— Só um louco é que faria isso — declarou Albert Crooks, examinando com interesse e receio o quarto homem da cela.
— Sou-o há muito tempo — Shady Dolan encolheu os ombros, ocupando a borda da tarimba. — Só que desta vez fui louco de mais.
— Vai pagar essa loucura naquela parede... — acrescentou Lyman sarcástico. — A isso chamo eu falta de inteligência.
— Contudo, não se esqueçam de que a possuo. Está aqui sobre os meus ombros, no cérebro.
— Por quanto tempo? — riu ironicamente Mason.
— Algumas horas...
— As guerras são sempre más, mas apesar disso os homens continuam a combater.
— Com quem combateu você, Dolan? — proferiu Crooks subitamente. — Com o Norte ou com o Sul?
— Isso importa?
— Muito. Ainda estou vivo e interessa-me saber com que classe de homem é que vou morrer. Lyman e Mason conheço-os bem, mas a você, não.
— Por que deseja conhecer-me? Eu não os conheço, e não é isto que me tira o sono. A ideia de acordar amanhã ante o pelotão de fuzilamento será talvez a única coisa capaz de me produzir insónias.
— Com certeza que é do Sul, Crooks — interveio vivamente Lyman, avançando para eles. — Disparou sobre os retratos de Grant e Lincoln, feriu dois nortistas e insultou-os. Segundo disse o comandante Wilkers, a sua documentação é falsa, e vem do Tenesse.
— Isso é verdade? — havia uma nota ansiosa na voz de Crooks. — Vem de Tenesse?
— Sim — confessou Dolan.
— Como está a guerra por lá?
— Mal. Como em todo o lado. Estamos perdidos, Crooks, tem que se habituar a essa ideia... se tiver tempo.
— Estamos perdidos... — isto parecia mais importante a Crooks de que o facto de ter só algumas horas de vida diante de si. — Estamos perdidos... Bem temia... temia, e esperava..
— Malditos ianques! — gritou furioso Douglas Lyman, golpeando a dura pedra da cela com os punhos. — Malditos, malditos sejam!
Mason não fez nenhum gesto nem disse qualquer palavra. Estava pensativo, com a testa franzida e a expressão sombria cravada no solo, da cela.
Shady não perdia de vista nem um nem outro.
Durante uma larga pausa, a cela esteve silenciosa. Finalmente Crooks aproximou-se de Dolan e sentou-se junto dele. As pupilas azuis do alto desconhecido fitaram-no com uma expressão ingénua.
— Dolan, desculpe as minhas anteriores perguntas. Sei que é dos nossos, pois que noutro caso não estaria aqui.
— Até que enfim — disse Dolan irónico.
— Sim, e deve perdoar os meus receios, pois não confio em nada nem em ninguém. Na nossa atividade, o melhor e ser sempre desconfiado. Evitam-se erros graves.
— Não se esqueça de que já não tem tempo para cometer erros.
— Já não se trata de mim, mas sim da Confederação. Quando se trabalha como eu e como os meus companheiros trabalham, só uma coisa interessa: a bandeira, o dever...
— Espionagem?
— Sim. — Crooks olhou demoradamente para Dolan. —Espionagem. Assusta-o?
— Nada me assusta — proferiu Dolan suavemente. — E agora ainda menos. Convivi com espiões, falsários, traidores, guerrilheiros e toda a espécie de gentes. Cada qual luta a seu modo, escolhe as armas e o campo. Quanto mais difícil seja, mais valor tem.
— Obrigado. — Crooks agitou as mãos nervosamente, antes de continuar: — Ignoro que espécie de homem é você, mas o seu delito é menor que o nosso. Não cometeu espionagem; limitou-se a insultar o inimigo, com a agravante de não poder provar que não vinha do Tenesse. Condenaram-no como espião, e talvez no fim lhe salvem a vida. Sempre tem uma esperança. A nós só nos resta uma certeza...
—Tenho tão poucas esperanças como vocês.
— Deixe-me terminar. Quero-lhe pedir um favor, um único favor, Dolan.
— Se me for possível praticá-lo, pode contar comigo; mas porquê a mim?
— Porque tenho um pressentimento de que você não morrerá connosco. Se acertar, faça o possível para atingir Coffeyville, próximo da fronteira de Oklahoma. Fica a cerca de 100 milhas daqui para o Sul.
— Suponhamos que chego a Coffeyville. Que devo lá fazer?
— Recordar dois nomes — Crooks olhou nervosamente Lyman e Mason que não afastavam dele os seus surpreendidos olhos. Continuou apressado: — Recordar os nomes de «Profeta» e «A sétima missão» ...
— Crooks, não deves falar disso! — exclamou Mason, impulsivo. — Não tens direito a...
— Sei o que faço — cortou Albert, irritado. — Compreendes-me, Dolan?
— Sim. «O Profeta» e «A sétima missão». Para que servem estas palavras?
— Guarda-las até ao momento oportuno. Este surgirá quase sem você se aperceber disso, se estiver em Coffeyville...
Deteve-se subitamente. Simultaneamente os olhos dos quatro homens voltaram-se para a janela protegida por grades de ferro. Tinha-se ouvido um pequeno ruído como alguma coisa a tivesse golpeado e imediatamente um objeto rebolou pelo solo.
Parecia uma simples pedra. Crooks e Dolan foram os primeiros a moverem-se, correndo velozmente para apanhar a pedra. Crooks alcançou-a enquanto Shady corria para a janela, espreitando com precaução.
Não viu nada nem ninguém. No pátio, encharcado pelas chuvas, passeava ritmicamente uma sentinela que nem uma única vez ergueu os olhos para a janela da cela.
Shady desviou-se, intrigado, da janela. Crooks estava desembrulhando um papel rugoso, sujo, que rodeava a pedra. Mason e Lyman rodeavam o companheiro, ansiosos e esperançosos...
Shady gostaria de se aproximar deles e ler a mensagem, mas não achou isso prudente nem inteligente. Permaneceu fora do grupo dos três homens e esperou os acontecimentos. Estes foram imprevistos. De repente, Crooks meteu o papel na boca e começou a mastigá-lo ativamente, enquanto um brilho de esperança luzia nos seus olhos.
— O que sucedeu? — perguntou Dolan, realmente intrigado.
Mason e Lyman olharam-no sem pronunciar palavra. Foi Crooks que, depois de mastigar durante um demorado espaço de tempo, e engolir o papel triturado, declarou de forma clara:
— Amanhã estaremos em liberdade, Dolan. Estes porcos ianques não nos verão morrer na parede de fuzilamento...
Shady Dolan não fez comentários. Limitou-se a mover até à janela e observar o que se passava no pátio. Nada de anormal. Por fim, regressou para junto dos três homens, dizendo simplesmente:
— Alegro-me, rapazes. Ao menos salvam-se três homens do Sul.
Crooks abanou a cabeça negativamente com um suave sorriso.
-- Não serão três, mas sim quatro. Você também nos acompanha, Dolan.
— Obrigado — aproximou-se de Crooks e apertou-lhe a mão energicamente. — Obrigado, meu amigo. Gostava de estar tão esperançado como vós, nessa fuga, mas ela parece-me muito difícil.
— Também a mim, mas quando o chefe diz uma coisa, sempre a cumpre.
— O chefe?
— Sim. — Crooks sorriu dando uma palmada nas costas de Dolan. — Um homem que é capaz de tudo... inclusivamente de lutar contra o Norte inteiro.
Nada mais acrescentou e Shady Dolan não insistiu. Se aquele «chefe» era capaz de libertar quatro condenados à morte, era porque realmente possuía uma rara capacidade. Mas, quem seria esse extraordinário chefe?
A pior noite na vida dum homem, é sem dúvida aquela que precede a manhã da sua execução; talvez por isso era surpreendente a serenidade e confiança que reinava entre os três condenados de espionagem e traição.
Para Shady Dolan era uma experiência diferente. Excitante e tenso, já que nada sucederia essa noite, os projetos do comandante Wilkers e os seus pareciam ter que sofrer uma profunda modificação. A sua real missão seria certamente revelada quando aparecesse o indulto.
Aquela mensagem misteriosamente enviada tinha-lhe despertado novas esperanças. O seu espírito não esquecia as indicações que lhe tinham dado os espiões sulistas: «O Profeta», «A Sétima Missão», Coffeyville e Kansas. Que significariam estas palavras anónimas?
Existia qualquer coisa de estranho e pouco claro, por detrás de toda aquela intrincada conversa e situação entre Mason, Crooks e Lyman, os três condenados de Rio Cobre.
O carcereiro levou-lhes de comer às sete horas. Um repugnante caldo em que flutuavam legumes sujos e batatas apodrecidas, e um jarro com água. Ninguém provou aqueles alimentos e responderam aos insultos do carcereiro, entoando em coro a popular canção do Sul «Dixie».
O soldado pareceu tentado a entrar na cela, mas desistiu afastando-se a arrastar os pés. Na sua cintura tilintavam as chaves, as chaves que tudo significavam para os réus.
— Meu Deus, parece-me que não aguento mais — gemeu o jovem Lyman, passando nervosamente os dedos pelos cabelos.
— Calma, rapazes — recomendou com voz rouca, Albert Crooks. — Tudo chegará.
—Achas que nos salvarão? — indagou Furguson Mason, cético.
Ninguém respondeu. A cada minuto que passava, Crooks ia perdendo a segurança.
Shady Dolan, sentado na tarimba limitava a observar e a refletir. De repente, ergueu a cabeça. Douglas Lyman estava sentado junto dele. O seu semblante juvenil, brilhava com transpiração à luz da escassa iluminação.
— Como vão esses nervos? — sorriu Dolan, olhando-o quase paternalmente com os seus claros olhos, serenos e honestos.
— Mal. Muito mal... — engoliu em seco.
Estava apertando as mãos, e de súbito apoiou uma delas sobre o ombro de Shady, acrescentando em voz baixa:
— Dolan, você não pode compreender... Sou jovem, muito jovem para morrer... assim.
— Claro que o compreendo — afirmou o alto forasteiro de cabelo louro e pele bronzeada. — Compreendo sempre a juventude, porque ainda não estou longe dela. Acabo de fazer trinta anos. Ainda me posso considerar jovem, não achas?
— Com certeza. Perdoa-me se não me expliquei bem. Não me referia a isso. Não falo por mim... É por ela...
— Ela — Shady olhou-o demoradamente antes de inquirir: — Quem é ela? Tua noiva? Tua mulher?
— Não. É minha irmã, Alice Lyman. Um ano mais velha do que eu. Mais inteligente do que eu. Ama o Sul, mas dum modo menos fanático, do que eu, sem arriscar a vida por ele. Diz que isto é coisa para homens. O que dirá quando souber que eu...
— Tu és um homem, Lyman. Ela compreende e admirar-te-á.
— Não a conhece — a cabeça juvenil moveu-se negativamente. — Não me considera ainda um homem. Diz que sou um rapaz sem mentalidade, que se deixa arrastar pelos restantes...
—E tem razão?
— Em parte, sim. Que idade tem, Lyman? — Dolan sorriu suavemente, baixando a cabeça.
— Dezoito — respondeu Lyman quase envergonhado. — Um homem com dezoito anos é um rapaz. Uma mulher com dezanove é já uma verdadeira mulher. Creio que a tua irmã tem razão. Porque te meteste nisto?
— Porque eu... — pareceu que ia falar abertamente, mas de repente levantou os olhos, corou e interrompeu a conversa.
Dolan levantou também a cabeça. Albert Crooks olhava-os fixamente. ente.
— Que lhe contava Lyman? — interrogou para Dolan. —Suas desventuras de menino perdido?
— De certo modo, sim. — Proferiu Dolan docemente. —Falávamos de sua irmã, Alice.
— Alice... — Crooks moveu a cabeça, pensativamente, antes de acrescentar: — Sim, é natural. Uma rapariga maravilhosa, Alice Lyman. Inteligente e cheia de confiança...
— Conhece-a, Crooks?
— Todos nos conhecemos uns aos outros. Quando vínhamos para Kansas, para cumprir a nossa missão, habituamo-nos a conhecer completamente.
— De onde vinham?
— Que importa isso, agora? — sorriu Crooks, encolhendo os ombros.
—Suponho que não posso perguntar a natureza da missão — disse Dolan.
Crooks dirigiu-lhe um olhar penetrante. O seu rosto endureceu-se novamente, mas limitou-se a dizer:
— Interessa-lhe isso, Dolan?
— Não. — Shady encolheu os ombros vagamente. — Nada mais me interessa.
— Não sei porque não dizer a Dolan. — replicou Lyman, irritado. — Que importância pode ter, para um homem como Dolan, sendo sulista como nós, saber que se tratava dum carro de...?
— Cala-te, estúpido! — Velozmente, Crooks lançou-se sobre ele e esbofeteou-o.
Lyman, retrocedeu cambaleando. Mason intercedeu, pegando no braço de Crooks.
— Não façam loucuras — reconciliando-os. — Estão os dois descontrolados. E tu, Lyman, lembra-te que em qualquer hipótese, não deves confessar absolutamente nada.
— A ordem foi não falar. A ninguém. — Recordou Crooks, irritado. —E tu, maldita criança, já começaste a dar à língua...
— Só falou a mim — observou Dolan com suavidade.
— E na realidade, quem é você? — Crooks encarou-o, vivamente. — Um amigo ou um inimigo?
— Sou do Sul. Considera a sua pergunta respondida, Crooks?
— Não, quando no meio do patriotismo e do idealismo, se intercalam milhões — foi a fria e desconcertante resposta.
— Sou-o há muito tempo — Shady Dolan encolheu os ombros, ocupando a borda da tarimba. — Só que desta vez fui louco de mais.
— Vai pagar essa loucura naquela parede... — acrescentou Lyman sarcástico. — A isso chamo eu falta de inteligência.
— Contudo, não se esqueçam de que a possuo. Está aqui sobre os meus ombros, no cérebro.
— Por quanto tempo? — riu ironicamente Mason.
— Algumas horas...
— As guerras são sempre más, mas apesar disso os homens continuam a combater.
— Com quem combateu você, Dolan? — proferiu Crooks subitamente. — Com o Norte ou com o Sul?
— Isso importa?
— Muito. Ainda estou vivo e interessa-me saber com que classe de homem é que vou morrer. Lyman e Mason conheço-os bem, mas a você, não.
— Por que deseja conhecer-me? Eu não os conheço, e não é isto que me tira o sono. A ideia de acordar amanhã ante o pelotão de fuzilamento será talvez a única coisa capaz de me produzir insónias.
— Com certeza que é do Sul, Crooks — interveio vivamente Lyman, avançando para eles. — Disparou sobre os retratos de Grant e Lincoln, feriu dois nortistas e insultou-os. Segundo disse o comandante Wilkers, a sua documentação é falsa, e vem do Tenesse.
— Isso é verdade? — havia uma nota ansiosa na voz de Crooks. — Vem de Tenesse?
— Sim — confessou Dolan.
— Como está a guerra por lá?
— Mal. Como em todo o lado. Estamos perdidos, Crooks, tem que se habituar a essa ideia... se tiver tempo.
— Estamos perdidos... — isto parecia mais importante a Crooks de que o facto de ter só algumas horas de vida diante de si. — Estamos perdidos... Bem temia... temia, e esperava..
— Malditos ianques! — gritou furioso Douglas Lyman, golpeando a dura pedra da cela com os punhos. — Malditos, malditos sejam!
Mason não fez nenhum gesto nem disse qualquer palavra. Estava pensativo, com a testa franzida e a expressão sombria cravada no solo, da cela.
Shady não perdia de vista nem um nem outro.
Durante uma larga pausa, a cela esteve silenciosa. Finalmente Crooks aproximou-se de Dolan e sentou-se junto dele. As pupilas azuis do alto desconhecido fitaram-no com uma expressão ingénua.
— Dolan, desculpe as minhas anteriores perguntas. Sei que é dos nossos, pois que noutro caso não estaria aqui.
— Até que enfim — disse Dolan irónico.
— Sim, e deve perdoar os meus receios, pois não confio em nada nem em ninguém. Na nossa atividade, o melhor e ser sempre desconfiado. Evitam-se erros graves.
— Não se esqueça de que já não tem tempo para cometer erros.
— Já não se trata de mim, mas sim da Confederação. Quando se trabalha como eu e como os meus companheiros trabalham, só uma coisa interessa: a bandeira, o dever...
— Espionagem?
— Sim. — Crooks olhou demoradamente para Dolan. —Espionagem. Assusta-o?
— Nada me assusta — proferiu Dolan suavemente. — E agora ainda menos. Convivi com espiões, falsários, traidores, guerrilheiros e toda a espécie de gentes. Cada qual luta a seu modo, escolhe as armas e o campo. Quanto mais difícil seja, mais valor tem.
— Obrigado. — Crooks agitou as mãos nervosamente, antes de continuar: — Ignoro que espécie de homem é você, mas o seu delito é menor que o nosso. Não cometeu espionagem; limitou-se a insultar o inimigo, com a agravante de não poder provar que não vinha do Tenesse. Condenaram-no como espião, e talvez no fim lhe salvem a vida. Sempre tem uma esperança. A nós só nos resta uma certeza...
—Tenho tão poucas esperanças como vocês.
— Deixe-me terminar. Quero-lhe pedir um favor, um único favor, Dolan.
— Se me for possível praticá-lo, pode contar comigo; mas porquê a mim?
— Porque tenho um pressentimento de que você não morrerá connosco. Se acertar, faça o possível para atingir Coffeyville, próximo da fronteira de Oklahoma. Fica a cerca de 100 milhas daqui para o Sul.
— Suponhamos que chego a Coffeyville. Que devo lá fazer?
— Recordar dois nomes — Crooks olhou nervosamente Lyman e Mason que não afastavam dele os seus surpreendidos olhos. Continuou apressado: — Recordar os nomes de «Profeta» e «A sétima missão» ...
— Crooks, não deves falar disso! — exclamou Mason, impulsivo. — Não tens direito a...
— Sei o que faço — cortou Albert, irritado. — Compreendes-me, Dolan?
— Sim. «O Profeta» e «A sétima missão». Para que servem estas palavras?
— Guarda-las até ao momento oportuno. Este surgirá quase sem você se aperceber disso, se estiver em Coffeyville...
Deteve-se subitamente. Simultaneamente os olhos dos quatro homens voltaram-se para a janela protegida por grades de ferro. Tinha-se ouvido um pequeno ruído como alguma coisa a tivesse golpeado e imediatamente um objeto rebolou pelo solo.
Parecia uma simples pedra. Crooks e Dolan foram os primeiros a moverem-se, correndo velozmente para apanhar a pedra. Crooks alcançou-a enquanto Shady corria para a janela, espreitando com precaução.
Não viu nada nem ninguém. No pátio, encharcado pelas chuvas, passeava ritmicamente uma sentinela que nem uma única vez ergueu os olhos para a janela da cela.
Shady desviou-se, intrigado, da janela. Crooks estava desembrulhando um papel rugoso, sujo, que rodeava a pedra. Mason e Lyman rodeavam o companheiro, ansiosos e esperançosos...
Shady gostaria de se aproximar deles e ler a mensagem, mas não achou isso prudente nem inteligente. Permaneceu fora do grupo dos três homens e esperou os acontecimentos. Estes foram imprevistos. De repente, Crooks meteu o papel na boca e começou a mastigá-lo ativamente, enquanto um brilho de esperança luzia nos seus olhos.
— O que sucedeu? — perguntou Dolan, realmente intrigado.
Mason e Lyman olharam-no sem pronunciar palavra. Foi Crooks que, depois de mastigar durante um demorado espaço de tempo, e engolir o papel triturado, declarou de forma clara:
— Amanhã estaremos em liberdade, Dolan. Estes porcos ianques não nos verão morrer na parede de fuzilamento...
Shady Dolan não fez comentários. Limitou-se a mover até à janela e observar o que se passava no pátio. Nada de anormal. Por fim, regressou para junto dos três homens, dizendo simplesmente:
— Alegro-me, rapazes. Ao menos salvam-se três homens do Sul.
Crooks abanou a cabeça negativamente com um suave sorriso.
-- Não serão três, mas sim quatro. Você também nos acompanha, Dolan.
— Obrigado — aproximou-se de Crooks e apertou-lhe a mão energicamente. — Obrigado, meu amigo. Gostava de estar tão esperançado como vós, nessa fuga, mas ela parece-me muito difícil.
— Também a mim, mas quando o chefe diz uma coisa, sempre a cumpre.
— O chefe?
— Sim. — Crooks sorriu dando uma palmada nas costas de Dolan. — Um homem que é capaz de tudo... inclusivamente de lutar contra o Norte inteiro.
Nada mais acrescentou e Shady Dolan não insistiu. Se aquele «chefe» era capaz de libertar quatro condenados à morte, era porque realmente possuía uma rara capacidade. Mas, quem seria esse extraordinário chefe?
A pior noite na vida dum homem, é sem dúvida aquela que precede a manhã da sua execução; talvez por isso era surpreendente a serenidade e confiança que reinava entre os três condenados de espionagem e traição.
Para Shady Dolan era uma experiência diferente. Excitante e tenso, já que nada sucederia essa noite, os projetos do comandante Wilkers e os seus pareciam ter que sofrer uma profunda modificação. A sua real missão seria certamente revelada quando aparecesse o indulto.
Aquela mensagem misteriosamente enviada tinha-lhe despertado novas esperanças. O seu espírito não esquecia as indicações que lhe tinham dado os espiões sulistas: «O Profeta», «A Sétima Missão», Coffeyville e Kansas. Que significariam estas palavras anónimas?
Existia qualquer coisa de estranho e pouco claro, por detrás de toda aquela intrincada conversa e situação entre Mason, Crooks e Lyman, os três condenados de Rio Cobre.
O carcereiro levou-lhes de comer às sete horas. Um repugnante caldo em que flutuavam legumes sujos e batatas apodrecidas, e um jarro com água. Ninguém provou aqueles alimentos e responderam aos insultos do carcereiro, entoando em coro a popular canção do Sul «Dixie».
O soldado pareceu tentado a entrar na cela, mas desistiu afastando-se a arrastar os pés. Na sua cintura tilintavam as chaves, as chaves que tudo significavam para os réus.
— Meu Deus, parece-me que não aguento mais — gemeu o jovem Lyman, passando nervosamente os dedos pelos cabelos.
— Calma, rapazes — recomendou com voz rouca, Albert Crooks. — Tudo chegará.
—Achas que nos salvarão? — indagou Furguson Mason, cético.
Ninguém respondeu. A cada minuto que passava, Crooks ia perdendo a segurança.
Shady Dolan, sentado na tarimba limitava a observar e a refletir. De repente, ergueu a cabeça. Douglas Lyman estava sentado junto dele. O seu semblante juvenil, brilhava com transpiração à luz da escassa iluminação.
— Como vão esses nervos? — sorriu Dolan, olhando-o quase paternalmente com os seus claros olhos, serenos e honestos.
— Mal. Muito mal... — engoliu em seco.
Estava apertando as mãos, e de súbito apoiou uma delas sobre o ombro de Shady, acrescentando em voz baixa:
— Dolan, você não pode compreender... Sou jovem, muito jovem para morrer... assim.
— Claro que o compreendo — afirmou o alto forasteiro de cabelo louro e pele bronzeada. — Compreendo sempre a juventude, porque ainda não estou longe dela. Acabo de fazer trinta anos. Ainda me posso considerar jovem, não achas?
— Com certeza. Perdoa-me se não me expliquei bem. Não me referia a isso. Não falo por mim... É por ela...
— Ela — Shady olhou-o demoradamente antes de inquirir: — Quem é ela? Tua noiva? Tua mulher?
— Não. É minha irmã, Alice Lyman. Um ano mais velha do que eu. Mais inteligente do que eu. Ama o Sul, mas dum modo menos fanático, do que eu, sem arriscar a vida por ele. Diz que isto é coisa para homens. O que dirá quando souber que eu...
— Tu és um homem, Lyman. Ela compreende e admirar-te-á.
— Não a conhece — a cabeça juvenil moveu-se negativamente. — Não me considera ainda um homem. Diz que sou um rapaz sem mentalidade, que se deixa arrastar pelos restantes...
—E tem razão?
— Em parte, sim. Que idade tem, Lyman? — Dolan sorriu suavemente, baixando a cabeça.
— Dezoito — respondeu Lyman quase envergonhado. — Um homem com dezoito anos é um rapaz. Uma mulher com dezanove é já uma verdadeira mulher. Creio que a tua irmã tem razão. Porque te meteste nisto?
— Porque eu... — pareceu que ia falar abertamente, mas de repente levantou os olhos, corou e interrompeu a conversa.
Dolan levantou também a cabeça. Albert Crooks olhava-os fixamente. ente.
— Que lhe contava Lyman? — interrogou para Dolan. —Suas desventuras de menino perdido?
— De certo modo, sim. — Proferiu Dolan docemente. —Falávamos de sua irmã, Alice.
— Alice... — Crooks moveu a cabeça, pensativamente, antes de acrescentar: — Sim, é natural. Uma rapariga maravilhosa, Alice Lyman. Inteligente e cheia de confiança...
— Conhece-a, Crooks?
— Todos nos conhecemos uns aos outros. Quando vínhamos para Kansas, para cumprir a nossa missão, habituamo-nos a conhecer completamente.
— De onde vinham?
— Que importa isso, agora? — sorriu Crooks, encolhendo os ombros.
—Suponho que não posso perguntar a natureza da missão — disse Dolan.
Crooks dirigiu-lhe um olhar penetrante. O seu rosto endureceu-se novamente, mas limitou-se a dizer:
— Interessa-lhe isso, Dolan?
— Não. — Shady encolheu os ombros vagamente. — Nada mais me interessa.
— Não sei porque não dizer a Dolan. — replicou Lyman, irritado. — Que importância pode ter, para um homem como Dolan, sendo sulista como nós, saber que se tratava dum carro de...?
— Cala-te, estúpido! — Velozmente, Crooks lançou-se sobre ele e esbofeteou-o.
Lyman, retrocedeu cambaleando. Mason intercedeu, pegando no braço de Crooks.
— Não façam loucuras — reconciliando-os. — Estão os dois descontrolados. E tu, Lyman, lembra-te que em qualquer hipótese, não deves confessar absolutamente nada.
— A ordem foi não falar. A ninguém. — Recordou Crooks, irritado. —E tu, maldita criança, já começaste a dar à língua...
— Só falou a mim — observou Dolan com suavidade.
— E na realidade, quem é você? — Crooks encarou-o, vivamente. — Um amigo ou um inimigo?
— Sou do Sul. Considera a sua pergunta respondida, Crooks?
— Não, quando no meio do patriotismo e do idealismo, se intercalam milhões — foi a fria e desconcertante resposta.
Sem comentários:
Enviar um comentário