domingo, 11 de junho de 2017

PAS761. O sacrifício de Caroina

Os homens de «A Encantada», tinham colocado grinaldas de flores e lanternas japonesas no alpendre da casa. Aqueles homens, que na sua maior parte conheciam Jarvis Hamilton desde criança, adoravam o seu chefe e estavam muito contentes com a sua felicidade.
— Viram-no esta manhã? Parece outro, sorri como não o víamos sorrir desde a morte de Stuart F. Jones. A pequena é muito linda e parece boa. Oxalá o patrão tenha sorte com ela.
— Sim, oxalá. Mas eu não me fio nas mulheres. O meu pai dizia sempre que a melhor companhia é a de um homem só, e isso se se entende bem consigo mesmo...
Preparou-se tudo para a cerimónia no vestíbulo da casa. Ao fundo, colocou-se o pastor, com as principais personagens. A gente do rancho enchia tudo o resto e alguns ficaram fora, a assistir através da porta aberta.
Jarvis Hamilton tinha a seu lado Margie, que estava impante de formosura. Todos os presentes olhavam a linda noiva e, claro, ninguém reparava em Louis Farrell, que ficara junto da entrada, encostado à ombreira.
— Silêncio — gritou o xerife, convidado para a cerimónia. — Se não se calam, não se poderá escutar nada e muito menos o «sim» da noiva.
Houve risos e, pouco a pouco, foi-se estabelecendo o silêncio. O pastor decidiu-se a começar, para o que abriu o seu livro. Margie deitou uma olhadela a Farrell, que assentiu, sorrindo ao de leve. Ninguém deu por isso, exceto Carolina. A mais nova das irmãs Donovan empalideceu, ao ver Farrell retroceder, afastando as pessoas que estavam atrás dele, até ficar sem ninguém que o separasse do cavalo, que esperava, selado, junto da escadaria.
— Não — murmurou a rapariga.
Louis Farrell tinha o rosto crispado e mostrava os dentes numa careta que o assemelhava a um lobo. Ouvia os risos nervosos de Margie e as palavras monótonas do pastor. Ela só via Farrell, como se os outros tivessem desaparecido, todos, exceto Farrell e Hamilton, que sorria, muito senhor de si mesmo, muito elegante.
Louis Farrell meteu a mão direita debaixo da sobrecasaca. Antes de continuar, virou a cabeça, para ter a certeza de que o cavalo estava pronto para a fuga.
«Desta vez, Jarvis Hamilton descuidou-se», pensou. «Até retirou os guardas dos limites do rancho. Desta vez acabou-se, Hamilton».
Lentamente, tirou a navalha. Tinha Hamilton diante dele. O pastor estava defronte de Margie, mas ninguém se interpunha entre Farrell e Hamilton. A gente do rancho aproximara-se mais dos noivos e, para não pisarem a carpete do centro, tinham deixado um espaço livre à volta dela. Assim, Louis Farrell encontrou mais facilidades do que esperava.
— Menina, repita as minhas palavras — pedia o pastor, naquele momento.
Farrell tirou a mão com rapidez e segurou a navalha
pela ponta da lâmina. Era um excelente atirador de navalha, que lhe inspirava mais confiança do que o revólver, àquela distância.
Ergueu-se um pouco ao lançar a navalha, para lhe dar maior impulso. Carolina Donovan não deixara de o observar. Soltou um grito instintivo:
— Senhor Hamilton!
A rapariga afastou Leonora e correu para Jarvis Hamilton. Abriu os braços, como para o proteger, no momento em que a navalha ia ferir Hamilton. O dono de «A Encantada» viu o rosto da jovem muito perto do seu, teve de a segurar para que não caísse e então reparou no cabo da navalha, cravada nas costas de Carolina.
O xerife murmurou qualquer coisa, mas perdeu muito tempo. Parecia que o espanto o imobilizara. Jarvis Hamilton, olhando por cima da cabeça de Carolina, viu Louis Farrell e leu a verdade no seu olhar espantado. O homem que atirara a navalha retrocedeu dois passos e o sol do pátio envolveu-o.
— Meu Deus! = dizia Leonora. — Mataram a Carolina!
Jarvis Hamilton deixou-a nos braços de Leonora e correu por entre as duas fileiras de homens, que o fitavam espantados.
Louis Farrell já estava junto do cavalo. Raivoso por ter falhado, tirou o revólver da algibeira e disparou contra a porta pela qual Jarvis acabava de sair. O rancheiro não tinha armas, pois não havia lugar para elas, no seu casamento.
— Farrell! — gritou. — Não conseguirás fugir!
— Procura deter-me, se podes! — replicou Farrell, disparando de novo.
Jarvis Hamilton desviou-se para um lado e protegeu-se com a ombreira da porta. Estendeu o braço direito e tateou a parede, até encontrar a carabina que habitualmente ali estava pendurada. Louis Farrell já se encontrava a cavalo e segurava as rédeas. Naquele momento, Hamilton saiu para o alpendre. O ruído dos seus passos advertiu Farrell, que se virou e levantou de novo o revólver.
Desta vez, porém, não foi a sua pequena arma que disparou, mas sim a carabina de Jarvis Hamilton. A queda de Farrell do cavalo coincidiu com o aparecimento do xerife e de um grupo de homens do rancho, que por fim tinham conseguido reagir. O xerife disse:
— Já vejo que não sou preciso, Jarvis. Nunca imaginei que Farrell fosse teu inimigo, rapaz. Nunca imaginei...
— Nem eu. Nem o acredito agora. Era outro pistoleiro mais a soldo de alguém, Terry.
O xerife pestanejou e olhou de soslaio para Hamilton.
— Achas? possível que seja assim, mas parece-me que já nada nos poderá contar de interesse. Tens demasiado boa pontaria, Hamilton. Nunca podemos interrogar nenhum dos tipos que tentaram assassinar-te.
—O que é uma sorte para quem os manda. Mas é o mesmo; mais cedo ou mais tarde saberemos quem é.
O xerife Terry assentiu e aproximou-se de Farrell, para verificar que estava morto. Jarvis Hamilton entrou em casa. No extremo oposto do vestíbulo, um grupo de pessoas rodeava Carolina Donovan, que estava caída no solo. Leonora arrancara-lhe a navalha e procurava conter o sangue que brotava da ferida.
— Vive? preguntou Hamilton.
— Sim, vive respondeu Leonora —, mas não sabemos por quanto tempo. Salvou-lhe a vida, Jarvis.
Margie dizia, enquanto arranjava o penteado:
— Foi horrível! Que aconteceu a esse pobre Farrell?
— Está morto — respondeu Hamilton.
— Pediu-nos que o trouxéssemos, Jarvis, disse-nos que tinha muito interesse em assistir ao casamento. Nós mal o conhecíamos. Quem havia de pensar que era um assassino! Não supões que conhecíamos as suas intenções, não é verdade, Jarvis?
Jarvis Hamilton não sorria agora a Margie. Parecia que a esquecera um pouco. Continuava a olhar o rosto pálido de Carolina, a recordar como ela se interpusera no caminho da navalha destinada ao seu coração.
— Claro que não suponho isso. Farrell enganou-nos a todos, mais nada. Temos de levar Carolina ao médico, quanto antes. Preparem um carro e ponham um colchão nele! — ordenou ao capataz. — Creio que é melhor adiar o casamento por ora, pastor.
— Sim, filho, é lógico. Eu acompanhá-la-ei no carro. Foi uma tragédia absurda.
O xerife Terry estava de novo ali e aventurou uma opinião:
— Farrell visitava muito estas meninas, Jarvis. possível que estivesse apaixonado por Margie. Talvez por isso tenha vindo ao casamento, para o impedir.
Margie abriu muito os olhos. Embora soubesse perfeitamente que não era esse o caso, que Farrell era um assassino frio e que jamais lhe prestara grande atenção, deixou-se enganar, porque isso satisfazia a sua tremenda vaidade.
— Que romântico! É muito possível, sim. Agora me lembro que o pobre empalidecia quando eu o olhava! —disse, entusiasmada.
Jarvis Hamilton estava a levantar o corpo de Carolina. Ela abriu os olhos e sorriu palidamente. Pesava muito pouco e Jarvis Hamilton surpreendeu-se com isso. Levava-a para fora, porque o carro estava pronto. Jarvis depositou-a no colchão com o maior cuidado. As irmãs de Carolina instalaram-se a seu lado.
— Eu mesmo conduzirei — disse Jarvis.
O velho capataz olhou para uns quantos dos seus homens e estes apressaram-se a trazer os cavalos e a procurar as armas, que colocaram por cima das roupas domingueiras, que vestiam. O capataz disse ao xerife:
— Vamos com o patrão e com essa pobre criança, porque não acredito que tenha sido um caso de ciúmes. Farrell era o homem mais frio que jamais conheci. Foi outra tentativa falhada de assassinar Jarvis.
O xerife murmurou:
— Sim, olhem por ele, rapazes. Não há dúvida que tem algum inimigo. Olha que tentar matá-lo no dia do seu casamento!...
— Não é de esperar correção num assassino — resmungou o capataz. — Que dia de festal...
Jarvis já pusera o veículo em andamento. Os homens do rancho depressa o alcançaram. O xerife Terry ia muito pensativo, demasiado pensativo.

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