— Por quem pergunta, senhor?
Dolan olhou fixamente o homem que apareceu na enorme porta dos grandes estábulos imediatos ao grande edifício de ladrilhos rotulado com o nome de Sidney Crooks; entretanto, continuava o descarregar de selas de montar flamantes e trabalhadas, e a passagem de cavalos de magnífica estampa.
— Pelo patrão do negócio — disse, lentamente, — Sidney Crooks.
— Lamento, senhor, mas o senhor Crooks não pode receber ninguém agora — replicou o empregado, deixando de atender a descarga de vários carros de mato parados em frente do edifício. — Acaba de chegar de uma grande viagem de negócios, e está muito fatigado.
— Diga-lhe que quem o quer ver traz uma mensagem do seu irmão Albert, morto em Fort Copper. Fui a última pessoa que o viu, antes que os soldados o matassem. Talvez isso o convença.
O homem mudou de expressão. Examinou com profundo interesse o visitante, erguido na sua frente, para o que percorreu a sua figura dos pés à cabeça.
— Aguarde um momento — disse, por fim, dispondo-se a entrar. — Avisá-lo-ei. Possivelmente conceder-lhe-á alguns minutos. O seu nome por favor?
— Shady — sorriu com suavidade Dolan. — Shady Carter. Ele não me conhece.
Ficou só junto à porta, contemplando com curiosidade os descarregadores de selas. Aproximou-se de uma das pilhas, e roçou com a ponta dos seus dedos o couro trabalhado e ornamentado a ouro e prata, segundo a melhor escola mexicana.
— Bom material — comentou, um dos operários.
— Procurava-me, senhor Carter?
Uma voz rouca, nas suas costas, teve a virtude de o sobressaltar. Deu uma volta sobre si próprio, encontrando-se de frente com duas pessoas. Por momentos teve a fantástica impressão de que Douglas Lyman e Albert Crooks tinham ressuscitado, de tal modo era a parecença de ambos os personagens com os aventureiros mortos em Fort Copper.
Quem falava era o homem. Uma imagem viva de Albert Crooks, o espia sulista, somente que este tinha o cabelo grisalho e mais abundante, um rosto mais envelhecido e pálido, e uns olhos pequenos e frios, nada amigáveis. Também era mais forte e mais alto. Mas as feições e o timbre de voz, recordavam imenso o assassinado.
Junto a ele, uma formosa mulher, loira, delicada e juvenil, a quem o luto assentava bem, exceto na enorme tristeza que tinha estampada no rosto, parecia a viva imagem de Lyman,
tal como era antes de ser enforcado.
— Alice... murmurou Dolan, como que em sonho. — Alice Lyman...
— Sim — disse ela surpreendida. Imediatamente, algo animou os seus olhos claros e um ligeiro tom rosado apareceu nas suas faces. — Sim, sou Alice! Então... você viu também... o... o...?
— Calma, minha querida Alice — cortou com uma certa secura o irmão de Albert Crooks. Os seus olhos tinham alguma coisa de malévolos ao voltar-se para Dolan. — Este cavalheiro perguntou somente por mim. É verdade que você viu o meu irmão antes de... daquilo?
— Sim. E também vi Douglas Lyman...
A rapariga soltou um pequeno grito. Rápido. Crooks olhou em volta, e observou nervosamente:
— Dado o caminho que os acontecimentos levaram, é melhor entrarmos... Passe, por favor, senhor Carter.
Entraram em casa. Era uma magnífica construção que recordava as vivendas dos pesquisadores de oiro enriquecidos ou dos milionários do longínquo Oeste. Dolan observou tudo isto sem deixar de olhar para Alice Lyman. Ela, rapidamente, colocou-se a seu lado e perguntou-lhe:
— O meu irmão... Que me pode dizer acerca dele? Foi um louco tão grande, Deus meu...
— Os loucos como ele, merecem respeito e honras ao morrer, porque defendem uma causa com valor e sacrifício. Portou-se como um homem, um grande homem, Alice...
— Obrigada, senhor — disse a jovem com os olhos rasos de lágrimas. — Ainda bem que assim foi.
— Asneiras — rosnou Sidney Crooks. Todos sabemos que era um louco tão grande como o meu irmão Albert. Quem os mandava defender uma causa perdida? Você também é confederado, senhor Carter?
Poderia sê-lo — sorriu ele. — É algo que resultaria imprudente dizer em Coffeyville.
— E sobretudo em minha casa — rematou Crooks. Odeio o Sul e os seus estúpidos idealistas. Perdoa Alice, que fale tão cruamente. Sabes que te quero como a uma filha. Eu não sou como Albert, que se enfurecia contigo quando lhe pedias que fosse mais sensato. Eu compreendi-te sempre, pequena, e sempre disse que és maravilhosa. Segura, inteligente, dona de ti mesma... Se todos fossem como tu o Sul não teria perdido.
— Ainda não perdeu — recordou-lhe Dolan, sentindo-se absolutamente deslocado como se estivesse vivendo no passado por um momento. Voltou à realidade e acrescentou: — Não perdeu, porque os seus homens são como Albert Crooks, Lyman e Mason.
— Obrigado, senhor Carter — agradeceu-lhe Alice. — O senhor é muito gentil.
— Sou sincero. Você, senhor Crooks, é nortista fanático, eu sei. Mas pondo de parte as suas ideias, imagino que sempre chegou a sentir pena pela morte de seu irmão.
— De certo modo, sim — confessou com um cinismo áspero o mais velho dos Crooks. — Soube-o quando estava em Tulsa e emocionou-me saber que Albert tinha caído sob as balas da União, apesar da sua fuga espetacular.
— Não caiu sob as balas da União. Nem Lyman, nem Mason tão pouco.
— Como? — Crooks franziu as sobrancelhas. — Quer dizer que morreu doutro modo? Os jornais do Norte e do Sul coincidem ao informar que...
— Notícias sem fundamento, senhor Crooks. Eu sei que não foi assim. E procuro os assassinos do seu irmão, de Lyman e de Mason.
— Os assassinos? Que assassinos? ~
— Homens que não eram de um lado nem doutro. Assassinos vulgares.
— E se fosse assim, por que procurá-los? — argumentou o comerciante.
— Não sei.— Shady encolheu os ombros. — Talvez sentimentalismo... talvez porque eram bons rapazes e alguém se aproveitou da sua credulidade e boa fé para lucrar. São... cem milhões, senhor Crooks, que estão em jogo.
— Cem milhões? — pareceu assombrado, olhando como se estivesse louco. — Não o entendo...
— Tanto faz. Que pode dizer-me a respeito de um homem chamado Burns, que trabalhou consigo?
— Burns? Aquela boa peça do Burns, a quem pus fora por ser ladrão? — Crooks levantou as sobrancelhas perplexo. — Claro que me lembro, mas não lhe posso dizer muito. Porque pergunta isso?
— Estava entre os assassinos. Dirigia um grupo.
Alice Lyman gemeu, soltando um soluço, e Dolan olhou-a com pena.
— Sinto muito. Tudo isto é cruel, mas também o faço por si. Eu... tenho uma coisa de Lyman, uma coisa que recolhi do seu bolso, depois de morto, e que trouxe para lhe entregar.
— Você — Alice, pálida, retrucou. — Você viu... já morto?
— Sim. Não foi agradável — extraiu o pequeno livro de missa com a carta dentro. Estendeu-lhe em silêncio. Shady acrescentou com voz rouca: — Quando tirei isto das suas roupas, ignorava que tinha sido um assassinato a sangue-frio e não o resultado duma luta com o inimigo. Mas quando o descobri jurei que não descansaria até vingar aquele rapaz como ele o merece. O que a guerra não foi capaz de o fazer, com toda a sua crueldade, fizeram-no uns cobardes assassinos, dirigidos por um homem sumamente astuto e desapiedado, que conhecia o segredo.
— Que segredo? — inquiriu, curioso, o mais velho dos Crooks.
— Isso que importa? disse Dolan. — Só queria vê-lo, para saber se Burns era um homem inteligente.
— Para roubar, sim era — assegurou Crooks. — Mas mais nada.
— Então, quando ele trabalhava consigo... O seu irmão visitava-o com frequência?
— Vinha às vezes, sim. Tinha chegado pouco antes de Oklahoma, com Lyman e Mason seus companheiros. Lyman o mais louco, convenceu a sua irmã a vir para aqui com ele.
— Fi-lo gostosamente — disse Alice, com voz trémula. — Queria cuidar de Doug o melhor possível, para que não fizesse loucuras. Mas tudo foi inútil. A única coisa boa que encontrei aqui foi a amizade de Sidney. Enquanto que o seu irmão foi sempre arisco comigo, e nos distanciávamo-nos intencionalmente para não haver atritos, com Sidney foi diferente. Muitas vezes foi como um pai para mim, e senti muito a sua ausência nestes últimos meses.
— Dois meses altamente produtivos — riu Crooks. — Centenas de selas, adquiridas em Tulsa, a bom preço. Trabalho mexicano e texano de primeira qualidade. O exército comprar-mas-á pelo menos ao dobro do preço. Valeu a pena essa ausência, pequena.
— Bem, não posso tirar mais nada a limpo, senhor Crooks — disse gravemente Dolan. — Obrigado por tudo, bons dias. Foi um prazer. Menina Lyman, lamento tudo isto, mas foi muito agradável para mim conhecê-la.
— Também para mim, senhor Carter. Que o céu o abençoe e o ajude na sua tarefa.
— Vai-me fazer falta — sorriu Dolan inclinando-se em frente de ambos.
Saiu de novo para o exterior. Continuavam a carregar e a descarregar selas. Sorriu ao homem que as tirava do carro de mato. Suava, apesar do frio e da ameaça cada vez maior de chuva. O céu estava encoberto, cinzento e triste.
— Como anda o Norte, amigo? Tudo bem acima de Coffeyville?
— Um mar de rosas — riu o homenzarrão. — Parece que não há guerra em Wichita e nos seus arredores. Shady Dolan continuou em frente atravessando a rua.
Tudo aconteceu ao mesmo tempo. Pelas suas costas, ouviu a voz de Alice, chamando:
— Senhor Carter, um momento! Vou pelo mesmo caminho, espere-me!...
Ao voltar-se apercebeu-se de tudo. Homens postados nas esquinas dos edifícios, o brilho metálico e frio dos rifles que lhe estavam apontados. O facto de os ter visto, precipitou os acontecimentos, e evitou uma matança à traição de que não teria tido escapatória possível.
— Disparem! — ordenou uma voz rude, dura e autoritária, que Dolan conhecia. O chumbo começou a semear a rua de pequenas colunas de pó, estrondos, fumo e cheiro a pólvora. Simultaneamente, Shady deu um inverosímil salto até um pórtico, sacando o revólver que Mike Dodds o havia induzido a levar antes de sair para ir a casa de Crooks.
Por sua vez Alice Lyman gritou aterrorizada:
— Esconda-se! Senão, atingem-no!
Ao mesmo tempo, Dolan começou a disparar. O comprido cano do seu revólver, lançou um projétil contra a esquina mais próxima, um segundo antes de se esconder atrás de um tonel para recolher água da chuva, que se cobriu imediatamente de buracos, por onde a água começou a correr a jorros.
Ouviu um grito surdo, e um corpo caiu no chão. Viu rebolar uma arma até ao centro da rua. O alto californiano, sorriu com ferocidade, e engatilhou de novo a arma, tornando a disparar sem um momento de pausa. Não atingiu ninguém, e o tiroteio sobre ele aumentou de intensidade.
Rápido, Dolan esperou que diminuíssem os tiros, e correndo velozmente, desapareceu atrás duma esquina. No solo, a terra ferveu entre os seus pés, atingida pelo ricochete duma bala.
Sem se mexer, Dolan levantou a cabeça e a arma. Viu um pistoleiro postado no beiral dum telhado, com um «Colt» nas mãos. Disparou somente uma vez, e um corpo humano perfurado, rodopiou, e caiu com um horrível grito no solo, rolando lugubremente.
Dolan saltou sobre ele, iludindo por milagre os projéteis sibilantes, que choviam à sua volta. Empunhou a arma caída por terra, perto do corpo inerte, com ambos os revólveres nas mãos, girou sobre si próprio, vomitando chumbo sobre a rua onde se achavam os seus inimigos.
Desta vez, Shady Dolan escolheu um assombroso e inesperado alvo: as selas de montar compradas por Sidney Crooks. Na extremidade da rua, apareceram homens a cavalo, empunhando rifles que começaram a esvaziar sobre os emboscados inimigos de Dolan.
À sua frente, cavalgava o próprio Mike Dodds, disparando raivosamente o seu revólver sobre os assassinos. Mas agora Shady Dolan não tinha olhos senão para as artísticas peças de montar, por cujas perfurações das balas, um fino fio dourado se derramava com igual prodigalidade como a água do tonel onde se refugiara Dolan.
As selas de montar estavam vomitando ouro puro!
Dolan olhou fixamente o homem que apareceu na enorme porta dos grandes estábulos imediatos ao grande edifício de ladrilhos rotulado com o nome de Sidney Crooks; entretanto, continuava o descarregar de selas de montar flamantes e trabalhadas, e a passagem de cavalos de magnífica estampa.
— Pelo patrão do negócio — disse, lentamente, — Sidney Crooks.
— Lamento, senhor, mas o senhor Crooks não pode receber ninguém agora — replicou o empregado, deixando de atender a descarga de vários carros de mato parados em frente do edifício. — Acaba de chegar de uma grande viagem de negócios, e está muito fatigado.
— Diga-lhe que quem o quer ver traz uma mensagem do seu irmão Albert, morto em Fort Copper. Fui a última pessoa que o viu, antes que os soldados o matassem. Talvez isso o convença.
O homem mudou de expressão. Examinou com profundo interesse o visitante, erguido na sua frente, para o que percorreu a sua figura dos pés à cabeça.
— Aguarde um momento — disse, por fim, dispondo-se a entrar. — Avisá-lo-ei. Possivelmente conceder-lhe-á alguns minutos. O seu nome por favor?
— Shady — sorriu com suavidade Dolan. — Shady Carter. Ele não me conhece.
Ficou só junto à porta, contemplando com curiosidade os descarregadores de selas. Aproximou-se de uma das pilhas, e roçou com a ponta dos seus dedos o couro trabalhado e ornamentado a ouro e prata, segundo a melhor escola mexicana.
— Bom material — comentou, um dos operários.
— Procurava-me, senhor Carter?
Uma voz rouca, nas suas costas, teve a virtude de o sobressaltar. Deu uma volta sobre si próprio, encontrando-se de frente com duas pessoas. Por momentos teve a fantástica impressão de que Douglas Lyman e Albert Crooks tinham ressuscitado, de tal modo era a parecença de ambos os personagens com os aventureiros mortos em Fort Copper.
Quem falava era o homem. Uma imagem viva de Albert Crooks, o espia sulista, somente que este tinha o cabelo grisalho e mais abundante, um rosto mais envelhecido e pálido, e uns olhos pequenos e frios, nada amigáveis. Também era mais forte e mais alto. Mas as feições e o timbre de voz, recordavam imenso o assassinado.
Junto a ele, uma formosa mulher, loira, delicada e juvenil, a quem o luto assentava bem, exceto na enorme tristeza que tinha estampada no rosto, parecia a viva imagem de Lyman,
tal como era antes de ser enforcado.
— Alice... murmurou Dolan, como que em sonho. — Alice Lyman...
— Sim — disse ela surpreendida. Imediatamente, algo animou os seus olhos claros e um ligeiro tom rosado apareceu nas suas faces. — Sim, sou Alice! Então... você viu também... o... o...?
— Calma, minha querida Alice — cortou com uma certa secura o irmão de Albert Crooks. Os seus olhos tinham alguma coisa de malévolos ao voltar-se para Dolan. — Este cavalheiro perguntou somente por mim. É verdade que você viu o meu irmão antes de... daquilo?
— Sim. E também vi Douglas Lyman...
A rapariga soltou um pequeno grito. Rápido. Crooks olhou em volta, e observou nervosamente:
— Dado o caminho que os acontecimentos levaram, é melhor entrarmos... Passe, por favor, senhor Carter.
Entraram em casa. Era uma magnífica construção que recordava as vivendas dos pesquisadores de oiro enriquecidos ou dos milionários do longínquo Oeste. Dolan observou tudo isto sem deixar de olhar para Alice Lyman. Ela, rapidamente, colocou-se a seu lado e perguntou-lhe:
— O meu irmão... Que me pode dizer acerca dele? Foi um louco tão grande, Deus meu...
— Os loucos como ele, merecem respeito e honras ao morrer, porque defendem uma causa com valor e sacrifício. Portou-se como um homem, um grande homem, Alice...
— Obrigada, senhor — disse a jovem com os olhos rasos de lágrimas. — Ainda bem que assim foi.
— Asneiras — rosnou Sidney Crooks. Todos sabemos que era um louco tão grande como o meu irmão Albert. Quem os mandava defender uma causa perdida? Você também é confederado, senhor Carter?
Poderia sê-lo — sorriu ele. — É algo que resultaria imprudente dizer em Coffeyville.
— E sobretudo em minha casa — rematou Crooks. Odeio o Sul e os seus estúpidos idealistas. Perdoa Alice, que fale tão cruamente. Sabes que te quero como a uma filha. Eu não sou como Albert, que se enfurecia contigo quando lhe pedias que fosse mais sensato. Eu compreendi-te sempre, pequena, e sempre disse que és maravilhosa. Segura, inteligente, dona de ti mesma... Se todos fossem como tu o Sul não teria perdido.
— Ainda não perdeu — recordou-lhe Dolan, sentindo-se absolutamente deslocado como se estivesse vivendo no passado por um momento. Voltou à realidade e acrescentou: — Não perdeu, porque os seus homens são como Albert Crooks, Lyman e Mason.
— Obrigado, senhor Carter — agradeceu-lhe Alice. — O senhor é muito gentil.
— Sou sincero. Você, senhor Crooks, é nortista fanático, eu sei. Mas pondo de parte as suas ideias, imagino que sempre chegou a sentir pena pela morte de seu irmão.
— De certo modo, sim — confessou com um cinismo áspero o mais velho dos Crooks. — Soube-o quando estava em Tulsa e emocionou-me saber que Albert tinha caído sob as balas da União, apesar da sua fuga espetacular.
— Não caiu sob as balas da União. Nem Lyman, nem Mason tão pouco.
— Como? — Crooks franziu as sobrancelhas. — Quer dizer que morreu doutro modo? Os jornais do Norte e do Sul coincidem ao informar que...
— Notícias sem fundamento, senhor Crooks. Eu sei que não foi assim. E procuro os assassinos do seu irmão, de Lyman e de Mason.
— Os assassinos? Que assassinos? ~
— Homens que não eram de um lado nem doutro. Assassinos vulgares.
— E se fosse assim, por que procurá-los? — argumentou o comerciante.
— Não sei.— Shady encolheu os ombros. — Talvez sentimentalismo... talvez porque eram bons rapazes e alguém se aproveitou da sua credulidade e boa fé para lucrar. São... cem milhões, senhor Crooks, que estão em jogo.
— Cem milhões? — pareceu assombrado, olhando como se estivesse louco. — Não o entendo...
— Tanto faz. Que pode dizer-me a respeito de um homem chamado Burns, que trabalhou consigo?
— Burns? Aquela boa peça do Burns, a quem pus fora por ser ladrão? — Crooks levantou as sobrancelhas perplexo. — Claro que me lembro, mas não lhe posso dizer muito. Porque pergunta isso?
— Estava entre os assassinos. Dirigia um grupo.
Alice Lyman gemeu, soltando um soluço, e Dolan olhou-a com pena.
— Sinto muito. Tudo isto é cruel, mas também o faço por si. Eu... tenho uma coisa de Lyman, uma coisa que recolhi do seu bolso, depois de morto, e que trouxe para lhe entregar.
— Você — Alice, pálida, retrucou. — Você viu... já morto?
— Sim. Não foi agradável — extraiu o pequeno livro de missa com a carta dentro. Estendeu-lhe em silêncio. Shady acrescentou com voz rouca: — Quando tirei isto das suas roupas, ignorava que tinha sido um assassinato a sangue-frio e não o resultado duma luta com o inimigo. Mas quando o descobri jurei que não descansaria até vingar aquele rapaz como ele o merece. O que a guerra não foi capaz de o fazer, com toda a sua crueldade, fizeram-no uns cobardes assassinos, dirigidos por um homem sumamente astuto e desapiedado, que conhecia o segredo.
— Que segredo? — inquiriu, curioso, o mais velho dos Crooks.
— Isso que importa? disse Dolan. — Só queria vê-lo, para saber se Burns era um homem inteligente.
— Para roubar, sim era — assegurou Crooks. — Mas mais nada.
— Então, quando ele trabalhava consigo... O seu irmão visitava-o com frequência?
— Vinha às vezes, sim. Tinha chegado pouco antes de Oklahoma, com Lyman e Mason seus companheiros. Lyman o mais louco, convenceu a sua irmã a vir para aqui com ele.
— Fi-lo gostosamente — disse Alice, com voz trémula. — Queria cuidar de Doug o melhor possível, para que não fizesse loucuras. Mas tudo foi inútil. A única coisa boa que encontrei aqui foi a amizade de Sidney. Enquanto que o seu irmão foi sempre arisco comigo, e nos distanciávamo-nos intencionalmente para não haver atritos, com Sidney foi diferente. Muitas vezes foi como um pai para mim, e senti muito a sua ausência nestes últimos meses.
— Dois meses altamente produtivos — riu Crooks. — Centenas de selas, adquiridas em Tulsa, a bom preço. Trabalho mexicano e texano de primeira qualidade. O exército comprar-mas-á pelo menos ao dobro do preço. Valeu a pena essa ausência, pequena.
— Bem, não posso tirar mais nada a limpo, senhor Crooks — disse gravemente Dolan. — Obrigado por tudo, bons dias. Foi um prazer. Menina Lyman, lamento tudo isto, mas foi muito agradável para mim conhecê-la.
— Também para mim, senhor Carter. Que o céu o abençoe e o ajude na sua tarefa.
— Vai-me fazer falta — sorriu Dolan inclinando-se em frente de ambos.
Saiu de novo para o exterior. Continuavam a carregar e a descarregar selas. Sorriu ao homem que as tirava do carro de mato. Suava, apesar do frio e da ameaça cada vez maior de chuva. O céu estava encoberto, cinzento e triste.
— Como anda o Norte, amigo? Tudo bem acima de Coffeyville?
— Um mar de rosas — riu o homenzarrão. — Parece que não há guerra em Wichita e nos seus arredores. Shady Dolan continuou em frente atravessando a rua.
Tudo aconteceu ao mesmo tempo. Pelas suas costas, ouviu a voz de Alice, chamando:
— Senhor Carter, um momento! Vou pelo mesmo caminho, espere-me!...
Ao voltar-se apercebeu-se de tudo. Homens postados nas esquinas dos edifícios, o brilho metálico e frio dos rifles que lhe estavam apontados. O facto de os ter visto, precipitou os acontecimentos, e evitou uma matança à traição de que não teria tido escapatória possível.
— Disparem! — ordenou uma voz rude, dura e autoritária, que Dolan conhecia. O chumbo começou a semear a rua de pequenas colunas de pó, estrondos, fumo e cheiro a pólvora. Simultaneamente, Shady deu um inverosímil salto até um pórtico, sacando o revólver que Mike Dodds o havia induzido a levar antes de sair para ir a casa de Crooks.
Por sua vez Alice Lyman gritou aterrorizada:
— Esconda-se! Senão, atingem-no!
Ao mesmo tempo, Dolan começou a disparar. O comprido cano do seu revólver, lançou um projétil contra a esquina mais próxima, um segundo antes de se esconder atrás de um tonel para recolher água da chuva, que se cobriu imediatamente de buracos, por onde a água começou a correr a jorros.
Ouviu um grito surdo, e um corpo caiu no chão. Viu rebolar uma arma até ao centro da rua. O alto californiano, sorriu com ferocidade, e engatilhou de novo a arma, tornando a disparar sem um momento de pausa. Não atingiu ninguém, e o tiroteio sobre ele aumentou de intensidade.
Rápido, Dolan esperou que diminuíssem os tiros, e correndo velozmente, desapareceu atrás duma esquina. No solo, a terra ferveu entre os seus pés, atingida pelo ricochete duma bala.
Sem se mexer, Dolan levantou a cabeça e a arma. Viu um pistoleiro postado no beiral dum telhado, com um «Colt» nas mãos. Disparou somente uma vez, e um corpo humano perfurado, rodopiou, e caiu com um horrível grito no solo, rolando lugubremente.
Dolan saltou sobre ele, iludindo por milagre os projéteis sibilantes, que choviam à sua volta. Empunhou a arma caída por terra, perto do corpo inerte, com ambos os revólveres nas mãos, girou sobre si próprio, vomitando chumbo sobre a rua onde se achavam os seus inimigos.
Desta vez, Shady Dolan escolheu um assombroso e inesperado alvo: as selas de montar compradas por Sidney Crooks. Na extremidade da rua, apareceram homens a cavalo, empunhando rifles que começaram a esvaziar sobre os emboscados inimigos de Dolan.
À sua frente, cavalgava o próprio Mike Dodds, disparando raivosamente o seu revólver sobre os assassinos. Mas agora Shady Dolan não tinha olhos senão para as artísticas peças de montar, por cujas perfurações das balas, um fino fio dourado se derramava com igual prodigalidade como a água do tonel onde se refugiara Dolan.
As selas de montar estavam vomitando ouro puro!
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