Louise estava só, novamente, no aposento. O seu espírito ainda conservava a imagem de Kelly. Sem querer, olhou para o chão e viu a carta. Levantou-se, apanhou-a, e leu-a. Dizia assim:
«Minha querida: Peço-te que recebas bem o portador desta, Sr. Zark Kelly, pessoa que consegui interessar nos negócios do nosso rancho, e está disposto a emprestar-nos todo o dinheiro que precisarmos para realizarmos… os teus projetos. Como o assunto é mais teu do que meu, depende da tua conduta perante ele, da forma como o cativares com a tranquilidade do rancho (que é prova evidente de trabalho atilado e seguro, e portanto merecedor de crédito), o conseguirmos o que pretendemos. Agora, vê lá, minha cabecinha louca, se cometes alguma das tuas brincadeiras, e estragas todo o trabalho que tive em convencê-lo. Do teu pai amigo,
TOM»
Louise ficou pregada à cadeira. Sentiu que o mundo parava e tudo ruía à sua volta. Então, aquele homem... veio para dar-lhe dinheiro... para ela realizar os seus velhos sonhos... e ela não só o recebeu a pontapés, como quis pô-lo na rua, e alvejá-lo...
Santo Deus! Como fora estúpida!
Se tivesse lido a carta antes... Agora estava tudo perdido! Lá se iam os novos estábulos, as novas cercas, as dez mil cabeças de gado, a abertura do poço da água, e a construção de uma nova casa--habitação...
Louise deixou cair a cabeça sobre os joelhos e começou a chorar...
O desabafo custou-lhe duas horas. Só depois acalmou e coordenou ideias. E resolveu o assunto de uma maneira que ela julgou inteligente — a única maneira que havia sem humilhar-se. Era vender ao nova-iorquino o título de propriedade do rancho, e deixá-lo fazer aquilo, que ela gostaria de ter feito... mas não conseguira. De outra forma, era condenar as terras a uma esterilidade criminosa, e roubar-lhe possibilidades que podiam e deviam ser exploradas.
Correu ao cofre, agarrou nos documentos respetivos, foi buscar o cavalo, saltou-lhe para a sela, e dirigiu-se para o centro da cidade. Pouco depois, chegava ao «saloon». Chamou um dos «cow-boys», que estavam encostados à porta e pediu-lhe para chamar Zark Kelly. Passados cinco minutos aparecia o nova-iorquino nos umbrais. Sorriu ao ver a rapariga, e devagar dirigiu-se ao seu encontro. A primeira que reparou foi que Louise não trazia cinturão nem armas. Acentuou mais o sorriso e exclamou:
— Vejo que depressa se arrependeu de ser uma menina malcriada! Ainda bem! Estou mesmo convencido, que no fundo, você é boa rapariga e há-de acabar por descascar cebolas, cozer batatas e fazer pão, como toda a mulher que se preza!
A jovem não recebeu estas palavras com calma. Sentiu que o sangue fugiu do corpo e foi refugiar-se na cabeça. Estremeceu, enquanto fechava as mãos e cravava as unhas nas luvas, copa desespero.
— Oiça, não vim aqui para conversar nem para ouvir insolências!
— Insolências? — interrompeu Kelly. — Viva! Bonita palavra! Vejo que está a civilizar-se! De passagem, digo-lhe, que já não é sem tempo. Os anos passam-se e a Louise será uma velhota, como acontece a todos. Embora, acrescentemos, o seu caso seja levemente diferente: será, de facto, uma velhota... mas simpática e rabugenta.
Um calor forte inundou a rapariga — o calor da humilhação. Disposta a terminar com o encontro, receosa de não fazer o que determinara não respondeu diretamente às frases de Zark e entrou no assunto.
— Soube pela carta do meu pai que o senhor estava disposto a emprestar-nos dinheiro para reconstruirmos o rancho o aproveitá-lo em todas as suas possibilidades. Com certeza, agora, com a sua sensibilidade de homem da cidade e dos salões — Louise não conseguiu evitar a ferroada: era superior às suas forças. — e depois do acolhimento que teve, já mudou de ideias. Se fosse outro caso, não me interessava; como, porém, é o rancho que está em jogo, resolvi o seguinte: entrego-lhe a propriedade, obrigando-se o senhor a transformá-la com todos os melhoramentos que eu indicar. Em contrapartida, dá-nos dez por cento sobre as receitas brutas, isto enquanto o seu capital não estiver recebido, com os juros que julgarmos justos. Depois, o rancho volta para as nossas mãos.
— E a Louise fica?
— Eu... vou para Nova Iorque, fazer companhia ao meu pai.
Zark Kelly deu uma gargalhada.
— A Louise não passa de uma criança! Não digo que as condições não sejam ótimas para mim... Mas, quanto a si, julga que alguma vez seria bem recebida em Nova Iorque? As mulheres, por lá, pensam mais em vestidos, em reuniões, no lar, no marido, nos filhos, no amor... e menos em cavalos, pistolas, pastos e construções. Logo que a vissem julgavam-na louca e mandavam-na fechar à chave, como perigosa, com três guardas à porta. Pobre «mr.» Kenneth! Teria de sofrer esta grande vergonha...
A cólera atingiu o rubro. Louise descontrolou-se e perdeu todo o senso de prudência. A fungar de raiva, baixou-se no cavalo, e pregou uma sonora, bofetada na cara de Zark Kelly. Este perdeu o sorriso, fez-se sério e os olhos adquiriram um brilho duro. Louise assustou-se e obrigou a montada a recuar... Sem saber porquê, teve a sensação de que o nova-iorquino ia cumprir a sua anterior ameaça de lhe dar um par de açoites... Esta ideia fê-la corar e olhar à sua volta. Muitos «cow-boys» tinham-se aproximado para assistir ao desenrolar da cena e esperavam a reação de Kelly. Pela primeira vez, a jovem sentiu medo e compreendeu que o homem que estava na sua frente era diferente dos outros. Então, não viu outra solução para o caso, do que obrigar o cavalo a dar meia-volta e lançar-se a galope, numa fuga desesperada. Louise só respirou quando saiu do centro da cidade, e perdeu de vista o «saloon». Mal sabia ela, no entanto, que Zark Kelly já vinha na sua peugada...
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