segunda-feira, 21 de maio de 2018

BUF162.4 Rejeitado pelo próprio povo

Tomahawk ia sendo invadido por uma intensa emoção à medida que se aproximava, por aquele trilho que tão bem conhecia, do local onde estava fixada a sua tribo.
Cada pormenor da paisagem despertava nele uma série ilimitada de recordações. Sentia-se transportado ao passado, como se uma força incontrolável fizesse retroceder o tempo, levando-o de novo à sua idade juvenil, quando corria pelos trilhos sobre um brioso cavalo, acompanhado pelos guerreiros da tribo, no inicio da sua aprendizagem das leis da caça e da luta, que haviam tornado famosa a tribo dos «cheyennes».
Mas era-lhe difícil esquecer o que acabava de ver na outra margem do Arkansas River. Recordava perfeitamente o tratado que seu pai havia assinado com os «rostos-pálidos», tratado esse que havia estudado detidamente durante a sua estada no Este.
E não havia, em nenhuma das suas páginas, qualquer cláusula que permitisse a construção de um povoado naquele lugar, precisamente no meio das terras que desde sempre haviam pertencido aos «peles-vermelhas».
Que havia acontecido desde a sua partida? Pouco a pouco, foi-se aproximando dos limites da aldeia índia; e não tardou a penetrar nela, vendo na expressão dos rostos uma indiferença total. Quase ninguém o recordava e, ainda por cima, a sua maneira de vestir fazia-o parecer, de longe, um homem branco. Mas se alguém o reconheceu... decerto guardou silêncio e selou os lábios, sem pronunciar a menor palavra de boas-vindas ou qualquer saudação.

Com o frio na alma, Tomahawk continuou a avançar para o centro da aldeia, detendo-se diante da tenda do chefe, que noutro tempo havia pertencido a seu pai. Uma vez ali, desceu do cavalo e aproximou-se, no preciso instante em que «Raposa Astuta» saia da tenda.
A surpresa do jovem índio ao ver Tomahawk manifestou-se-lhe no semblante. Ele, sim, havia-o reconhecido; mas o seu rosto não tardou a expressar o desprezo e a inveja que sempre havia sentido pelo filho de «Águia Corredora». Sorriu enquanto Tomahawk se aproximava dele.
— Saúdo-te, «Raposa Astuta» — disse o recém-chegado. — Sinto grande alegria em te ver.
— Eu também — mentiu o outro. — Meu pai, o grande chefe dos «cheyennes», está aí dentro. Entra.
— Obrigado
Penetraram na tenda, onde se encontrava reunido o conselho de anciãos. A mesma expressão de surpresa que o jovem Tomahawk havia observado no rosto de «Raposa Astuta» desenhou-se agora nos de todos os ali presentes.
Os olhos dos anciãos pestanejavam ao verem surgir na entrada da tenda o filho de «Águia Corredora», aquele rapaz que tinham visto partir, sobre uma maca que os «rostos-pálidos» haviam improvisado, havia mais de quatro anos.
Controlando a surpresa que, tal como os outros, havia experimentado, «Nariz Achatado» fez um gesto com a mão, convidando Tomahawk a sentar-se fora do círculo do conselho. Era um desprezo manifesto, mas o jovem fez caso omisso daquele insulto mudo e sentou-se fora do círculo, esperando que lhe fosse dada autorização para falar.
-- Que vieste fazer, aqui? — perguntou-lhe o chefe.
— Fui informado da morte de meu pai, o grande chefe «Águia Corredora» — respondeu Tomahawk. — Mas não temas, «Nariz Achatado», pois não vim com a intenção de impor qualquer ideia relacionada com um posto que, de direito, me pertencia. Se o conselho te escolheu, tu és agora o novo chefe... e eu apresento-te os meus respeitos. Creio que desta forma ficará esclarecida, desde o princípio, a minha posição ao regressar ao seio dos meus.
— Falas com língua rápida, Tomahawk — retorquiu «Nariz Achatado». — Já vejo que os «rostos-pálidos» deram à maneira de te expressares a ligeireza da cínica arte que eles utilizam para nos enganarem. Mas nada que se relacione com eles tem lugar na nossa aldeia. Nós, «cheyennes», vivemos durante muitas luas sem conhecermos o «rosto-pálido»; e podemos continuar a viver, sem necessidade deles nem dos seus novos amigos.
— Creio que te enganas, «Nariz Achatado». Já te disse que os meus propósitos, ao vir aqui, não podem ser mais amistosos. Este é o meu povo e esta é a minha aldeia. Se tive de sair do seu seio não foi por culpa minha, mas por causa da enfermidade que, corno todos sabeis, esteve a ponto de acabar comigo.
— Já vejo que a magia dos «rostos-pálidos» logrou curar-te — disse «Nariz Achatado». — Só isso é já o bastante para que os nossos olhos «cheyennes» te olhem como um estranho. Não devias ter voltado, Tomahawk. Entre nós não há lugar para ti. Não podemos confiar em quem passou tanto tempo ao lado dos brancos, que foi seu amigo e confidente e que, inclusivamente, aprendeu as suas falsas leis. Nem sequer podemos saber se as tuas palavras dizem a verdade ou se foste enviado por qualquer chefe branco para nos espiares e provocares assim a nossa completa destruição.
O jovem Tomahawk percebeu que, na realidade, nada tinha a fazer ali. Havia temido algumas vezes ser recebido daquela maneira. Mas, agora, ao contemplar os rostos indiferentes dos anciãos do conselho, a expressão agreste do novo chefe e o sorriso irónico de seu filho, «Raposa Astuta», compreendeu definitivamente que não tinha ali lugar, que já não podia considerar-se como um «cheyenne» e que jamais, por muito que lhe doesse, voltaria a fazer parte do seu povo. Tinha o coração cheio de amargura.
— Eu vim aqui render-te homenagem publicamente —disse, olhando fixamente «Nariz Achatado». — Volto a repetir que não tenho nenhum interesse na chefia do meu povo. Tu és o novo chefe, e só desejo que Manitu queira que o sejas por muito tempo, sempre que cumpras com as sagradas leis que meu pai ditou antes de morrer. Mas ouve bem, «Nariz Achatado»: não podes fechar as portas à minha esperança de continuar junto de vós. E, quer o queiras quer não, eu sou um «cheyenne», filho do grande chefe «Águia Corredora». Se agora, como pareces estar disposto, me expulsas da tribo, toda a responsabilidade de tal acto recairá sobre a tua cabeça. Porque nunca se disse, nem ninguém o contou jamais, que um homem que volta para o seu povo, com o único intuito de colaborar com ele no caminho da paz, seja escorraçado como um coiote leproso.
— Esqueces-te — disse «Nariz Achatado», com um tom de voz insolente — que a voz do chefe é sagrada entre os «cheyennes». Permaneceste tanto tempo longe de nós que até esqueceste os costumes mais profundos do teu povo. E ainda te atreves a chamar-te «cheyenne»? Pareces mais um branco que um «pele-vermelha». As tuas palavras estão carregadas de mentira e a tua língua, move-se com a mesma rapidez da dos «rostos-pálidos». Os teus olhos perderam o brilho e os teus braços, com toda a certeza, seriam já incapazes de manejar o machado de guerra... se isso fosse necessário. Andas vestido como eles e pensas como eles, Tomahawk. O conselho encontra-se presente, e não creio que nenhum dos anciãos que o compõem se atreva a levantar a voz contra a minha que, inexoravelmente, te condena a seres expulso do povo «cheyenne». Desaparece daqui, Tomahawk! Já não há lugar par ti no seio do nosso povo.
O jovem índio pôs-se de pé.
— Está bem, «Nariz Achatado» — disse. — Mas, antes de me ir embora, quero dizer-te que estou quase completamente seguro de que faltaste ao que foi assinado no tratado com os brancos. Pude ver que estes construíram um povoado na outra margem do Arkansas River. Também soube, durante a minha viagem, que permitiste aos «rostos-pálidos» que escavassem nas montanhas sagradas e que levassem a prata que ali há. Não penses sair vitorioso, chefe. A Justiça acaba sempre por se impor, e a única coisa que eu lamentaria de todo o coração seria que arrastasses o meu amado povo para a sua total destruição. Vou-me embora, «Nariz Achatado». Mas não esqueças o que te disse. É muito possível que eu pareça um homem branco, talvez até pelo revólver que me pende da cintura. Mas o meu coração, quer queiras quer não queiras, continua a ser «cheyenne» nas suas raízes. Não creias tão--pouco que me tornei brando durante a minha permanência ao lado dos «rostos-pálidos». Sinto que o meu sague de guerreiro corre com força nas minhas veias. E estou disposto a derramá-lo para conseguir, seja como for, caia quem cair, que o povo «cheyenne» possa viver em paz, de acordo com os desejos de meu pai, o grande chefe «Águia Corredora».
Girou sobre os calcanhares e saiu da tenda, montando no seu cavalo de um salto. Em seguida, encostou as esporas aos flancos do nobre animal e fez que este galopasse a toda a velocidade, pelo trilho fora. Atravessou o Arkansas River e, finalmente, entrou na povoação que os «rostos-pálidos» haviam construído.
Pueblo havia crescido consideravelmente nos últimos meses. Não foi difícil a Tomahawk, vestido como estava, encontrar um quarto num dos pequenos hotéis do novo povoado. Pagou adiantadamente o aluguer de um par de semanas e, depois, fechou-se no seu quarto. Tirando os livros que trazia na maleta juntamente com algumas roupas, pôs-se imediatamente a estudar a maneira de impedir que «Nariz Achatado», tal como temia, vendesse a liberdade dos «cheyennes» por troca de algo que ainda não conseguira descobrir.
***
Galopando num formoso cavalo branco, «Raposa Astuta», o filho de «Nariz Achatado», atravessou o Arkansas River, já de noite, dirigindo-se para o edifício onde se encontrava localizado o escritório da Companhia de Delastone. Momentos depois, penetrava no gabinete deste, sentando-se numa cadeira e aceitando, com um sorriso, o grande copo de uísque que Archibald acabava de lhe servir.
— Que aconteceu, «Raposa Astuta»? --- inquiriu o homem de negócios.
— Más noticias, «rosto pálido». Regressou o filho de Águia Corredora».
— O filho de quem...?
— O filho de «Águia Corredora», o antigo chefe dos «cheyennes». Partiu há muitas luas da nossa aldeia e converteu-se num homem de leis numa cidade dos «rostos--pálidos». Deu-se conta, desde que chegou, de que havíeis construído uma povoação nesta região, o que contraria tudo o que vem escrito no tratado; além disso, sabe que os teus homens estão a extrair prata das montanhas sagradas. Segui-o até aqui e sei que está alojado numa das vossas casas.
— Muito interessante, meu amigo — disse Archibald. — Mas não deves preocupar-te. Esse homem não nos fará qualquer dano.
— Tem cuidado com ele, «rosto-pálido». Se em alguma coisa disse a verdade, quando esteve no conselho, foi ao dizer que ainda lhe corre sangue «cheyenne» nas veias.
— Não me rala absolutamente nada a espécie de sangue que lhe corra pelas veias — retorquiu, sorridente, Archibald. — Ninguém o analisará quando o seu corpo estiver crivado de balas. Nós encarregar-nos-emos desse tipo, «Raposa Astuta». Volta para a tua aldeia e diz a teu pai que durma completamente tranquilo. Como vão esses assaltos?
— Correm muito bem, «rosto-pálido». Fazemos como te dissemos, utilizando cavalos ferrados e não deixando com vida nenhum dos colonos que seguem nos carromatos.
— Perfeito. De qualquer forma, tende muito cuidado. Os soldados podem chegar de um momento para o outro, visto que a notícia dos assaltos já correu fora do Estado; e eu não queria que uma imprudência deitasse tudo a perder.
— És tu quem deve ter cuidado, «rosto-pálido» — retorquiu «Raposa Astuta». — Prometeste a meu pai que distrairias a atenção dos «facas longas». Não faças que a cólera dos «cheyennes» desperte. Acabaríamos contigo e com todas estas casas num abrir e fechar de olhos.
Archibald não pôde evitar um estremecimento.
— Não te preocupes, rapaz disse. — Eu encarregar-me-ei de tudo, mesmo no caso de os soldados chegarem até aqui. Agora, podes ir-te embora. Está bem. Espera um momento. Vou dar-te umas garrafas de uísque para teu pai.
Quando o índio se afastou, Archibald Delastone cerrou os punhos com ar furioso; e, abandonando o gabinete, dirigiu-se para o «saloon», situado num edifício vizinho, onde se encontravam sempre os seus homens de confiança.
Com efeito, Ed Sommers, Walter Payton e Joe Hine haviam-se encarregado, desde o princípio, do bom funcionamento daquele «saloon». Walter e Joe controlavam a sala de jogos enquanto Ed Sommers vigiava atentamente o serviço dos espetáculos, montados para atrair os mineiros que, de vez em quando, desciam das montanhas para deixarem ali todo o dinheiro que haviam ganho dias antes.
Convocando os seus homens, Archibald Delastone penetrou com eles num pequeno reservado que havia por detrás do balcão. Uma vez fechada a porta, explicou-lhes o que o índio acabava de lhe dizer, sem omitir pormenor algum.
— Preciso que esse tipo que chegou do Este desapareça quanto antes — disse, cerrando os dentes. --- Não podeis esquecer que, apesar de índio, é também advogado. E não quero que comece para aí a arranjar-me desgostos. «Raposa Astuta» disse-me que seu pai o expulsou da tribo e, portanto, será facílimo fazer recair a sua morte sobre os guerreiros «cheyennes», que poderiam ter vingado a sua presença entre os do seu povo. Compreendeste?
Foi Joe Hine quem respondeu, com um frio sorriso nos lábios:
— Não se preocupe, patrão. Esse tipo não verá o dia de amanhã. Sabe em que hotel se hospeda?
— Não. Mas em Pueblo existem apenas dois. Procurai-o. Anda vestido como nós, mas é um índio. Será muito fácil descobri-lo.
— Claro. Walter e eu — disse Joe — encarregar-nos-emos deste assunto. Pode voltar para o seu gabinete tranquilamente, patrão.
— Assim o espero.
*** Rasgar as roupas do homem branco
Depois de permanecer um par de horas a estudar, Tomahawk saiu a dar um passeio, já em plena noite, contemplando com admiração a povoação que os «rostos--pálidos» haviam construído em poucos meses. Não tardou muito a compreender, depois de ler os letreiros que cobriam as fachadas de alguns dos edifícios, que o chefe daquela Companhia era um homem esperto, astuto e disposto a tudo.
Depois, ao assomar ao «saloon», pôde avaliar o calculismo de tal indivíduo ao ver que não perderia um único cêntimo, pois os mineiros pagos por ele deixavam o dinheiro nas mesas de jogo ou no balcão onde se acotovelavam para beber uísque.
Era fácil chegar à conclusão de que «Nariz Achatado» tinha algo a ver com tudo aquilo. Sem a autorização dos «cheyennes», os brancos não se teriam atrevido a construir a sua povoação na margem do rio e, menos ainda, a subir às montanhas para extraírem a prata que tanto ambicionavam.
Se se houvesse tratado de uma obra governamental, se aquela povoação, praticamente uma cidade, tivesse interesse para o desenvolvimento da civilização branca, Tomahawk não teria levantado nenhuma objeção. Mas atenazava-lhe a alma o saber que o tratado assinado por seu pai fora esquecido tão rapidamente.
E ao compreender que aqueles fabulosos benefícios iam parar aos bolsos de um só homem, que, sem o consentimento do seu Governo, estava a quebrar as cláusulas do tratado, cerrou os punhos, até cravar dolorosamente as unhas nas palmas das mãos. A única coisa que não compreendia era o preço que «Nariz Achatado» teria imposto para deixar que os brancos agissem à sua vontade. Sabia perfeitamente que os seus irmãos de raça não estimavam qualquer espécie de metal precioso, desprezando-o, pelo contrário, por não o acharem diretamente útil. Tinha forçosamente de haver algo que calasse a ambição de «Nariz Achatado» e de seu filho, acalmando, ao mesmo tempo, a cólera que, sem dúvida alguma, havia despertado entre os índios a fixação definitiva dos brancos numa zona que lhes pertencia por completo. Tinha de averiguar tudo aquilo.
Cansado de passear pelo povoado, pensou que eram horas de regressar ao hotel e de descansar um pouco, visto que queria começar a trabalhar na manhã seguinte, logo que o sol raiasse.
Tinha ouvido o suficiente para se dar conta de que poderia escrever para Washington a fim de reclamar do major Lenver a imposição de uma justiça rápida e eficaz. E era muito possível que, se a sua carta chegasse a tempo, Lenver procurasse apresentá-la ao presidente dos Estados Unidos, denunciando assim que o tratado assinado entre «Águia Corredora» e o Governo da União havia sido desprezado, reduzido a pedaços, em benefício de um homem de raça branca, cuja ambição, pelos vistos, não tinha limites nem travão.
As ruas estavam completamente escuras e só a luz das estrelas, que brilhavam no firmamento, rompia um pouco as trevas que envolviam as casas de Pueblo. Talvez os homens que perseguiam Tomahawk a curta distância não tivessem em conta o facto de, apesar da sua longa permanência entre os brancos, o jovem não ter perdido aquele fino instinto que faz dos índios, como dos animais selvagens, seres dificílimos de surpreender.
Tomahawk havia percebido, havia já alguns minutos, que dois homens o seguiam; e era muito fácil adivinhar que os seus propósitos, em relação a ele, não podiam ser amistosos. O seu instinto, adquirido naturalmente e transmitido por herança durante milénios, preveniu-o com exatidão dos movimentos dos seus dois perseguidores; e quando estes aceleraram o passo, certamente dispostos a atacarem-no, Tomahawk saltou para um lado no preciso instante em que duas detonações quebravam o silêncio da noite e dois projéteis passavam a roçar-lhe a cabeça.
Se alguma coisa o jovem Tomahawk havia aprendido no Este, além de um grande número de leis, foi o manejo dos revólveres. Não usava mais do que um; tratava-se de um «Colt» de calibre quarenta e cinco, que lhe pendia ao lado direito, mas com um coldre dos mais modernos que se abria por um lado, sem necessidade de levantar a paleta que geralmente cobria a arma.
«Sacou» a uma velocidade incrível e disparou duas vezes consecutivas, guiando-se pela sua vista de águia que perfurava as trevas e que lhe permitiu ver as silhuetas dos dois adversários, os quais, ainda por cima, haviam denunciado a sua posição pelos fogachos que brotaram dos seus revólveres.
Walter Payton e Joe Hine caíram para sempre, com um balázio entre as sobrancelhas. Compreendendo quão perigoso seria para ele permanecer ali, Tomahawk correu rapidamente e penetrou no hotel, entrando no seu quarto e fechando a porta à chave.
Pouco depois ouvia o rumor das pessoas que se haviam juntado à volta dos dois corpos e, assomando ligeiramente à janela, pôde ver que um homem iluminava os cadáveres com um candeeiro a petróleo e que muitos outros comentavam em voz alta o ocorrido, perguntando-se quem poderia haver inaugurado a época de violência que não tardaria a apoderar-se da povoação, que até então vivera imersa na falsa tranquilidade que o seu dono, o omnipotente Archibald Delastone, procurava dar-lhe.
Sentando-se no leito, Tomahawk entregou-se a amargas reflexões. Acabava de compreender que os livros sobre leis que trazia não iriam servir-lhe de nada. Tão-pouco seria útil escrever ao major Lenver, porque Archibald, certamente, se encarregaria de controlar todo o correio, se era que o não fazia já, que saía de Pueblo para o Este. Era, portanto, no campo da violência que Tomahawk deveria mover-se. Embora lhe repugnassem tais processos, não tinha outro remédio senão aceitá-los.
A luta iria desencadear-se a partir daquele momento, mas ele não a temia. Sabia que não teria apenas de se proteger contra os homens de Archibald Delastone; os índios procurá-lo-iam, pois sabiam, pelas suas manifestações na tenda do novo chefe, que estava disposto, como bom «cheyenne», a lutar até à morte por uma causa que considerava justa.
Meditando, chegou à conclusão de que não se seria fácil ficar ali, em Pueblo. Forjou então um atrevido plano e pensou que para o pôr em execução seria melhor desfazer-se das vestes que os «rostos-pálidos» lhe haviam proporcionado, voltando a ser, deste modo, o que sempre fora: um guerreiro «cheyenne» disposto a lutar pelo seu povo.
E naquela mesma noite, antes que amanhecesse, montando o cavalo que havia deixado num estábulo vizinho, Tomahawk afastou-se a galope da povoação dos «rostos-pálidos», detendo-se, pouco depois, para arrancar, com raiva, as roupas que havia trazido do Este; quase nu, à maneira dos «cheyennes», afastou-se para as montanhas com um propósito no cérebro e a decisão de o levar por diante, custasse o que custasse.
Agora tinha a completa certeza de que algo de verdadeiramente perverso se havia tramado, algo que ia contra a letra e o espirito do tratado assinado por seu pai. Já não tinha a menor dúvida de que assim acontecera, e enquanto se afastava, a cavalo, cerrou os punhos, jurando a si mesmo que não descansaria enquanto não fizesse pagar aos culpados a traição que haviam cometido.

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