Os três homens olharam-se entre si. Profunda e silenciosamente, como de costume depois de conhecer a terrível sentença. O mais jovem e magro dos três, Douglas Lyman, foi o primeiro a falar:
— Esperar... esperar e esperar, mas, esperar o quê, meu Deus?
Mason e Crooks olharam-no com simpatia, compreensivos. Qualquer deles ultrapassava a idade de Lyman em dez anos. Eram homens duros, experimentados em todos os perigos, veteranos de todos os incidentes da vida. Desta vez terminavam as suas ações com a sentença do implacável Hodgins. Quarenta e oito horas mais tarde, chegaria o fim definitivo e inapelável. Um final sem esperanças, sem nada para confiar, porque a guerra estava longe e o campo de batalha também. E o fim da guerra ainda nem se pressentia. Só uma amnistia, uma rendição de Lee, salvaria as suas vidas. Essa rendição não podia acontecer em dois dias, nem em dois anos. Por isso nada esperavam, não confiavam em nada nem em ninguém.
Durante o julgamento, tinham notado algumas fisionomias comiserativas, quase amigáveis, entre os componentes do tribunal militar. Eram americanos, homens que como eles tinham nascido no império criado por Washington, Reveu e muitos outros. A fria luminosidade dos olhos negros de Hodgins tinha-lhes arrebatado essa última esperança. Em Hodgins não havia compaixão, nem amizade, nem humanidade para compreender as pequenas faltas. Era traição, tinha dito, baseando-se no seu rígido código de leis. E em consequência pronunciara a sentença de morte. Agora esperavam. Como Lyman afirmara, que esperavam? Crooks replicou:
— Doug, não sonhes com impossíveis. Temos que viver de realidades e é melhor morrer com elas, do que esperar algo que nunca virá. Depois do amanhecer de amanhã, nos conduzirão para diante daquela, parede, exatamente essa que vês através da janela. Colocam-nos lá e perguntam se desejamos uma venda. Haverá quem diga sim e quem diga que não. Mas Mason e eu não a aceitaremos. Saberemos morrer encarando os fuzis que nos enviarão para a Eternidade.
— Não me atemoriza a morte, Crooks — a voz do mais jovem dos condenados não tremeu ao replicar. — É esta espera, estas horas sem fim que me trazem o terror ao coração.
— Quando começámos a nossa missão em Kansas, Doug, sabíamos àquilo a que nos expúnhamos. Isto não é um jogo. O facto de termos que enfrentar irmãos de sangue e raça, nada significa, porque nos separa a guerra. A guerra é bárbara, brutal e plena de ódio irreprimível. Os lobos se despedaçam, os tubarões também, quando algum deles cai ferido... Nós não somos muito melhores, Doug. Acreditar no contrário, seria estúpido, falso...
Reinou outra vez o silêncio na cela do fortim. Fora, o dia continuava cinzento, pesado e húmido. Chuviscava novamente. De repente, Mason voltou-se e exclamou asperamente:
— O chefe com certeza que não nos abandona... Tenho a certeza! Ele prometeu ajudar-nos e declarou que nos livraria de qualquer aperto em que nos metêssemos!... Temos de confiar nele e nas suas possibilidades!...
— O chefe é um homem, Ferguson — replicou Crooks suavemente. — E como tal a sua força tem certas limitações. Não deveremos esperar nada, porque ninguém nos poderá salvar nestas circunstâncias.
—Se ao menos soubesse o seu nome, se pudesse dizer onde está... — surgiu Lyman ferozmente. — Não vacilaria em denunciá-lo, que também nos abandonou.
— Doug! — gritou Albert Crooks, pegando-lhe na camisa e atraindo-o para si. — Não sabes o que dizes! Um homem nunca deve fazer isso, nem atraiçoar as suas ideias nem as que representa.
— Deixa-o, Crooks — interveio Mason, sentando-se na tarimba. — De que serve fazer essas ameaças, se ele ignora, como nós, o nome do chefe? Nenhum de nós o poderia denunciar. porque nenhum de nós conhece a sua identidade.
Crooks soltou o seu jovem companheiro. Dirigiu-se para a janela gradeada e esteve observando o pátio do fortim, pensativo e endurecido. Enquanto acompanhava automaticamente„ os passos rítmicos duma das sentinelas, comentou com voz surda e cava:
—Eu... eu sei quem é, Ferguson... e por vezes indago a mim mesmo se vós não chegareis a suspeitar de quem seja...
Mason e Lyman olharam-se com uma expressão onde se refletia a surpresa e a incredulidade, mas Albert Crooks não acrescentou uma única palavra mais.
O comandante Wilkers introduziu o visitante no seu escritório cerrou a porta com cuidado, depois de avisar a sentinela para que se afastasse, mas não demasiado de modo que pudesse impedir a entrada de qualquer intruso. Rodeou a mesa e sentou-se olhando para o visitante com um ar interrogador. Sorriu-se com uma expressão amigável e amistosa.
— Benvindo a Rio Cobre, Dolan — saudou.
Shady Dolan agitou a sua elevada figura atlética, de estreita cintura e largos ombros.
— Obrigado, comandante — respondeu num ar simples. —Como vê, cumpri a minha palavra.
— Sim, «coronel». Segundo me têm informado, você tem sido sempre um homem de palavra — disse com um sorriso afável o chefe do destacamento militar. — Alegro-me que tenha sido você o escolhido.
— Escolhido... para quê?
Os dois homens estudaram-se demoradamente, antes que o comandante Wilkers falasse com voz grave:
— Para encontrar o verdadeiro culpado da traição dos três homens.
Seguiu-se outro silêncio. Um silêncio prolongado, espesso e difícil.
— Três homens? — hesitou Shady Dolan, sem mover o seu corpo da cadeira. — Que homens, comandante?
— Três criminosos. Acusados de alta traição e condenados à morte: Albert Crooks, Ferguson Mason e Douglas Lyman. Foram os três combatentes do Norte, até que se descobriu que eram partidários do Sul, e o juiz Hodgins condenou-os à morte.
— Conheço o juiz Hodgins — disse Dolan secamente. Os seus olhos azuis endureceram-se ligeiramente. — Foi uma sentença justa?
— Costuma-se admitir que os juízes são sempre justos —sorriu o comandante.
— Admite-se e nada mais — confirmou ironicamente o forasteiro. — Mas isso não significa nada. Já comprovei que ele é raramente humano, mesmo fora do tribunal. Não é verdade?
— Sim. Mas a sua sentença é absolutamente legal e impossível de se apelar, devido às circunstâncias atuais, e assim dentro de algumas horas esses três homens terão à frente um pelotão de fuzilamento... se antes não surgir alguma coisa.
— O que entende você por alguma coisa?
— Não sei — o comandante inclinou-se para ele com uma expressão meditativa. — Supúnhamos que um amigo, um aliado, um colaborador lhes facilite a fuga...
— Existe esse amigo, e se existir tem essas possibilidades?
— Estamos supondo que sim, Dolan. É agora que entra você.
—Eu, ainda não compreendo...
— Já vai ver... Repare, Dolan: a sua missão começa exatamente dentro de algumas horas, muito poucas pode ter a certeza. Apenas temos doze horas para tentar. São as que lhe concedo para que consiga...
Continuou falando em tom confidencial e quase inaudível. Shady Dolan que estava compreendendo todas as suas palavras, assentia e acabou sorrindo amplamente, declarando no final da conversa:
— Estou pronto a seguir as suas instruções comandante.
Wilkers concordou sorrindo, olhou com franca admiração para o seu visitante e avisou:
— É meu dever avisá-lo, Dolan, que esta missão implica riscos enormes. É possível que a missão termine bem e que tudo seja um êxito, mas podem suceder coisas imprevistas; nesse caso, nem eu poderei salvá-lo das situações em que cair. Para si isso significaria...
— A morte... — completou suavemente Shady, esboçando um sorriso.
Wilkers ficou calado. Contemplou a expressão tranquila, divertida e jovial do forasteiro californiano. O simples modo como ele tinha acabado a frase iniciada por ele, tinha-o admirado e deixado profundamente espantado.
— Exato — admitiu finalmente. — Mesmo, assim, aceita, Dolan?
Shady não respondeu diretamente a esta pergunta. Pôs-se em pé. Ergueu a sua estatura, cravou os ingénuos olhos azuis no interlocutor e indagou:
— Por onde devo começar, comandante?
O retrato de Ulisses Simpson Grant que ocupava uma posição preponderante no saloon de Fred Mc Allister, era uma soberba reprodução em daguerreotipo. Sem dúvida, Mc Allister era um militarista em potencial, porque havia concedido um lugar de segunda ordem a um outro grande retrato de Lincoln que adornava o lugar e que apenas era visível em alguns lugares do saloon.
—É um pouco barbudo, tão asqueroso e hediondo como todos os seus aliados nortistas—tinha dito aquele alto e amável forasteiro, lançando com o conteúdo do seu copo sobre a grande reprodução de Grant e a bandeira Federal que a guarnecia. — Brindo pela sua derrota diante dos heróis do Sul.
A seguir emborcou com um longo trago, um copo de licor, olhando ainda com modo belicoso e agressivo o retrato do valoroso militar do Norte. A reação foi inevitável. Primeiramente, alguns jovens oficiais uniformizados de azul ergueram-se e fitaram com ódio o autor da imprecação. Depois, começaram a dirigir-se para ele, seguidos por alguns civis de aspeto agressivo; em breve o forasteiro estava completamente rodeado de homens.
— O que disse esse verme estúpido, Mc Allister? — perguntou um jovem tenente, cravando os olhos furiosos no desconhecido.
— Não sei — desculpou-se o aludido. — Isto é com vocês, rapazes... Eu não sou nem do Norte nem do Sul. Respeito ambos e aceito quem for o vencedor. Não tenciono meter-me em brigas.
— Eis um homem inteligente — riu o forasteiro, estudando o taberneiro com um certo interesse. — E, como todos os inteligentes, é cobarde. O que lhe interessa é a sobrevivência e a comodidade. Depois de todas as guerras, o inteligente continua vivendo, e o louco valoroso cedeu o seu sangue em sacrifício do cúmulo dos argumentos que se inventam para justificar um sacrifício inútil.
Um silêncio de morte seguiu-se aos cínicos comentários efetuados pelo forasteiro. Três jovens militares, irritados, olhavam para Shady Dolan.
— Cuidado, forasteiro — advertiu Mc Allister em voz baixa. — Cada um desses homens que o rodeiam já perdeu algum ente querido na guerra. Eles não são loucos, são simplesmente seres sacrificados por uma causa justa...
— Tanto pior para os que morreram, naturalmente — riu Dolan, sarcástico. — No dia em que esta guerra termine, veremos vencedores e vencidos apertar as mãos. Então há-de surgir esta terrível pergunta: mereceu a pena lutar para isto, para haver heróis, vítimas e uma famosa fileira de mártires, valeu a pena? Mas os vivos esquecerão rapidamente essa amarga lição, os mortos continuarão mortos, e se o dia de amanhã trouxer outra guerra, continuarão a cometer-se as mesmas imbecilidades.
— O Norte jamais apertará as mãos do Sul, senhor -- replicou, lívido, um oficial. — E só estaremos satisfeitos quando os mercadores de escravos, os assassinos da liberdade do homem, estejam sob o nosso domínio.
— Já ouvi dizer palavras semelhantes aos Sulistas, oficial — riu Dolan. — Eles afirmam que os escravos estão perfeitamente com eles. Cada um tem as suas razões!
— Senhor, é um cobarde, um traidor e um inimigo de qualquer homem honrado — replicou duramente um dos civis. —Já tivemos demasiada paciência consigo. De modo que... defenda as suas teorias, se puder, com alguma coisa mais que palavras.
Ao mesmo tempo empunhava o revólver. Shady Dolan continuava sorridente, tranquilo, apoiado no balcão com as mãos ligeiramente para trás. Nem sequer parecera mover-se quando o seu revólver, manejado com energia por aquela mão, começou a detonar. Duas detonações. A primeira derrubou o revólver do atrevido inimigo. A segunda foi dirigida especialmente para impedir que o oficial empunhasse o revólver, pois que o seu chapéu era furado por uma bala. O que era mais atemorizante era que aquelas mãos, incrivelmente velozes, continuavam junto do coldre como numa muda advertência.
— Não me agradam alegres defensores das bandeiras — riu Dolan com tom cínico.
Depois levantou o revólver. Disparou pela terceira vez, quando ninguém esperava, e o vidro que cobria o retrato de Grant caiu feito em estilhaços. A bala abriu um buraco na cerrada barba do militar. Antes que alguém pudesse protestar contra aquele acto agressivo, a arma de Dolan voltou à posição horizontal, dominando a situação.
— Nem os barbudos...
Shady contemplou com uma certa tristeza os antagonistas imóveis, rendidos ao seu domínio. Só Deus sabia o que lhe tinha custado aquela farsa, disparar contra amigos, ainda que essa amizade fosse ignorada por todos eles, visto que provinha da sua fé e duma bandeira.
Por vezes era preciso fazer coisas assim. Um homem como ele, que nunca sabia de que lado estava nem para quem combatia, tinha que fazer das tripas coração e fingir actos daqueles, por mais dolorosos e adversos que fossem. Shady desejava que aquele grupo, superior em número e em força, arremetesse desesperadamente contra ele. Teriam vencido, porque ele jamais tentaria ferir ou matar qualquer deles; mas tinham sido cobardes, prudentes ou simplesmente humanos e não atacaram. Se esses eram os defensores do Norte, a guerra estaria perdida, pensou melancolicamente Shady. Felizmente que havia melhores e que não era assim que a guerra se ganhava. Olhou com pesar para o retrato perfurado de Grant.
— Perdoa-me, meu general — balbuciou entre dentes, continuando a observar os petrificados ocupantes do «saloon».
Completou a sua tarefa. Disparou sobre o quadro de Lincoln, que tombou sobre o sobrado, fazendo um barulho infernal. Encarando agressivamente os presentes, declarou:
— Esse é o vosso destino, sonhadores...
Nesse mesmo instante, soou uma voz seca, dura e autoritária junto da porta:
— Forasteiro, considere-se preso em nome da lei militar do Governo Federal!
Voltou-se sem fazer qualquer intenção de empunhar o revólver. Uma patrulha uniformizada de azul, chefiada por um tenente de Fort Cooper, acabava de entrar no «bar». Várias pistolas «Smith & Wesson» apontavam para ele.
A menor intenção de resistência ou oposição ao inimigo, teria significado o desastre, a morte imediata nas mãos daqueles que, ignorando, eram seus amigos...
Shady Dolan ostensivamente riu-se com sarcasmo, lançou o revólver para o chão, com um tal desprezo, que deu três voltas antes de se imobilizar. Olhando Mc Allister, declarou duramente:
— Vês, amigo? Sempre sucede assim. Os porcos, os traidores são os que triunfam, porque as suas forças são superiores e mais poderosas... Adiante, filhos, adiante. Levai-me à presença do nosso querido verdugo, o assassino de americanos que se chama juiz Hodgins. Bem sei o veredicto que esse sapo venenoso vai formular: sentença de morte...
— Sentença de morte...
Foi a inexorável decisão de Archibald Hodgins, depois de ser lida a acusação, formulada a defesa e ouvidos os testemunhos dos presentes no «saloon» de McAllister.
Shady Dolan foi condenado à morte, sem apelação possível. Uma sentença dum tribunal militar, reunido com tal urgência, não era fácil rebater.
O comandante Wilkers escutou, imperturbável, a decisão judicial. A contração dos seus músculos faciais apenas foi visível para o condenado, que nunca desviara o olhar do seu rosto. Dolan sentiu um peso frio, viscoso, apertar-lhe o coração e o cérebro. Era verdade que o único homem em Fort Cooper que conhecia a verdade sobre a sua missão em Rio Cobre, teria vacilado, aparentando um ar de temor e impotência realmente inquietantes? Não, não podia ser. Há vinte e quatro horas exatamente que se tinha desenrolado a entrevista absolutamente confidencial. Se ele fosse fuzilado... um autêntico desastre tombaria sobre os juízes, mas então seria demasiado tarde, porque ninguém lhe poderia devolver a vida, e Hodgins justificar-se-ia, afirmando que ignorava tudo e que se limitara a administrar a justiça.
De repente, notou que o juiz Hodgins estava novamente a falar, enquanto que o seu olhar frio e implacável se fixou nele com toda a intensidade:
—... e tendo em conta a presença nas nossas celas de mais três traidores, disponho que a execução de Shady Dolan se processe ao mesmo tempo, para servir de exemplo a todos os agentes inimigos que se infiltram nas nossas linhas, com intenção de destruir as forças e energias do verdadeiro Governo americano.
Shady sempre tinha achado ridículo esse palavreado grandiloquente, apesar das ideias que Hodgins formulara serem sensivelmente as suas ou talvez um pouco mais extremistas.
No mesmo dia foi conduzido para a cela da morte, onde Crooks, Mason e Lyman esperavam a hora de serem conduzidos para o pátio da prisão. No dia seguinte, de madrugada, quatro homens encarariam a morte. Um deles seria Shady Dolan, aquele alto forasteiro chegado um dia antes a Rio Cobre.
— Esperar... esperar e esperar, mas, esperar o quê, meu Deus?
Mason e Crooks olharam-no com simpatia, compreensivos. Qualquer deles ultrapassava a idade de Lyman em dez anos. Eram homens duros, experimentados em todos os perigos, veteranos de todos os incidentes da vida. Desta vez terminavam as suas ações com a sentença do implacável Hodgins. Quarenta e oito horas mais tarde, chegaria o fim definitivo e inapelável. Um final sem esperanças, sem nada para confiar, porque a guerra estava longe e o campo de batalha também. E o fim da guerra ainda nem se pressentia. Só uma amnistia, uma rendição de Lee, salvaria as suas vidas. Essa rendição não podia acontecer em dois dias, nem em dois anos. Por isso nada esperavam, não confiavam em nada nem em ninguém.
Durante o julgamento, tinham notado algumas fisionomias comiserativas, quase amigáveis, entre os componentes do tribunal militar. Eram americanos, homens que como eles tinham nascido no império criado por Washington, Reveu e muitos outros. A fria luminosidade dos olhos negros de Hodgins tinha-lhes arrebatado essa última esperança. Em Hodgins não havia compaixão, nem amizade, nem humanidade para compreender as pequenas faltas. Era traição, tinha dito, baseando-se no seu rígido código de leis. E em consequência pronunciara a sentença de morte. Agora esperavam. Como Lyman afirmara, que esperavam? Crooks replicou:
— Doug, não sonhes com impossíveis. Temos que viver de realidades e é melhor morrer com elas, do que esperar algo que nunca virá. Depois do amanhecer de amanhã, nos conduzirão para diante daquela, parede, exatamente essa que vês através da janela. Colocam-nos lá e perguntam se desejamos uma venda. Haverá quem diga sim e quem diga que não. Mas Mason e eu não a aceitaremos. Saberemos morrer encarando os fuzis que nos enviarão para a Eternidade.
— Não me atemoriza a morte, Crooks — a voz do mais jovem dos condenados não tremeu ao replicar. — É esta espera, estas horas sem fim que me trazem o terror ao coração.
— Quando começámos a nossa missão em Kansas, Doug, sabíamos àquilo a que nos expúnhamos. Isto não é um jogo. O facto de termos que enfrentar irmãos de sangue e raça, nada significa, porque nos separa a guerra. A guerra é bárbara, brutal e plena de ódio irreprimível. Os lobos se despedaçam, os tubarões também, quando algum deles cai ferido... Nós não somos muito melhores, Doug. Acreditar no contrário, seria estúpido, falso...
Reinou outra vez o silêncio na cela do fortim. Fora, o dia continuava cinzento, pesado e húmido. Chuviscava novamente. De repente, Mason voltou-se e exclamou asperamente:
— O chefe com certeza que não nos abandona... Tenho a certeza! Ele prometeu ajudar-nos e declarou que nos livraria de qualquer aperto em que nos metêssemos!... Temos de confiar nele e nas suas possibilidades!...
— O chefe é um homem, Ferguson — replicou Crooks suavemente. — E como tal a sua força tem certas limitações. Não deveremos esperar nada, porque ninguém nos poderá salvar nestas circunstâncias.
—Se ao menos soubesse o seu nome, se pudesse dizer onde está... — surgiu Lyman ferozmente. — Não vacilaria em denunciá-lo, que também nos abandonou.
— Doug! — gritou Albert Crooks, pegando-lhe na camisa e atraindo-o para si. — Não sabes o que dizes! Um homem nunca deve fazer isso, nem atraiçoar as suas ideias nem as que representa.
— Deixa-o, Crooks — interveio Mason, sentando-se na tarimba. — De que serve fazer essas ameaças, se ele ignora, como nós, o nome do chefe? Nenhum de nós o poderia denunciar. porque nenhum de nós conhece a sua identidade.
Crooks soltou o seu jovem companheiro. Dirigiu-se para a janela gradeada e esteve observando o pátio do fortim, pensativo e endurecido. Enquanto acompanhava automaticamente„ os passos rítmicos duma das sentinelas, comentou com voz surda e cava:
—Eu... eu sei quem é, Ferguson... e por vezes indago a mim mesmo se vós não chegareis a suspeitar de quem seja...
Mason e Lyman olharam-se com uma expressão onde se refletia a surpresa e a incredulidade, mas Albert Crooks não acrescentou uma única palavra mais.
O comandante Wilkers introduziu o visitante no seu escritório cerrou a porta com cuidado, depois de avisar a sentinela para que se afastasse, mas não demasiado de modo que pudesse impedir a entrada de qualquer intruso. Rodeou a mesa e sentou-se olhando para o visitante com um ar interrogador. Sorriu-se com uma expressão amigável e amistosa.
— Benvindo a Rio Cobre, Dolan — saudou.
Shady Dolan agitou a sua elevada figura atlética, de estreita cintura e largos ombros.
— Obrigado, comandante — respondeu num ar simples. —Como vê, cumpri a minha palavra.
— Sim, «coronel». Segundo me têm informado, você tem sido sempre um homem de palavra — disse com um sorriso afável o chefe do destacamento militar. — Alegro-me que tenha sido você o escolhido.
— Escolhido... para quê?
Os dois homens estudaram-se demoradamente, antes que o comandante Wilkers falasse com voz grave:
— Para encontrar o verdadeiro culpado da traição dos três homens.
Seguiu-se outro silêncio. Um silêncio prolongado, espesso e difícil.
— Três homens? — hesitou Shady Dolan, sem mover o seu corpo da cadeira. — Que homens, comandante?
— Três criminosos. Acusados de alta traição e condenados à morte: Albert Crooks, Ferguson Mason e Douglas Lyman. Foram os três combatentes do Norte, até que se descobriu que eram partidários do Sul, e o juiz Hodgins condenou-os à morte.
— Conheço o juiz Hodgins — disse Dolan secamente. Os seus olhos azuis endureceram-se ligeiramente. — Foi uma sentença justa?
— Costuma-se admitir que os juízes são sempre justos —sorriu o comandante.
— Admite-se e nada mais — confirmou ironicamente o forasteiro. — Mas isso não significa nada. Já comprovei que ele é raramente humano, mesmo fora do tribunal. Não é verdade?
— Sim. Mas a sua sentença é absolutamente legal e impossível de se apelar, devido às circunstâncias atuais, e assim dentro de algumas horas esses três homens terão à frente um pelotão de fuzilamento... se antes não surgir alguma coisa.
— O que entende você por alguma coisa?
— Não sei — o comandante inclinou-se para ele com uma expressão meditativa. — Supúnhamos que um amigo, um aliado, um colaborador lhes facilite a fuga...
— Existe esse amigo, e se existir tem essas possibilidades?
— Estamos supondo que sim, Dolan. É agora que entra você.
—Eu, ainda não compreendo...
— Já vai ver... Repare, Dolan: a sua missão começa exatamente dentro de algumas horas, muito poucas pode ter a certeza. Apenas temos doze horas para tentar. São as que lhe concedo para que consiga...
Continuou falando em tom confidencial e quase inaudível. Shady Dolan que estava compreendendo todas as suas palavras, assentia e acabou sorrindo amplamente, declarando no final da conversa:
— Estou pronto a seguir as suas instruções comandante.
Wilkers concordou sorrindo, olhou com franca admiração para o seu visitante e avisou:
— É meu dever avisá-lo, Dolan, que esta missão implica riscos enormes. É possível que a missão termine bem e que tudo seja um êxito, mas podem suceder coisas imprevistas; nesse caso, nem eu poderei salvá-lo das situações em que cair. Para si isso significaria...
— A morte... — completou suavemente Shady, esboçando um sorriso.
Wilkers ficou calado. Contemplou a expressão tranquila, divertida e jovial do forasteiro californiano. O simples modo como ele tinha acabado a frase iniciada por ele, tinha-o admirado e deixado profundamente espantado.
— Exato — admitiu finalmente. — Mesmo, assim, aceita, Dolan?
Shady não respondeu diretamente a esta pergunta. Pôs-se em pé. Ergueu a sua estatura, cravou os ingénuos olhos azuis no interlocutor e indagou:
— Por onde devo começar, comandante?
O retrato de Ulisses Simpson Grant que ocupava uma posição preponderante no saloon de Fred Mc Allister, era uma soberba reprodução em daguerreotipo. Sem dúvida, Mc Allister era um militarista em potencial, porque havia concedido um lugar de segunda ordem a um outro grande retrato de Lincoln que adornava o lugar e que apenas era visível em alguns lugares do saloon.
—É um pouco barbudo, tão asqueroso e hediondo como todos os seus aliados nortistas—tinha dito aquele alto e amável forasteiro, lançando com o conteúdo do seu copo sobre a grande reprodução de Grant e a bandeira Federal que a guarnecia. — Brindo pela sua derrota diante dos heróis do Sul.
A seguir emborcou com um longo trago, um copo de licor, olhando ainda com modo belicoso e agressivo o retrato do valoroso militar do Norte. A reação foi inevitável. Primeiramente, alguns jovens oficiais uniformizados de azul ergueram-se e fitaram com ódio o autor da imprecação. Depois, começaram a dirigir-se para ele, seguidos por alguns civis de aspeto agressivo; em breve o forasteiro estava completamente rodeado de homens.
— O que disse esse verme estúpido, Mc Allister? — perguntou um jovem tenente, cravando os olhos furiosos no desconhecido.
— Não sei — desculpou-se o aludido. — Isto é com vocês, rapazes... Eu não sou nem do Norte nem do Sul. Respeito ambos e aceito quem for o vencedor. Não tenciono meter-me em brigas.
— Eis um homem inteligente — riu o forasteiro, estudando o taberneiro com um certo interesse. — E, como todos os inteligentes, é cobarde. O que lhe interessa é a sobrevivência e a comodidade. Depois de todas as guerras, o inteligente continua vivendo, e o louco valoroso cedeu o seu sangue em sacrifício do cúmulo dos argumentos que se inventam para justificar um sacrifício inútil.
Um silêncio de morte seguiu-se aos cínicos comentários efetuados pelo forasteiro. Três jovens militares, irritados, olhavam para Shady Dolan.
— Cuidado, forasteiro — advertiu Mc Allister em voz baixa. — Cada um desses homens que o rodeiam já perdeu algum ente querido na guerra. Eles não são loucos, são simplesmente seres sacrificados por uma causa justa...
— Tanto pior para os que morreram, naturalmente — riu Dolan, sarcástico. — No dia em que esta guerra termine, veremos vencedores e vencidos apertar as mãos. Então há-de surgir esta terrível pergunta: mereceu a pena lutar para isto, para haver heróis, vítimas e uma famosa fileira de mártires, valeu a pena? Mas os vivos esquecerão rapidamente essa amarga lição, os mortos continuarão mortos, e se o dia de amanhã trouxer outra guerra, continuarão a cometer-se as mesmas imbecilidades.
— O Norte jamais apertará as mãos do Sul, senhor -- replicou, lívido, um oficial. — E só estaremos satisfeitos quando os mercadores de escravos, os assassinos da liberdade do homem, estejam sob o nosso domínio.
— Já ouvi dizer palavras semelhantes aos Sulistas, oficial — riu Dolan. — Eles afirmam que os escravos estão perfeitamente com eles. Cada um tem as suas razões!
— Senhor, é um cobarde, um traidor e um inimigo de qualquer homem honrado — replicou duramente um dos civis. —Já tivemos demasiada paciência consigo. De modo que... defenda as suas teorias, se puder, com alguma coisa mais que palavras.
Ao mesmo tempo empunhava o revólver. Shady Dolan continuava sorridente, tranquilo, apoiado no balcão com as mãos ligeiramente para trás. Nem sequer parecera mover-se quando o seu revólver, manejado com energia por aquela mão, começou a detonar. Duas detonações. A primeira derrubou o revólver do atrevido inimigo. A segunda foi dirigida especialmente para impedir que o oficial empunhasse o revólver, pois que o seu chapéu era furado por uma bala. O que era mais atemorizante era que aquelas mãos, incrivelmente velozes, continuavam junto do coldre como numa muda advertência.
— Não me agradam alegres defensores das bandeiras — riu Dolan com tom cínico.
Depois levantou o revólver. Disparou pela terceira vez, quando ninguém esperava, e o vidro que cobria o retrato de Grant caiu feito em estilhaços. A bala abriu um buraco na cerrada barba do militar. Antes que alguém pudesse protestar contra aquele acto agressivo, a arma de Dolan voltou à posição horizontal, dominando a situação.
— Nem os barbudos...
Shady contemplou com uma certa tristeza os antagonistas imóveis, rendidos ao seu domínio. Só Deus sabia o que lhe tinha custado aquela farsa, disparar contra amigos, ainda que essa amizade fosse ignorada por todos eles, visto que provinha da sua fé e duma bandeira.
Por vezes era preciso fazer coisas assim. Um homem como ele, que nunca sabia de que lado estava nem para quem combatia, tinha que fazer das tripas coração e fingir actos daqueles, por mais dolorosos e adversos que fossem. Shady desejava que aquele grupo, superior em número e em força, arremetesse desesperadamente contra ele. Teriam vencido, porque ele jamais tentaria ferir ou matar qualquer deles; mas tinham sido cobardes, prudentes ou simplesmente humanos e não atacaram. Se esses eram os defensores do Norte, a guerra estaria perdida, pensou melancolicamente Shady. Felizmente que havia melhores e que não era assim que a guerra se ganhava. Olhou com pesar para o retrato perfurado de Grant.
— Perdoa-me, meu general — balbuciou entre dentes, continuando a observar os petrificados ocupantes do «saloon».
Completou a sua tarefa. Disparou sobre o quadro de Lincoln, que tombou sobre o sobrado, fazendo um barulho infernal. Encarando agressivamente os presentes, declarou:
— Esse é o vosso destino, sonhadores...
Nesse mesmo instante, soou uma voz seca, dura e autoritária junto da porta:
— Forasteiro, considere-se preso em nome da lei militar do Governo Federal!
Voltou-se sem fazer qualquer intenção de empunhar o revólver. Uma patrulha uniformizada de azul, chefiada por um tenente de Fort Cooper, acabava de entrar no «bar». Várias pistolas «Smith & Wesson» apontavam para ele.
A menor intenção de resistência ou oposição ao inimigo, teria significado o desastre, a morte imediata nas mãos daqueles que, ignorando, eram seus amigos...
Shady Dolan ostensivamente riu-se com sarcasmo, lançou o revólver para o chão, com um tal desprezo, que deu três voltas antes de se imobilizar. Olhando Mc Allister, declarou duramente:
— Vês, amigo? Sempre sucede assim. Os porcos, os traidores são os que triunfam, porque as suas forças são superiores e mais poderosas... Adiante, filhos, adiante. Levai-me à presença do nosso querido verdugo, o assassino de americanos que se chama juiz Hodgins. Bem sei o veredicto que esse sapo venenoso vai formular: sentença de morte...
— Sentença de morte...
Foi a inexorável decisão de Archibald Hodgins, depois de ser lida a acusação, formulada a defesa e ouvidos os testemunhos dos presentes no «saloon» de McAllister.
Shady Dolan foi condenado à morte, sem apelação possível. Uma sentença dum tribunal militar, reunido com tal urgência, não era fácil rebater.
O comandante Wilkers escutou, imperturbável, a decisão judicial. A contração dos seus músculos faciais apenas foi visível para o condenado, que nunca desviara o olhar do seu rosto. Dolan sentiu um peso frio, viscoso, apertar-lhe o coração e o cérebro. Era verdade que o único homem em Fort Cooper que conhecia a verdade sobre a sua missão em Rio Cobre, teria vacilado, aparentando um ar de temor e impotência realmente inquietantes? Não, não podia ser. Há vinte e quatro horas exatamente que se tinha desenrolado a entrevista absolutamente confidencial. Se ele fosse fuzilado... um autêntico desastre tombaria sobre os juízes, mas então seria demasiado tarde, porque ninguém lhe poderia devolver a vida, e Hodgins justificar-se-ia, afirmando que ignorava tudo e que se limitara a administrar a justiça.
De repente, notou que o juiz Hodgins estava novamente a falar, enquanto que o seu olhar frio e implacável se fixou nele com toda a intensidade:
—... e tendo em conta a presença nas nossas celas de mais três traidores, disponho que a execução de Shady Dolan se processe ao mesmo tempo, para servir de exemplo a todos os agentes inimigos que se infiltram nas nossas linhas, com intenção de destruir as forças e energias do verdadeiro Governo americano.
Shady sempre tinha achado ridículo esse palavreado grandiloquente, apesar das ideias que Hodgins formulara serem sensivelmente as suas ou talvez um pouco mais extremistas.
No mesmo dia foi conduzido para a cela da morte, onde Crooks, Mason e Lyman esperavam a hora de serem conduzidos para o pátio da prisão. No dia seguinte, de madrugada, quatro homens encarariam a morte. Um deles seria Shady Dolan, aquele alto forasteiro chegado um dia antes a Rio Cobre.
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