sexta-feira, 11 de maio de 2018

BIS133.4 Confidências e novo pretendente

Sucedeu-se uma confusão momentânea. Alguns foram verificar em que- estado ficara o companheiro, outros — a maior parte — afastaram-se, receosos de que falassem em seguida os revólveres.
Josiah deu o braço ao vencedor, o qual por sua vez tomou Graça nos seus, e aconselhou-lhes, no meio do tumulto:
— Vão, filhos, refugiem-se no carro e permaneçam alerta. Vou tentar convencer Weiss a não se vingar, pois a luta foi leal. Não tenho, porém, muita confiança nos resultados: ele conta com muitos amigos na caravana...
Os dois jovens dirigiram-se rapidamente para o carro, no qual ficara Alfredo, e Bryce sorriu ao ver o garoto empunhando uma carabina descomunal para o seu tamanho, perto do veículo.
— Que é isso, rapaz? — perguntou-lhe. — Vais à caça?
Alfredo respondeu, muito sério:
— Não; ouvi a briga que se armou lá adiante e resolvi que, desta vez, não nos apanhariam desprevenidos. Agora cabe-me a mim defender a minha irmã.
Graça beijou-o, comovida, e Bryce comentou:
— Gostaria que esse bando de canalhas ouvisse o Alfredo; ficariam a saber que não estás tão só como julgam, que tens dois homens para defender-te.
A rapariga, debruçada ainda sobre o irmão, levantou a cabeça e fitou-o com um brilho especial no olhar:
— Obrigada... Franck.
Ao ouvir o seu nome pronunciado pelos doces lábios femininos, o rapaz sentiu percorrê-lo um arrepio de prazer. Mas limitou-se a tirar a carabina a Alfredo e a dizer:
— És um valente, pequeno. Agora rendo-te e ficarei eu de guarda.
Encostou a arma à roda do carro e agarrou no garoto, que deitou em seguida no banco.
— Toca a descansar, Alfredo. Um soldado deve estar repousado, para quando chega a ocasião de agir.
Graça sorria da seriedade com que o irmão representava o papel que a si mesmo atribuíra. Os dois jovens ficaram sós e a rapariga espevitou as brasas da fogueira onde fizera o jantar e perguntou:
— Apetece-lhe café, Bryce?
— Bryce? Outra vez? Há pouco senti-me feliz quando me tratou por Franck... Custa-lhe muito continuar a fazê-lo?
De novo viu o brilho especial dos olhos de Graça, que estava ajoelhada junto do lume.
— Não, Franck, pelo contrário. É curioso, mas desde o princípio tenho tido de conter-me para não te tratar por tu, com uma confiança inexplicável.
Franck deixou-se cair, de forma a ficar sentado, com as costas apoiadas a roda e a carabina ao alcance da mão. No centro do acampamento, extinguia-se lentamente a grande fogueira ao redor da qual pouco antes se reunira o grosso da caravana.
O silêncio descera sobre todos os carros e se, aqui e ali, alguém comentava os acontecimentos, fazia-o em tom baixo, num sussurro que não ia longe.
Bryce levantou a cabeça e contemplou os milhões de estrelas que brilhavam nas alturas. Logo os baixou, porém, atraído. pelo agradável cheiro do café que Graça lhe oferecia.
Em seguida a jovem sentou-se perto dele, na sua frente, com as mãos em volta dos joelhos ocultos pela ampla saia.
— Observei-te enquanto fazia o café — disse — e acho desnecessária agora a pergunta que pensava fazer-te.
— Sim? Adivinho de que se tratava: porque desbarato os meus anos a acompanhar caravanas através da pradaria?
Graça meneou a cabeça, afirmativamente, maravilhada.
— Sim, era isso. Sabes também porque não a fiz?
— Soube-o antes e, por isso, adivinhei o resto... Não foste a primeira pessoa a dizer-me que, em certas ocasiões, pareço mergulhar em êxtase ao contemplar a pradaria, de noite.
Graça levantou-se e foi sentar-se ao lado dele, como se pretendesse descobrir alguma vista que só a posição do rapaz permitia desfrutar. Bryce sorriu e passou-lhe um braço pelos ombros, atraindo-a a si.
— Não é isso, Graça — murmurou, compreendendo o seu gesto —, eu não vejo mais do que tu: os carros em círculo, além, mais adiante as ondulações do terreno e, sobre nós, este céu fantástico... Mas há mais alguma coisa... Há «ela»...
Seguiu-se um silêncio brave.
Mulher por fim, Graça repetiu:
— Ela?
Bryce apercebeu-se de que a rapariga queria soltar-se-lhe do braço, com o qual lhe rodeava agora a cintura, e alegrou-se intimamente por adivinhá-la ciumenta. Isso significava que...
— Sim, ela... O seu espírito mora na pradaria.
Ao mesmo tempo, apertou-a mais ternamente e Graça apoiou a cabeça no seu peito e desculpou-se:
— Perdoa, sou uma estúpida. Magoou-me que falasses noutra mulher...
Bryce pegou-lhe no queixo e obrigou-a a fitá-lo:
— Suplico-te que não queiras mal a essa outra mulher: trata-se de minha mãe.
Todas as dúvidas da jovem se esfumaram de súbito, e Bryce notou-o ao sentir o corpo da rapariga abandonar--se contra o seu, deixar de resistir à pressão do seu braço.
— Perdoa, Franck, mas não podia adivinhar de quem se tratava. Agora compreendo: tua mãe morreu na pradaria e tu crês encontrá-la na solidão da noite, não é?
— Sim... é uma verdadeira obsessão. Preciso desta constante peregrinação pelo imenso cemitério que, para mim, é a pradaria. Parecer-te-á estranho, mas ignoro em que ponto desta região jaz minha mãe.
O tom da voz do guia parecia convidar às confidências, e por isso Graça perguntou:
— Estava só, então? E teu pai?
Mas logo se arrependeu. Bryce moveu-se, inquieto, e ficou calado. Passado um bocado, indagou:
— Qual é o verdadeiro significado da palavra pai? É pai o que nos engendrou ou aquele que nos ajudou a crescer e alentou com a sua ternura? Eu tive dois pais, embora, na realidade, só reconheça um: aquele que me fez homem.
O assunto era espinhoso, e a jovem receou continuar a falar num caso que indubitavelmente magoava o companheiro.
— É melhor recolhermo-nos: amanhã, como sempre, teremos de madrugar.
Bryce pensou detê-la, explicar-lhe as suas palavras, e ainda a segurou, quando ela se levantou; mas depressa desistiu de fazê-la participar dos seus pesares: demasiadas mágoas tinha ela, já, para que as aumentasse com as suas.
Acariciou-lhe a mão e murmurou apenas:
— Boas noites, querida.
Bryce colocou a carabina entre os joelhos, resolvido a ficar de guarda toda a noite. Depois perdeu-se em meditações. Não precisava de rebuscar o cérebro à procura de ideias, estas vinham-lhe do exterior; aquelas luzinhas que brilhavam no infinito deviam ser as mesmas que sua mãe contemplara nas noites em que também acampara em...
Aos seus ouvidos chegou um som estranho, que depressa identificou: alguém caminhava no interior do círculo de carros, mas quem quer que fosse fazia-o sem precauções, sem receio de ser descoberto.
Perscrutou as trevas e distinguiu uma sombra que juraria avançar na sua direção. As suas mãos seguraram a carabina, prontas a manejá-la. Não lhe restavam já dúvidas, a pessoa em questão acercava-se do seu carro, ou melhor, do de Graça Knox. Bryce ergueu-se, seriamente alarmado, e apontou a arma ao indivíduo, o qual estacou a poucos passos.
— Quieto, Weiss! Qual é a sua intenção? Será tão insensato que venha procurar-me a estas horas? Podia tê-lo abatido, tomando-o por algum assaltante.
— Procurava-o de facto, Bryce, mas não pelo que julga. Teremos tempo de ajustar contas mais tarde. Vinha informá-lo de que aconteceu qualquer coisa ao venerável Josiah.
O guia não acreditou nas suas palavras, que podiam ocultar uma armadilha, e continuou a apontar-lhe a carabina. Mas Weiss continuou:
— Mataram-no... Uma flecha, compreende? Parecida com aquela que matou o Knox. Agora sou eu o encarregado da expedição e por isso vim consultá-lo, como perito da pradaria. Acha que devemos dar o alarme ou pensa que quem quer que foi não voltará esta noite?
Falava com demasiada sinceridade para que Bryce continuasse a duvidar. Aproximou-se do outro e disse--lhe:
— Quero vê-lo... Depois lhe direi o que penso.
O outro voltou para trás, silenciosamente seguido pelo jovem. Chegados ao carro de Josiah, Bryce contemplou o corpo mirrado do velho estendido num colchão, com a tez tão branca como as brancas barbas que usava.
Duas mulheres gemiam junto do cadáver, sob o olhar severo de um homem que parecia vigiá-las. Weiss estendeu ao guia uma flecha de características idênticas às da que matara o pai de Graça.
— Parece que lhe atravessou o coração — explicou, e depois apontou as duas mulheres: — Que diz, deixamos as infelizes chorarem à vontade o pobre avozito? Será o mesmo que dar o alarme no acampamento...
Foram inúteis mais dissimulações, pois não muito longe soou uma voz que gritou:
— Assassinos! Mataram Patrick! Socorro!
E, por entre um coro de carpideiras femininas, ouviu--se uma voz de homem:
— Os índios! Os selvagens atacam-nos! Às armas!
Se alguém lucrou com o bulício que irrompeu pelo acampamento, foram as duas esposas de Josiah, as quais começaram a lamentar-se com grande alarido, sem que ninguém as impedisse.
Bryce saltou do carro, preocupado apenas com encontrar Graça e oferecer a sua ajuda aos dois irmãos. Várias detonações feriram a noite e o rapaz maravilhou-se com a coragem de uma mulher que, junto de um carro, carregava afanosamente meia dúzia de escopetas antigas.
Graça apareceu a correr, com Alfredo pela mão, o qual por sua vez empunhava de novo a enorme carabina.
— Que loucura! — gritou-lhes o guia. — Para o carro! Depressa, é o lugar mais seguro.
E, agarrando no pequeno, obrigou-os a recolherem. Uma vez aí, ficou um momento com a cabeça inclinada e, depois, sorriu e sentou-se num caixote, a enrolar um cigarro com a maior tranquilidade.
A rapariga seguia-lhe os gestos, com os olhos desmesuradamente abertos. Ele sorriu-lhe de novo, enquanto acendia um fósforo e o aproximava do cigarro.
— Os doidos! Não há peles-vermelhas, compreendes? Assustaram-se e disparam contra as próprias sombras... Será uma sorte não se matarem uns aos outros... Ora escuta... As detonações soam Unicamente dentro do acampamento!
Graça compreendeu e sorriu também.
— Como se terão confundido? — perguntou. — Na realidade não houve confusão, pois o pobre Josiah e, pelo menos, um outro, foram mortos por flechas...
— Sim, como o teu pai.
Pisou o cigarro, irritado. O tiroteio abrandara.
— Vou ver o que aconteceu e se podemos fazer alguma coisa. Mas vocês não saiam daqui, hem?
A confusão tornara-se maior na caravana imobilizada. Ninguém disparava já, mas as vozes humanas substituíam com vantagem os gritos da pólvora, saíam roucas das gargantas assustadas e perguntavam onde estavam os índios e quantos homens haviam perecido na peleja. Não duvidavam de que tinham lutado com um inimigo e de que este fugira ante a enérgica defesa dos mórmones.
Quando Bryce passou por um carro ouviu a voz azeda de uma velha, que dizia:
— Ali vai o senhor guia! Para que diabo pagamos a um tipo tão inútil que mais não faz do que meter-nos em terras de índios? Ah! Que se eu fosse homem! Ou se não tivessem matado tão traiçoeiramente o meu Donald!
O rapaz reconheceu a língua viperina de Marta, uma das viúvas do miserável Powell, e continuou o seu caminho, sem prestar-lhe atenção. Ao chegar junto de Jeffrey Weiss, agora chefe da expedição, reparou que ainda empunhava uma carabina.
— Quantos julga que são? — perguntou-lhe o mórmon.
— Os mortos... ou os índios?
— Os selvagens, naturalmente! — exclamou o outro, surpreendido.
— Nenhum... Ou, quando muito, um apenas, que deve ter fugido há muito tempo.
— Não compreendo, Bryce... Se eu próprio disparei!
— Você, como os outros, disparou contra fantasmas! Eu explico-lhe o que aconteceu: o imbecil que descobriu o segundo morto com a flecha desatou a berrar que eram índios, alguém disparou sobre uma sombra e armou-se a balbúrdia...
Weiss baixou a cabeça, como que envergonhado de ter caído em semelhante erro. Naquele momento aproximaram-se dois homens, um dos quais disse:
-- Terrível! Mataram três dos nossos... O pior é que os selvagens têm carabinas.
Os olhos do rapaz brilhavam na noite, tal a intensidade e a dureza com que fitavam Jeffrey Weiss. Este acabou por baixar de novo a cabeça e por confessar:
— Parece que nos confundimos, rapazes, e que ninguém nos atacou... Nós próprios é que... Claro que isso terá ainda de comprová-lo o senhor Bryce — concluiu, levantando a cabeça e olhando o guia num desafio.
— Será fácil comprová-lo; saiam para além dos carros e procurem entre as ervas, aposto que não encontrarão vestígios de peles-vermelhas.
Aquela hora os homens não se atreveram a tanto, mas mal rompeu o dia seguinte organizaram uma batida aos arredores. Inutilmente, apesar de terem procurado várias milhas em redor. Duas horas depois, o substituto de Josiah, Jeffrey Weiss, dava a ordem de partida da caravana.
Debruçada do último carro, Graça dizia adeus, com um aceno de mão, ao único cavaleiro que ficara para trás: Franck Bryce, o guia da expedição. O rapaz decidira explorar as proximidades, pois como dissera a Weiss receava que as três mortes fossem obra de algum pele-vermelha transviado.
Não era raro encontrarem-se nas planícies selvagens solitários: «utes» ou «kiowas» que, afastados das suas tribos, deambulavam pela pradaria cheios de instintos homicidas.
Dias antes, Bryce procurara a pista de um grupo de guerreiros; agora procurava a de um único, o que tornava mais minuciosa a sua tarefa.
A rapariga meteu-se dentro do carro quando perdeu o guia de vista, não porque a marcha da caravana fosse tão rápida que o deixasse para trás, mas porque Bryce partiu a galope para leste, afastando-se do seu caminho.
Em seguida a jovem tirou as rédeas das mãos do irmão, que conduzira enquanto durara a muda despedida dos dois.
— O Franck é um tipo formidável! — comentou o garoto. — Gostas dele, não gostas, Graça?
A irmã sorriu, acariciou-lhe a cabeça e respondeu, mentindo:
— Precisamos de um homem forte para defender-nos, não é verdade? Pois então é preciso ser amável com o senhor Bryce!
O pequeno olhou-a de soslaio e replicou, malicioso:
— Ora, ora Graça! Confessa que gostarias de que o Franck fosse teu marido...
A irmã ia a dar-lhe uma palmada, para castigá-lo do atrevimento, mas deteve-se ao ver aproximar-se outro cavaleiro: Weiss. Sem poder evitar uma careta de aborrecimento, respondeu secamente à saudação do homem e dedicou toda a sua atenção à condução dos animais. Sem se perturbar com a frieza do acolhimento, o chefe da caravana continuou a sorrir-lhe e a cavalgar ao lado do carro.
— Graça, pequena... gostava de falar contigo. Queria pedir-te desculpa do meu procedimento grosseiro, a noite passada...
— Está desculpado, senhor Weiss — respondeu, sem desviar o olhar dos cavalos. — Agora pode retirar-se.
— Não esperava menos de ti, obrigado. No entanto tenciono insistir no assunto, claro que com melhores modos...
Graça pensou que os melhores modos que alardeava agora lhe deviam ter sido impostos pela lição que Bryce lhe dera na véspera. Ia a dizer-lho, mas calou-se, achando melhor não dar motivo a complicações.
— És uma rapariga encantadora... Sabes que me tiraste o sono desde o dia em que te vi pela primeira vez, em Independence? O Bryce adiantou-se-me e pediu ao Josiah que os admitisse na caravana, apesar de não serem mórmones, mas se assim não fosse eu próprio o teria feito.
A rapariga fitou-o e disse-lhe:
— Estou-lhe muito grata. Agora afaste-se e deixe-nos tranquilos, sim?
Weiss soltou uma gargalhada, como se acabasse de ouvir a coisa mais engraçada do mundo.
— Não sei como gosto mais de ti: se séria, se risonha. És adorável! Se soubesses como ardo em desejos de apertar-te nos braços!
Graça corou de vergonha. Olhou o irmão que, sentado seu lado, ouvia as palavras do homem, e gaguejou:
— Você é um... um... Não tem vergonha? Falar assim, diante de uma criança...
— Isso tem remédio fácil: manda o miúdo para dentro e poderemos conversar à vontade.
Mas Graça julgou ter ideia melhor. Desejosa de dizer ao atrevido duas verdades que a presença do irmão a obrigavam a calar, entregou as rédeas ao garoto e acolheu-se ela ao interior do carroção.
Weiss afrouxou o andamento da montada até ficar junto da retaguarda do veículo, à qual a moça assomou.
— Boa solução! — exclamou com um sorriso cínico.
— Sim, também desejava encontrar-me consigo a sós para chamar-lhe cobarde! Aproveita-se da ausência de Franck para...
— Oh, Franck! — troçou o outro. — Quem tivera a sorte de ser chamado assim por tão linda boca!
Debruçou-se sobre o pescoço do cavalo e murmurou, com ardor:
— Amo-te, Graça! Sou rico e tu serás uma rainha na minha casa... Não terás de trabalhar como as minhas outras mulheres, elas serão tuas escravas...
— Miserável! Odeio-o! Só vê-lo me enoja.
Mas Weiss não se perturbou e continuou a falar-lhe no mesmo tom. Graça compreendeu que perdia o seu tempo, pois o canalha suportaria todos os insultos sem dar-se por vencido, e decidiu pôr termo à entrevista.
Abriu os braços, agarrou as lonas e começou a corrê-las, porém o homem estendeu um braço e segurou numa delas. Irritada, a rapariga bateu-lhe na mão, mas Weiss desatou a rir e resolveu realizar os intentos, que até aí disfarçara. Largou a lona, para agarrar-se a ponto mais sólido onde pudesse apoiar-se, e saltou para dentro do carro.
Graça recuou, assustada. A cena repetia-se. Como, dias antes, acontecera com Powell, Weiss avançava com as mais loucas intenções. A jovem estendeu as mãos, com o rosto crispado de raiva, e em vez de fugir atirou-se ao homem como uma pantera, sem importar-se com a alegria por ele demonstrada ao prendê-la nos braços, enquanto ela procurava arranhar-lhe a cara com as unhas. Tentou afastar-se, convencida de que, mesmo que o ferisse nos olhos, o canalha não se defenderia, ensandecido pela febre de abraçá-la. Gritou o mais que pôde, como se estivessem a matá-la — e morte era, de facto, o nojo que lhe causavam as carícias do mórmon.
Acudiu-lhe o irmão, tão pequeno que pouco poderia fazer por ela, e atirou-se ao intruso aos socos. Weiss continuou, porém, a abraçá-la, alheio a todas as pancadas.
No entanto, a certa altura, talvez irritado com a interferência, empurrou o garoto violentamente. Como os três se debatiam perto das traseiras do carro, o pequeno desequilibrou-se e foi cair no chão pedregoso. Então não houve nada que detivesse Graça. Weiss largou-a, ao sentir os dentes agudos que se lhe cravavam na mão e um dedo, que parecia de' aço, entrar-lhe por um olho. Cobriu o rosto com as mãos, assustado.
Graça não lhe prestou mais atenção e saltou por sua vez do carro, indo cobrir com o seu o corpo do irmãozito que, inerte e de cara voltada para o céu, jazia com a cabeça sobre um pedregulho, onde batera com a nuca.

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