segunda-feira, 11 de fevereiro de 2019

CLF023.02 Uma desconhecida

—Não devias tratá-la dessa maneira—murmurou Russ. -- Ao fim e ao cabo, cedeu-te o seu quarto e foi ela quem chamou o médico para te tratar.
John fez um gesto de aborrecimento.
—É muito aborrecido. O mal das mulheres é que basta dar-se-lhes um pouco de confiança, para que se julguem logo com o direito de nos organizar a vida.
Russ murmurou:
—A mim não sucedem essas coisas. De maneira geral, elas não se preocupam comigo. És uma pessoa com sorte em questões de saias. Apaixonam-se por ti como umas estúpidas.
John tinha a testa franzida.
—Russ, tu és de Dodge; com certeza que sabes quem era a rapariga que disparou contra mim.
—Claro que sei. Mas o que não compreendo é tu dizeres que não a conheces. Uma mulher não costuma disparar contra um homem que nunca viu.
--É possível que não seja costume, mas a verdade é que esta o fez. Diz-me quem é.
—Só sei que se chama Deborah e que é neta do velho Wood. Vivem num pequeno rancho a umas milhas de Dodge, numa dessas cabanas com um pouco de terreno que dá o necessário para viver. É uma rapariga um pouco estranha que perdeu os pais quando era pequena. Vem poucas vezes à cidade e quase não fala a ninguém. Creio que nunca falei com ela.
—Que queres dizer com... um pouco estranha?




Russ fez um gesto eloquente.
— Já sabes: arisca, não tem amigos...
Sacudiu a cabeça e acrescentou:
—Mas não compreendo por que te deu um tiro se não te conhece. Que eu saiba, é a primeira vez que dispara contra alguém.
John permanecia deitado na cama, com os olhos cravados no tecto.
—Encarrego-me de esclarecer esse assunto. —Russ, enrola-me um cigarro.
—Não acho que o Dr. Watts...
—Que o Dr. Watts vá para o inferno! Preciso de fumar.
Russ apressou-se a enrolar um cigarro e a entregá-lo ao rapaz, que se pôs a fumar com deleite. Durante alguns instantes, os dois homens ficaram calados. De repente Russ murmurou:
— John, quando te puseste de pé e apontaste com o revólver para a rapariga, julguei que ias disparar. Por que não o fizeste?
O jovem exalou uma espessa baforada de fumo.
— Não sei, Russ — disse em voz baixa. — Ela tinha disparado à traição, e eu estava no meu direito. Mas, não pude disparar e a verdade é que desconheço o motivo. E tu, Russ?
O companheiro encolheu os ombros.
— Também não pude disparar. Quando, por cima do teu ombro vi que ela apontava o revólver e fazia fogo, o meu primeiro impulso foi puxar da arma e acertar-lhe com um tiro. No entanto não o fiz. Foi como se uma força superior mo impedisse.
— Talvez se não fosse tão bonita... — aventurou John.
Russ concordou:
— Talvez.
A porta do quarto abriu-se naquele momento e entrou o Dr. Watts na companhia de Carol. Era um homem pequeno, de cabelos brancos, que fez um gesto de aborrecimento ao ver o jovem com um cigarro na mão.
—Não deve fumar, ouve-me bem? Não deve. Por isso deite fora esse cigarro...
— Olhe, doutor — murmurou John com uma calma ameaçadora. — O seu dever é curar-me, não é verdade? Até aí está hem. Mas não lhe passe pela cabeça meter-se com os meus hábitos. Eu faço o que me apetece. Falei com suficiente clareza?
Watts vacilou e, visivelmente contrariado, começou a examinar o jovem. Quando acabou, John perguntou:
—Então, como me encontra?
O médico coçou a cabeça.
— Pela ferida que sofreu, devia estar morto nesta altura. Mas não há dúvida que você é forte como um búfalo. Contra tudo o que era de prever, está a recompor-se rapidamente. Enfim, como médico não o posso explicar, só posso dizer que está melhor. Para ser sincero considerava-o um caso perdido. A ciência enganou-se no seu caso.
—E quando posso levantar-me?
—Não vá tão depressa. Ainda tem de estar deitado durante alguns dias.
Guardou as suas coisas na mala e acrescentou:
—Direi ao xerife que já pode vir vê-lo.
O jovem deu um salto.
— Por que razão tem que cá vir o xerife?
— Creio que quer fazer-lhe umas perguntas — ripostou Watts. — Está há dois dias à espera.
— Dois dias? — repetiu John surpreendido.
Carol assentiu:
— Sim, John, estiveste inconsciente durante dois dias.
Naquela tarde apareceu o xerife no quarto de Jonh. Era um homem de cerca de cinquenta anos, gordo e com ar cansado. Parecia um indivíduo de temperamento passivo, sem querer complicações e que conhecia bem o tipo de cidade em que era o representante da Lei. Talvez fosse até devido à sua tendência de não querer comprometer-se o facto de conservar o seu posto há já bastante anos.
— Bem, Lee, você é um forasteiro em Dodge e ainda não conhece como é aqui a Lei — começou a dizer. — Não gostamos de nos meter na vida dos outros, mas também temos por costume saber o imprescindível. Ao fim e ao cabo você foi ferido em plena rua.
— Acho que o que menos interessa é o lugar onde se foi ferido! —replicou John com ironia.
—Não há dúvida que é uma vantagem você não ter morrido — continuou o xerife, com tacto. — Por outro lado, no momento em que se deu a agressão, passavam poucas pessoas que, ao que parece, se encontravam muito longe. Todas, no entanto, declararam que o seu... digamos adversário, era uma mulher, mas não foram capazes de identificá-la. Para isso só posso contar com o seu testemunho e claro está, com o de Linley. Se quiser dar-me o nome...
John olhou o xerife com um sorriso irónico. Tinha imediatamente compreendido o seu jogo.
— Olhe, Buttons, eu sempre tive um lema. na vida: resolve os teus próprios assuntos sem incomodar os outros. E nesta questão penso proceder da mesma maneira.
Buttons sorriu satisfeito.
— Compreendo, não tem nenhuma acusação a fazer.
— Exato.
O xerife pôs-se de pé.
—Bem, Lee, pelo menos nisto, -você mostra ser um homem com juízo. O seu lema assim o indica. Arquivarei o assunto dizendo que se trata de um caso de agressor não identificado. Parece-lhe bem?
—Diga o que quiser.
 Buttons adotou uma atitude digna.
—De qualquer maneira, você já sabe que se alguma vez precisar de mim, não deve vacilar em chamar-me. A Lei é a Lei.
Quando ficou só, John não pôde evitar de sorrir de troça, ao pensar no xerife. Era uma pessoa como já conhecera muitas. Homens a quem se lhes dava o cargo de representantes da Lei numa cidade violenta e que se esforçam em conservá-lo, mas de maneira a não se comprometer e de não
— IS
criar inimigos, especialmente com aqueles que gozavam fama de ser rápidos no manejo do revólver, enfim, a sua autoridade, para encobrir as aparências, caía de vez em quando sobre algum pobre desgraçado que cometesse um delito e não representasse um perigo autêntico.
Só os que procediam assim tinham a certeza de viver muitos anos. Os outros, os poucos que levavam o seu cargo a sério, costumavam morrer cedo, com uma bala, a menos que se tratassem dê seres excecionais, que conseguissem impor-se pela força. Mas Buttons não era deste género.
John já estava há uma semana em Dodge City, uma semana durante a qual não tinha feito outra coisa senão embebedar-se e armar escândalos. Sabia que as pessoas o temiam, em parte pela fama que o precedera e em parte, também, porque sete dias lhe tinham bastado para liquidar num duelo um dos bandidos mais perigosos da cidade e ferir gravemente outros dois, sem contar com as lutas corpo-a-corpo em que tomara parte.
No saloon temiam-no e odiavam-no, tinha a certeza! Eram demasiados os escândalos que organizara— escândalos com os quais tinha feito muitos destroços. Parecia ser esta a sua sina: destruir tudo por onde passava e despertar o ódio das pessoas. Nem sequer estava certo do amor de Carol.
Sabia que a bailarina sentia uma grande atração por ele, tinha-o demonstrado em diversas ocasiões. Mas estava convencido de que, na espécie de fascinação que exercia sobre ela, havia um fundo de rancor, um poço de ódio irreconciliável como o que se experimenta por uma pessoa que exerce sobre nós uma influência que nos escraviza.
Só confiava em Russ, apesar de o conhecer há muito pouco tempo. Encontraram-se no mesmo dia em que chegou a Dodge. Russ estava sentado no passeio, a matar o tempo, quando John lhe perguntou onde ficava o saloon. O homem olhou-o um momento e, de repente, pôs-se em pé e disse-lhe que ia indicar o caminho.
—Também não tenho nada que fazer—acrescentou.
Enquanto caminhavam pela rua, Russ disse-lhe como se chamava e ao dizer-lhe John o seu nome, parou surpreendido e olhou-o com os olhos muito abertos.
—John Lee? O "Verdadeiro” John Lee?
A partir daquele momento convertera-se na sua sombra, numa espécie de servidor que, em troca, só pedia que o deixassem ir ao lado do homem famoso.
Russ era um desgraçado, um pobre indivíduo que precisava de viver' à sombra de algu6n com categoria. E naqueles tempos ninguém era mais admirado e temido do que um pistoleiro. Não deixava John um só momento, por quem sentia unia autêntica veneração. De vontade própria fez-se o seu auxiliar e, com orgulho, dizia que era «o sócio de Dee»; isto parecia fazê-lo feliz, e, John compreendeu que naquela hora tinha encontrado um caso de fidelidade a toda a prova.
Agora, deitado na cama, podia ver, pendurada nas costas duma cadeira, o seu cinturão com o revólver. O seu revólver...
Em dez anos já disparara muitas vezes. E nunca ninguém o tinha conseguido vencer quando o empunhava; ninguém tinha sequer conseguido feri-lo. Tinha de ser, uma belíssima desconhecida, atacando-o à traição...

Sem comentários:

Enviar um comentário