sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

CLF023.06 "Tem cuidado, pequena". A história de Deborah

John tirou da algibeira uma bolsa de tabaco e papel de fumar e começou tranquilamente a enrolar um cigarro.
—Menina Wood, fez um lamentável engano ao confundir-me com outro.
Os lábios de Deborah tremiam quando perguntou:
— Então por que razão, tanto esta manhã como esta noite, lutou contra estes homens?
John acendeu o cigarro.
—Estou habituado a defender-me quando me atacam. Foi isto o que aconteceu esta noite. Quanto ao que aconteceu esta manhã, além daqueles indivíduos me terem ameaçado, deixei-me levar pelo impulso de a defender. Embora não compreenda para que o fiz; afinal foi você que me pregou com um tiro nas costas e esteve quase a mandar-me para o outro mundo.
Os olhos de Deborah humedeceram-se.
— Confundi-o com Dick Cobb. Por isso disparei contra si. Lamento ter-me enganado.
John expulsou uma imensa baforada de fumo.
— Esse Cobb deve ter-lhe feito muito mal, para que você o tentasse matá-lo à traição.
O rosto de Deborah contraiu-se de dor, ao mesmo tempo que dizia numa voz cortada por um soluço:
— Assassinou o meu avô.




Russ pôs-se em pé, rápido, exclamando:
—Diabo!
John ficou um momento com o cigarro a meio caminho da boca. Depois, fazendo um gesto com a cabeça, murmurou:
— Sinto muito.
Russ voltou a sentar-se lentamente. No seu semblante havia uma expressão de espanto.
— Quando foi?
—No mesmo dia em que disparei contra si—disse a rapariga, apontando para John.
— Por que não me disse? — perguntou o jovem. — Porque não o disse durante tantos dias?
Deborah cruzou as mãos sobre o peito e mordeu o lábio inferior.
—Ia dizê-lo, mas tive medo.
—De quê?
— De que você tivesse morrido.
John tirou o chapéu e passou a mão pelos cabelos.
— Parece-me que, desta maneira, não chegaremos a nenhuma conclusão — disse.
Russ inclinou-se para a frente.
— Escute, Deborah, por que não nos explica tudo desde o princípio? —propôs. —Isto parece bastante complicado e, desta maneira, assim aos fragmentos, não vamos compreender nada.
Deborah, de repente, pôs-se em pé e afastou-se uns passos da mesa. Por um momento, permaneceu de costas para os dois homens, sem despregar os lábios.
— Por que hei-de confiar em vocês? —perguntou de repente. — Mal os conheço e, que sei de vocês? Linley é um bêbado e um pândego e, segundo o que ele mesmo disse, você, Lee, é um pistoleiro, um aventureiro! Quem me garante que posso confiar em vocês?
Voltou-se ao dizer isto. Os seus olhos encontraram-se com os de John, que permaneciam serenos e firmes. O jovem, talvez com um pouco de amargura, fez um gesto de assentimento.
— Ninguém — replicou. —A. confiança não é uma coisa para que sejam necessárias cartas de recomendação ou certificados. simplesmente, tem-se ou não se tem confiança numa pessoa. E o coração quem o deve dizer. —Pegou no chapéu e p8-lo na cabeça, dizendo ao seu amigo: — Vamo-nos embora, Russ; já não temos nada que fazer aqui.
Os dois homens puseram-se em pé.
— Adeus, Deborah —cumprimentou John.
Dirigiram-se para a porta, enquanto a jovem muito pálida os contemplava com os olhos fora das órbitas. Iam a sair, quando Deborah, de repente, exclamou:
—Não se vão embora! Ao mesmo tempo deixou-se cair na cadeira, e, apoiando a cabeça nos braços cruzados sobre a mesa, rompeu a soluçar.
John e Russ olharam-se por um momento. Logo voltaram a entrar na cabana e aproximaram-se da rapariga. Permaneciam calados. Deborah, sem deixar de chorar, balbuciou:
—Tenho medo! Estou assustada...
Levantou para John o rosto húmido de lágrimas e acrescentou:
— Também me matarão...
O jovem apoio os polegares no cinturão.
—O que a faz pensar isso? "
—Hoje tê-lo-iam feito, se não tivessem chegado a tempo. John continuava de pé.
—E foi para nos dizer isso, que não nos deixou sair? —perguntou friamente.
A rapariga secou as lágrimas e sacudiu a cabeça.
— Não. Quero que me perdoem por me ter portado como uma estúpida. Não sentia realmente o que disse sobre o não ter confiança. Eu… eu percebo que não pode ter más intenções desde que me ajudou por duas vezes e não intentou nada contra mim, apesar de eu ter estado quase a matá-lo. Vou explicar-lhes tudo o que sei sobre este assunto.
— Não tem a obrigação de o fazer — advertiu o jovem.
— Eu sei, mas quero dar-lhes esta prova de confiança.
John assentiu.
—De acordo. Mas antes, Russ e eu vamos limpar a casa.
Entre os dois, transportaram os cadáveres para o exterior e sepultaram-nos a alguns metros da casa. Depois, Deborah reuniu-se a eles.
— O meu avô está enterrado a pouca distância daqui — murmurou.
Guiou-os até uma mata próxima, na qual, entre as árvores, se via um montículo de terra remexida tendo por cima uma tosca cruz de madeira. A luz da Lua, o espetáculo resultava impressionante. Quando regressaram, John perguntou:
— Quem o enterrou?
— Eu mesma — replicou a rapariga com a voz ligeiramente trémula. — Tive que o agarrar com as minhas próprias mãos e cavar a sepultura.
—O velho Wood cometeu um erro ao viver isolado demais —comentou Russ.
Deborah guardou silêncio. Quando se encontraram de novo na cabana, deixou-se cair numa cadeira e permaneceu um momento com a testa franzida, como se tentasse pôr em ordem os seus pensamentos. Depois, levantou o seu rosto belíssimo e olhou os dois homens.
— Uma noite, faz uns onze dias, acordei com o rumor de uma conversa acalorada — começou a dizer Deborah. — Já devia passar da meia-noite e isso alarmou-me bastante, sobretudo quando escutando atentamente, reconheci que uma das vozes era a do meu avô. Com quem e sobre que assunto poderia estar a discutir àquelas horas? Além disso, eu sabia que o meu avô se tinha deitado à hora do costume, cerca das oito.
«Inquieta, levantei-me da cama, vesti-me rapidamente e saí do meu quarto. Mas a casa estava deserta e às escuras. Guiando-me pelo barulho das vozes saí de casa. Foi então que os vi. Estavam a uns vinte metros da cabana. Não me custou reconhecer o meu avô, que falava com um homem de elevada estatura, vestido de escuro. Um pouco mais longe estavam outros homens que permaneciam junto dos seus cavalos. Quando eu apareci, tanto o meu avô como o outro pararam de falar. Acerquei-me e, sem poder ocultar a minha estranheza, perguntei:»
«O que há?»
«Por que te. levantaste? — perguntou o meu avô contrariado. --Não devias ter saído da cama.»
«Quem é esta rapariga? — perguntou o homem alto.»
«É a minha neta Deborah — respondeu o meu avô de má vontade.»
«Então o homem contemplou-me fixamente. Não consegui ver bem as suas feições, porque a aba do chapéu fazia com que o seu rosto ficasse na sombra.»
«Uma rapariga linda— murmurou. —Mas, excessivamente curiosa.»
O meu avô ordenou-me asperamente que voltasse para a cama. Voltei para casa, mas fiquei atrás da porta. Inquietava-me o que estava a suceder. Quem era aquele desconhecido que chegava àquelas horas da noite e começava a discutir com o meu avô? Escutei atentamente e, apesar de não compreender o que diziam, percebi que voltavam a discutir violentamente e ouvi que o meu avô chamava Cobb àquele homem. Finalmente Cobb e os seus homens foram-se embora. Eu meti-me no meu quarto e ouvi o meu avô entrar em casa e deitar-se. Custou-me muita conciliar o sono pois estava convencida que estava a acontecer alguma desgraça.»
«Na manhã seguinte, enquanto tomávamos o pequeno almoço, vi que o meu avô tinha o rosto transtornado e parecia vítima de uma profunda preocupação. Estava nervoso e quase não comeu. Quando lhe perguntei quem era Cobb, olhou-me surpreendido.»
«Como sabes o seu nome?»
«Ouvi-te chamar-lhe Cobb — expliquei.»
«Que mais ouviste? — perguntou inquieto. Tranquilizou-se um pouco quando lhe disse que não tinha conseguido compreender as suas palavras. Depois, respondeu-me com evasivas dizendo que não devia dar importância àquela visita: eram coisas de negócios que as mulheres não compreendiam. Durante o resto da manhã comportou-se duma maneira estranha. Passou longas horas fechado no seu quarto e não se importou com os trabalhos do rancho. Tive que fazer tudo.»
«Ao meio-dia apareceram dois homens, os mesmos com quem houve a luta esta manhã, e estiveram mais de uma hora fechados com o meu avô no seu quarto. Pude ouvir que sustentavam uma acalorada discussão. Quando se foram embora, estavam visivelmente irritados. O meu avô ficou ainda mais preocupado e quando lhe perguntei o que havia, respondeu-me com maus modos, coisa que nunca tinha feito.»
«Pela tarde levei algumas cabeças de gado para os pastos que estão a uma milha daqui. Deveriam ter passado umas duas horas quando ouvi um tiro na direção da cabana. Assustada, montei a cavalo e regressei a galope. Encontrei o meu avô estendido no chão, nesta mesma sala, com uma bala no estômago. Ainda vivia, mas quando me inclinei sobre ele, só pôde olhar-me com olhos vítreos e balbuciou: — Foi Cobb... Dick Cobb... tem cuidado, pequena...»
«Foram as suas últimas palavras. Morreu pouco depois.»
Deborah parou de falar, apoiando a testa na palma da mão. Tinha a voz embargada pela comoção.

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