segunda-feira, 14 de maio de 2018

BIS133.8 Um sovina na terra da promissão

Na penumbra que inundava o aposento, Elvis Emerson parecia um Buda. Sentado na grande cadeira, que mal chegava para conter-lhe corpo obeso, tinha as mãos entrelaçadas sobre o peito e as feições paradas e impenetráveis. Olhava em frente, para o espaço que a luz, entrando pela janela, deixava às escuras. Talvez por reflexo de alguma coisa pintada, de verde, a escassa iluminação punha tons esverdeados na pele do homem, o que o tornava ainda mais parecido com Buda. Com voz lenta, mal movendo os lábios, disse:
— É muito estranho tudo o que me contas... Nos nossos cálculos não entrava a presença de Franck Bryce na caravana.
Seguiu-se um silêncio, findo o qual Emerson continuou, como se falasse consigo próprio:
— Weiss foi um estúpido, estragou-nos o negócio... Por outro lado, porém, não me desgosta que tenha sido assim, pois não duvido de que acabariam por atacar Bryce e eu já lhes disse que não quero ter a pesar na consciência o sangue desse rapaz.
Perdeu um tanto o ar de deus oriental ao estender a mão para um copo de cerveja, que levou aos lábios.
Ninguém imaginaria Buda com os beiços rociados de espuma de cerveja! Depois limpou a boca com a mão, voltou a olhar para o interlocutor que permanecia na obscuridade e, como uma bomba que rebentasse inesperadamente, gritou:
— Imbecis, cobardes, traidores!
Ao mesmo tempo, bateu tão violentamente na mesa, que o copo de cerveja saltou e caiu para o chão, com o consequente tilintar de vidros partidos.
Deu novo murro na mesa, mais violento ainda, e o móvel estalou, fazendo tremer o aposento. Depois Emerson recostou-se na cadeira e ouviu-se uma voz receosa:
— Não deve zangar-se também comigo, senhor Emerson. Já lhe disse que me opus ao que pretendiam fazer ao rapaz e vim avisá-lo do que tramam...
— As minhas palavras não te eram dirigidas, reconheço a tua lealdade e saberei agradecer-te. Aí tens, para começar.
Atirou pelos ares um objeto que foi parar ao meio da casa, e logo mão ávida se estendeu e apanhou o maço de notas que Emerson arremessara.
— Obrigado, chefe! Já sabe que se lhe puder ser útil...
— Informa-te de quando Bryce chega à cidade e, depois, do local onde se hospedar. E não me percas de vista essa parelha de néscios, não vão meter-se com o rapaz antes que nós possamos deitar-lhe a mão!
///
Até ao ano de 1845, o Lago Salgado estava muito longe de ser uma urbe populosa. Os mórmones, que chegavam em vagas sucessivas ao que poderiam chamar-se a sua terra da promissão, preferiam instalar-se em cabanas toscas que eles próprios construíam, nos arredores, perto do pedaço de terreno que cada qual escolhia para a sua precária agricultura.
Numa noite do mês de Agosto, do turbulento ano já mencionado, dois cavalos de aspeto fatigado entraram na rua principal do povoado e o primeiro deteve-se, como se já soubesse o caminho, à porta de uma taberna.
— Não posso oferecer-lhe hotel — desculpou-se o rapaz — pois aqui não o há; mas estou certo de que nesta casa encontrarão uma cama onde poderão descansar do último galope.
— Tenho a certeza de que qualquer catre me servirá, tão cansada estou — afirmou a rapariga, estendendo dissimuladamente os membros doridos.
— E a ti, amigo? — perguntou o homem, acariciando os cabelos do pequeno. — Queres já uma cama, ou preferes primeiro uma boa ceia?
— O quê?... Ah, não sei... Tenho tanto sono! — respondeu Alfredo, que pareceu acordar naquele momento.
Agarrando Graça por um braço e o garoto por outro, o rapaz entrou na taberna, no meio dos olhares curiosos dos frequentadores. Sem fazer caso, Bryce explicou à rapariga, enquanto se dirigia para o balcão:
— Vais conhecer Donna, a patroa da casa, um coração de ouro com uma cara de vampiro... Um pouco velhota, sem dúvida...
— Franck! Ladrão! Até que enfim te lembras dos velhos amigos! — gritou uma voz feminina, esganiçada.
Graça voltou-se para o lado de onde vinha a voz e viu, junto de uma porta perto do balcão, uma loura esplendorosa, bonita e opulenta de carnes, que envergava um vestido de ramagens coloridas. Bonita, sem dúvida, mas não tão jovem que Graça sentisse ciúmes do que a taberneira fez: correu de braços abertos para Bryce, o qual a levantou ao ar, como se se tratasse de uma boneca.
O rapaz fê-la rodopiar duas vezes e, por fim, a mulher pespegou-lhe dois beijos sonoros na sara, dois beijos que tinham muito de maternais.
De novo no chão, Donna, com a maior naturalidade, segurou as mãos de Graça, abriu-lhe os braços e percorreu-lhe o corpo com o olhar, de alto a baixo.
— Bela moça, Franck! — exclamou, com uma piscadela de olho.
Alfredo quase não deu por que a simpática mulher o beijou também, carinhosamente. Graça gostou da confiança e naturalidade com que a outra os recebia e deixou-se levar, de bom grado para a porta de onde Donna surgira.
No entanto, ao dirigir-se com os recém-chegados para o andar de cima, a mulher perguntou a Bryce, muito séria:
— Houve novidade, não houve, Franck? As pobres criaturas dão a impressão de terem passado pelo menos um mês no lombo de uma mula!
— Não tanto, Donna — respondeu o rapaz, a sorrir. — Mas pelo menos há cinco dias que andam no de um cavalo! Tratarás deles, querida?
Ela fitou-o com fingida irritação, mediu outra vez os dois irmãos de alto a baixo, e sentenciou:
— Um bom caldo e uma cama melhor é do que precisam, por agora.
Em seguida abriu a porta de um quarto e sorriu a Graça, com bondade:
— Queres ficar com o teu irmãozito, não é verdade, filha? A cama deste quarto é enorme e dará à vontade para os dois. Vá, instalar-se!
— Obrigada, senhora...
— Qual senhora, qual nada, querida! Donna, e basta! Os amigos de Franck... Mas, espera, deixa ver...
Olhou de novo a rapariga, como se lhe estudasse o corpo, e declarou:
— É uma pena! Se eu fosse um pouco mais delgada, ficar-te-iam a matar uns vestidos meus, assim... Bem, mas de qualquer maneira havemos de arranjar maneira de despires esses farrapos... Desculpa, creio que não tens culpa de viajar sem bagagem. Vou arranjar-lhes qualquer coisa quente, para se reconfortarem.
A porta fechou-se, depois de Graça lançar um último olhar de gratidão à mulher e a Bryce.
— Uma grande rapariga! — comentou o rapaz.
— Sim? Vê-se logo que é uma pequena decente...
— Não o nego, mas não era a ela que me referia: falava de ti, Donna!
— Dizes cada tolice! Como se fosse alguma coisa do outro mundo tratar bem os teus amigos! Não — pediu, ao ver que Bryce abria a boca para falar — não quero que me contes nada agora; primeiro tratarei deles.
Encontravam-se no pequeno corredor que dava para o estabelecimento, e Donna empurrou-o para lá.
— Espera-me no balcão bebe o que quiseres... Ah, já me esquecia! Calculava que aparecesses de um dia para o outro, pois ainda esta manhã o senhor Emerson perguntou por ti.
— O quê, o velho interessa-se por mim? Não é vulgar... Enfim, mas se me procura terei de comparecer...
— Em que embrulhada te meteste, rapaz? — perguntou-lhe a loura. — O senhor Emerson nunca se preocupou contigo e é significativo que, precisamente hoje que chegaste com esses forasteiros, mostre tanto empenho em ver-te.
— Sabes o que te digo? — perguntou Bryce, soltando-se-lhe das mãos. — Que esses forasteiros, como lhes chamas, morrem de fome lá em cima! Trata deles prometo contar-te tudo depois.
Franck dirigiu-se ao balcão e pediu um copo de «whisky». Agora que estava sozinho já ninguém o olhava com curiosidade, e pôde beber tranquilamente. Os pensamentos a que se entregou deviam ser agradáveis, pois os lábios abriram-se-lhe num sorriso.
— Que é isso, Franck? — perguntou-lhe Donna, do outro lado do balcão. — Agora também ris sozinho?
O sorriso do rapaz tornou-se ainda mais amplo, ao ver a mulher.
— Pensava... — começou, mas calou-se ao notar súbita seriedade de Donna, cujos olhos fitavam, com leve irritação, a porta de entrada.
Bryce voltou a cabeça e compreendeu imediatamente o enfado da taberneira: um homem de idade avançada e altura regular, mas que a excessiva corpulência quase fazia parecer baixo, acabava de entrar no estabelecimento. Aproximou-se do balcão e pediu à mulher, que continuava a fitá-lo do mesmo modo:
— Uma caneca de cerveja, Donna.
Bryce observava-o com um sorriso, como que divertido. Viu o outro agarrar com mão papuda na caneca e despejá-la de um trago, limpando depois a boca às costas da mão.
— Como vai isso, Franck? Preciso de falar-te.
— Muito bem, senhor Emerson! Por mim, encantado, pode começar.
— Aqui não; a nossa conversa pode tornar-se demasiado longa... e ruidosa.
— Iremos para onde quiser — concedeu Bryce, com a maior tranquilidade.
Mas Donna, que os ouvira, interveio:
— Podem falar à vontade na sala do lado, ninguém os incomodará.
Emerson lançou-lhe um olhar de desagrado, mas a mulher soltou um suspiro de alívio quando o ouviu dizer:
— Está bem, seja.
A loura saiu do balcão e conduziu-os a um pequeno aposento existente no corredor que dava para a escada. O mobiliário compunha-se apenas de uma mesa e meia dúzia de cadeiras. Emerson instalou-se numa delas e ordenou a Donna:
— Traga-nos uma garrafa de «whisky» e não deixe ninguém incomodar-nos.
Apontou ao rapaz uma cadeira na frente da sua e disse-lhe:
— Sentir-me-ei melhor se te vir sentado... — pigarreou, e prosseguiu: — Ouve, Franck, tenho aqui cinquenta mil dólares que serão teus se desapareceres imediatamente da cidade e prometeres nunca mais voltar.
Apesar de esperar qualquer coisa sensacional, o rapaz escancarou os olhos, varado de espanto. O outro insistiu:
— Que dizes? Cinquenta mil dólares.
Bryce conseguiu por fim soltar um assobio, admirado, e recostou-se na cadeira.
— Mas isso é uma fortuna! — Estudou durante alguns instantes o rosto do gordo e declarou: — De acordo, mas com uma condição: preciso de saber por que me dá esse dinheiro todo assim, sem mais nem menos.
— Não achas cinquenta mil dólares dinheiro suficiente para se embolsar sem fazer perguntas?
— Lamento, senhor Emerson, mas não posso aceitar — afirmou o rapaz, refeito da surpresa.
Um braço do velho chocou com a garrafa, violentamente, e atirou-a contra a porta, onde se partiu com o natural estrépito.
— Com mil raios, já calculava! — gritou Emerson, levantando-se e debruçando-se sobre a mesa com os olhos a brilhar de cólera. — És tão teimoso como a tua mãe!
Bryce olhou-o de tal modo, que o velho pareceu atemorizado, pois sentou-se de novo e apoiou a cabeça nos braços, em cima da mesa. O rapaz quase sentiu pena dele. Por fim, levantando a cabeça apenas o suficiente para olhar aquele a quem chamara teimoso, o velho murmurou, mais docemente:
— Está bem, dir-te-ei quais são os meus motivos: sei de dois miseráveis que prometeram matar-te... Culpam-te da morte de Weiss e. decidiram vingá-lo...
Franck interrompeu-o, com alegre ironia:
— Está com pena de ver-me morrer tão novo, não é? intimamente tornou-se muito altruísta, senhor Emerson! Sabe o que penso? Que há quase vinte anos vivemos na mesma terra e é esta a primeira vez que me dirige a palavra! Curioso, não acha?
A cabeça do velho moveu-se, numa negação.
— Não! — gritou-lhe Franck. — Não quero o seu dinheiro para nada! Queimar-me-ia as mãos, porque é o produto dos seus roubos e rapinices! Sei tudo, Emerson, é você o organizador dos assaltos às caravanas! Weiss, Kirby, Gálvez, e tantos outros, obedeciam e obedecem às suas ordens!
Primeiro, o rosto de Emerson traduziu surpresa; mas a pouco e pouco recuperou a impassibilidade habitual.
— Então pensas denunciar-me? — perguntou, muito calmo.
— Naturalmente! — respondeu, num tom de provocação. — Tenciono fazê-lo amanhã mesmo.
Suportou o olhar do outro, que parecia querer ler-lhe nas pupilas o que lhe ia na alma.
— Apesar de eu...
— Apesar de você ter sido o homem que me engendrou — cortou Bryce, com os olhos raiados de sangue.
As palavras do rapaz foram um rude golpe para o velho, que baixou o olhar e cujas feições adquiriram uma expressão aparvalhada.
— Sabias que era teu pai e chegaste a pensar em denunciar-me, em perder-me...
— Um momento, senhor Emerson! Não disse que o senhor era meu pai, mas apenas o considerava o homem que, da maneira mais vil, abusou da minha mãe!
Como se o picassem, Emerson estremeceu e, colérico, replicou:
— Mentes! Pretendes insinuar que és um bastardo meu, e isso não é verdade! Tua mãe era minha legítima esposa... Sou mórmon, e como tal podia casar com cinco mulheres, como casei.
Mas se o velho estava colérico, o rapaz não o estava menos, pois levantou-se e avançou para ele, ameaçador:
— Sim, é verdade, casou! Que casamento! Uma infeliz que raptaste e obrigaste a aceitá-lo entre martírios! Mas quando, na primeira ocasião, ela fugiu do teu carro para perder-se na pradaria, que fizeste? Nada! Cruzaste os braços e deste graças pela sua fuga... os teus apetites de besta estavam saciados e não te interessavam já correr atrás da infeliz...
— Cala-te, por favor, cala-te!
Mas, sem lhe obedecer, Bryce soltou uma risada e prosseguiu:
— Surpreendes-me, senhor Emerson! Tu, o cabecilha de uma quadrilha de assassinos sem escrúpulos, a impressionares-te com as minhas palavras! Não foram poucos os garotos e as mulheres inocentes que perderam a vida às mãos da canalha que mandavas assaltar as caravanas... •
Havia tanta fadiga no rosto do velho, que Bryce, talvez compadecido, calou-se e desviou o olhar.
— Não posso contradizer-te em nada... filho. Também não te enganarei dizendo-te que, apesar de tudo, te quero. Não conheço esse sentimento, para senti-lo devíamos ter lidado um com o outro há mais tempo... Além disso, não vejo em ti nada em que me reconheça, saíste em tudo à tua mãe. Até nesse orgulho indomável que não consegui vergar. Mas... ontem soube que dois homens te haviam condenado à morte e qualquer coisa se revoltou em mim. Tens sangue meu, apesar de tudo, e foi isso talvez que me levou a dar este passo...
O rapaz virou um pouco a cabeça e escutou-o, ao que parecia esquecido já da cólera.
— Não é em vão que tenho cinco esposas, os meus filhos contam-se por dúzias e quase não os conheço a todos. Já pensaste que, por muito que lhes deixe quando morrer, não terão nada que se pareça com cinquenta mil dólares? Aceita-os, rapaz, e vai-te, tirar-me-ás um grande peso de cima.
— Não sei que juízo fazer das tuas palavras nem da tua proposta... avô — disse Franck que, apesar de tratá-lo por tu, não sabia que nome lhe dar. — Quero crer que existe em ti uma sombra de arrependimento, e isso alegra-me. Façamos outra coisa: dou-te o prazo de vinte e quatro horas para seres tu a desaparecer do Lago Salgado; assim não poderão apanhar-te.
Emerson levantou-se e observou, com tristeza:
— Tenho tentado salvar-te a vida, não hoje apenas, há muitos anos já, e continuarei a fazê-lo. Simplesmente a minha solução não merece grande confiança. Esses miseráveis que querem matar-te conluiaram-se com a minha gente e pode acontecer que, quando pedir a uns que se revoltem contra os camaradas, seja contra mim que se rebelem. Mas tu assim o quiseste ...
E, como se de súbito houvesse envelhecido muitos anos, Emerson caminhou lentamente para a porta, de cabeça baixa, sem que o filho encontrasse uma palavra de despedida.
Abriu a porta e deu de cara com Donna, a qual devia ter estado à escuta. O velho, porém, não se importou com a evidente indiscrição da mulher e, quase a arrastar os pés, dirigiu-se para a sala.
Bryce permaneceu imóvel, com os braços cruzados no peito, sob o olhar severo de Donna, que se aproximou.
— Não me agradou nada o que ouvi — disse a mulher. — Foste demasiado duro com o velho. Pode ser muito canalha, mas só faltou cair de joelhos a teus pés... Ou tê-lo-á feito?
— Foi-me impossível fazer-lhe a vontade. Não por ele, mas pela camarilha de assassinos que o rodeiam. Partir, agora que poderei ajudar a prender esses canalhas? Não, Donna.
— Não sejas pior do que ele, Franck. Sempre o considerámos um homem sem coração, mas hoje... Apesar de tudo é teu pai.
O rapaz, apertou a testa entre os dedos e, depois, encaminhou-se com a taberneira para a porta.
— Custa-me reconhecê-lo, mas aconteceu algo extraordinário. Sempre julguei que não me importaria com o que sucedesse a esse homem há tanto tempo odiado, porém... Mas não posso, Donna, não posso. Antes de mais nada há esses assassinos, foram eles que mataram o pai de Graça e eu hei-de vingá-lo!
O rapaz encostou-se de novo ao balcão e a mulher serviu-lhe uma bebida.
— É muito tarde. Vou correr com o resto da freguesia e depois conversaremos um bocado... Ou preferes descansar?
Bryce fitou-a, com um sorriso forçado:
— Obrigado, Donna. Mesmo que quisesse não poderia dormir; far-me-á bem conversar contigo.
A mulher, que pouco antes mandara embora o empregado, dado o adiantado da hora, passou ela própria para o exterior do balcão e disse a um grupo de homens entretidos a jogar:
— Não lhes parece que por esta noite já chega? Toca a andar, por hoje basta.
Um dos homens levantou a cabeça das cartas e sorriu-lhe. Nesse momento as portas da taberna abriram--se e entrou um homenzarrão de aspeto sinistro, que deu três passos e parou.
As portas abriram-se de novo, desta vez para darem entrada a outro tipo, de menor estatura e corpulência do que o primeiro, ao lado do qual se postou. Deu um piparote ao grande chapéu, num gesto afadistado, pondo a descoberto as melenas arruivadas.
Donna, que foi a primeira a vê-los, não soube que dizer-lhes, embora as palavras lhe ocorressem em catadupas.
— Olá, rapazes, não os esperava tão cedo! — disse um dos que jogavam aos recém-chegados, levantando-se e dirigindo-se para um ângulo da sala.
Foram as palavras do jogador que atraíram a atenção de Bryce. Voltou um pouco a cabeça, viu o par que parecia querer traspassar-lhe as costas com o olhar, e voltou--se totalmente, encostando os rins ao balcão.
— O senhor Emerson não perdeu tempo em mandar--me o seu cartão de visita! — exclamou, sem parecer assustado.
Kirby, o homenzarrão, olhou-o com desprezo e disse:
— E porque havia de mandar-nos o senhor Emerson? O nosso assunto é particular, Bryce, não se pode andar por aí a matar os outros impunemente.
— Apraz-me que o reconheças, Kirby; assim custar-te-á menos quando chegar a hora de pagares os teus crimes. Esse ruivo que te acompanha também está convencido, como tu, de que quem as faz, as paga?
— É Pat, e era muito amigo de Gálvez e de Weiss — replicou o outro. — Quer, como eu, que pagues o que fizeste aos nossos companheiros.
Bryce tinha os cotovelos apoiados ao balcão e as mãos com as palmas voltadas para baixo, muito perto das coronhas dos «Colts», os quais sem dúvida tiraria com a maior presteza se visse algum movimento suspeito da parte dos dois homens e, também, do jogador que se afastara para o canto, à chegada dos vingadores de Weiss.
Eles, porém, pareciam empenhados em demonstrar-lhe que, de momento, não se serviriam das armas, pois Kirby tinha os braços cruzados e Pat afadigava-se, com ambas as mãos, a ajeitar o lenço sujo do pescoço.
Quanto ao terceiro homem, demonstrava as suas intenções pouco 'belicosas ao alisar, também com as duas mãos, o pretensioso bigodinho.
— Quando pensam cobrar essa dívida que, segundo parece, tenho para com vocês? -perguntou o rapaz, com um sorriso que pouco a pouco se dissipou.
— Que melhor ocasião poderíamos ter do que esta? — respondeu-lhe Kirby. — No Lago Salgado sabe-se que és um demónio com as armas, por isso não nos acoimarão de cobardes...
As palavras do homem foram abafadas por uma detonação, a qual não saiu dos revólveres de Bryce, que continuavam nos coldres.

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