.
A rapariga conseguiu acalmar-se depois de um evidente esforço.
— Ao princípio, não soube que fazer—prosseguiu. —Tinha sempre vivido com ele. Os meus pais morreram quando eu era muito nova e nem sequer me lembro deles. Por outro lado, havíamos vivido sempre isolados. Não tínhamos vizinhos e as poucas vezes que fomos a Dodge foi só para comprar o que precisávamos e voltarmos logo para o rancho. O meu avô era o meu único amigo, o único ser humano que me acarinhava.
«Custou-me acreditar que estivesse realmente morto; mas, quando me convenci, senti-me terrivelmente só e pensei que não valia a pena continuar a viver. Acho que estive mais de uma hora sentada junto do corpo inanimado. Finalmente, tive de vencer o meu desgosto e tomar uma decisão. Como já lhes disse, enterrei o meu avô com as minhas próprias mãos.»
«Naqueles momentos sentia um ódio terrível por Dick Cobb, o assassino do meu avô. Daria qualquer coisa para poder fazê-lo pagar caro o seu crime. Mas ele não estava lá e a minha única vingança era ir procurar o xerife, e dizer-lhe o que acontecera. Ainda não sei porque razão me apoderei do revólver que o meu avô guardava no seu quarto, mas o certo é que o fiz; suponho que obedeci a um sexto sentido, a um impulso inconsciente. Foi então que, ao entrar em casa, notei que esta tinha sido rebuscada.»




John franziu o sobrolho.
— Rebuscada?
— Sim. Estava tudo de pernas para o ar, as gavetas vazias com todo o seu conteúdo atirado para o chão, os móveis fora dos seus lugares e até os colchões estavam resgados de cima a baixo. Reinava uma espantosa confusão.
— É o que se costuma fazer quando se procura alguma coisa—comentou Russ.
— Que procurariam aqueles homens nesta casa? —perguntou John.
A rapariga sacudiu a cabeça. —Não sei. Mas com certeza, não procuravam dinheiro pois nunca o tivemos. Veem que o meu rancho é muito pequeno. Dá só o suficiente para viver.
John assentiu.
—Sem dúvida. Mas, continue, por favor.
Deborah recostou-se na cadeira e, cravando os olhos no tecto, continuou:
— «Montei a cavalo e fui para Dodge a galope. Ia cega de raiva, dominada por um ódio mortal a Cobb. Estava disposta a obrigar o xerife Buttons a dar-lhe caça e enforcá-lo pela morte do meu avô. Era este o meu estado de alma, quando entrei na cidade ao anoitecer e o vi na companhia do Russ.»
«Não vacilei um só momento em tomá-lo por Cobb. Já lhe disse o fácil que é confundi-los, sobretudo só tendo eu visto Cobb de noite. Fosse como fosse não duvidei que fosse ele. As lágrimas vieram-me aos olhos e senti que o desespero me queimava o sangue.»
«Quase sem notar o que fazia, vi-me com o revólver na mão e premi o gatilho. Quando o vi cair dissipou-se como por encanto a névoa que me ofuscava para surgir uma profunda mágoa, o horror de ter morto um homem. Retrocedi aterrada, sobretudo quando o vi levantar-se vacilante e, depois de me olhar, cair novamente de bruços. Foi tal o terror que senti, que, esquecendo-me do que tinha ido fazer a Dodge, montei novamente a cavalo e fugi da cidade a toda a pressa.»
«Vagueei pelo campo toda a noite. Tinha a certeza de ter morto Cobb e que o xerife estava à minha procura por assassinato. Só esta ideia me fazia estremecer de medo. E, além disso, o convencimento de que estragara tudo com o meu assomo de raiva.» ~
«Durante três dias permaneci no campo, como um fugitivo, ocultando-me das pessoas. Por fim, esfomeada e esgotada, atrevi-me a voltar para casa. Estava deserta. Pu-la em ordem e dispus-me a arrastar as consequências do meu acto. Sentia-me tão só e tão desmoralizada que já não me importava que o xerife viesse prender-me. Mas, os dias passaram e nada aconteceu, pois só aumentou a minha. estranheza por Buttons me deixar em paz.»
«E esta manhã apareceu você. Voltei a confundi-lo com Cobb. Ao compreender que continuava vivo, tive medo e por isso empunhei a espingarda. O resto já sabe.»
—Por que fugiu, enquanto eu lutava com aqueles dois tipos? — perguntou John.
— Reconheci-os logo como sendo os dois homens que vieram ver o meu avô na manhã do dia da sua morte. —explicou a rapariga. — Ao ver que lutavam consigo, julguei que fosse uma armadilha para você ganhar a minha confiança. Aproveitando estarem a lutar, fugi de casa pelas traseiras. Enquanto corria para o bosque, ouvi uns disparos, mas, imediatamente, supus que me tinham descoberto e que disparavam contra mim. Permaneci escondida entre as árvores durante todo o dia.»
«De noite regressei para casa. Estava solitária e tranquila. Mas ao entrar, na obscuridade, quatro homens caíram sobre mim. Quando já me tinham imobilizado, acenderam uma luz. Trataram-me brutalmente, perguntando-me quem tinha morto os seus companheiros naquela manhã. Eu estava aturdida e não soube o que responder, mas não duvidava que aqueles indivíduos eram sequazes de Cobb. Então um deles disse-me lançando-me ao chão com violência: «Agora vais tu dizer-nos o que o teu avô não quis revelar-nos!»
«Mas, naquele momento, um deles, que vigiava pela janela, anunciou que se aproximavam dois cavaleiros. Apagaram a luz e começaram a disparar. Você matou três, mas o quarto conseguiu escapar. Isto é tudo.»
Quando a rapariga se calou John e Russ ficaram pensativos.
— Que quis dizer com isso de você ir dizer-lhes o que o seu avô não quis revelar-lhes? — perguntou o rapaz.
A rapariga encolheu os ombros.
— Ignoro-o. Juro-lhe que não faço a menor ideia.
John esfregou o queixo, pensativo.
—De qualquer maneira há uma coisa evidente: Cobb e os seus homens queriam saber alguma coisa que o seu avô sabia, e se o mataram, foi porque ele não o quis revelar. Mas estão convencidos de que você também o sabe. Aqui é que está o perigo porque agora desencadearão todos os ataques contra si.
— Quando rebuscaram a casa é porque procuravam alguma coisa de concreto—interveio Russ.
John olhou-o com exagerada surpresa.
— Bem-dito, amigo, vejo que não és tão parvo como pareces.
Depois, voltando-se para a rapariga:
—Não sabe se o seu avô guardava alguma coisa importante? — perguntou. — Um papel, uma carta, um objeto...
Ela negou.
— Não. Nunca me falou nisso.
Russ pôs-se bruscamente em pé, com os olhos brilhantes.
— Cobb? Dick Cobbl— exclamou. — Claro que este nome me era familiar! Lembro-me agora!
— Quem é? — perguntou John.
—Um pistoleiro muito rápido, um dos tipos que melhor manejam o revólver.
John franziu o sobrolho.
—Nunca tinha ouvido esse nome.
—No Texas, donde tu vens, não é conhecido. Mas no Colorado, podes perguntar por ele a qualquer pessoa. Em Denver, onde o conheci, as pessoas tremiam só de o ver. Vi-o matar um indivíduo em luta cara a cara, e asseguro-te que é um dos homens mais rápidos que conheço.
—Mais do que eu?
Russ fez um gesto de dúvida.
— Não posso ter a certeza. Mas creio que devem ser muito iguais. Ouve, sabes que é verdade tu e ele serem muito parecidos?
John não pareceu ficar muito satisfeito.
— Que mais sabes de Cobb?
—Falatório, sem dúvida. Mas diz-se que cometeu vários assaltos e roubos. Em diversas ocasiões formou bandos e assaltou diligências e Bancos; depois, quando as coisas se tornaram feias, dissolveu o bando e fugiu para outro território.
John olhou-o com suspeita.
—E tu não serias um dos homens do seu bando?
Russ ergueu-se, muito ofendido.
—Nunca. Posso ser um bêbado e um indesejável, mas nunca me apoderei do que não é meu.
— Então que fazias em Denver?
Russ encolheu os ombros.
— Todos nós desejamos, mais tarde ou mais cedo, fazer fortuna. Fui procurá-la em Denver; mas, quando compreendi que para a conseguir necessitava trabalhar, desisti e voltei para Dodge. Que queres? Uma pessoa é como é.
Era já muito tarde; já passava da meia-noite.
— Vão chegar à cidade ao amanhecer — disse Deborah. — Ê melhor que fiquem a dormir aqui. Ao fim e ao cabo, acho que ninguém os espera. Aceitaram a proposta.
— Amanhã Russ e eu iremos reunir o seu gado—disse John. — Tenho pena de o ter deixado fugir, mas foi a única maneira de conseguir entrar nesta casa.
A rapariga fez um gesto de indiferença.
—Não me importo de perder o gado. Para que o quero?
John pôs a mão sobre a dela e disse com voz grave:
— A última coisa que se deve fazer na vida é deixar de lutar. Não se esqueça que nós estamos do seu lado e que a ajudaremos. A rapariga mordeu o lábio inferior e olhou-os com um olhar agradecido.
—Obrigada, são muito meus amigos. E pensar que quase o matei... Quando a rapariga saiu da sala e ficaram sós, John e Russ envolveram-se nas suas mantas e deitaram-se no chão. Mas, não adormeceram logo.
—Que pensas fazer, John —perguntou Russ.
— Ainda não sei.
—Notaste que prometeste ajudá-la?
O rapaz permaneceu uns momentos com a vista cravada no tecto.
— Reparaste nos seus olhos, Russ? — murmurou. — Havia agradecimento. Nunca me tinham olhado assim. E é muito agradável.
—John... tu e eu... bem, tu e eu não somos homens como os outros; somos... um pistoleiro e um. bêbado. Não era melhor deixar essa rapariga em paz?
— Ela precisa de auxílio.
— Mas, não de uns tipos como nós.
John guardou silêncio durante bastante tempo. Depois murmurou:
— Boas-noites, Russ.
E, dando meia volta, fechou os olhos.

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