terça-feira, 15 de agosto de 2017

BUF015. CAP III. Uma nova família

John Campbell olhava o relógio a todo o momento. Ã medida que a diligência se aproximava de Rockville, o seu nervosismo ia aumentando. Havia instantes em que se arrependia da sua decisão. Não, não se devia ter arriscado àquela viagem. Contentava-se com a carta que prometera ao réu, e tudo seria mais fácil! Que tinha ele que ver com os Hubert? Que sabia dos seus problemas? Até podia dar-se o caso de não serem tão graves como eles haviam dado a perceber. E se tudo tivesse sido uma treta do pai e da filha para conseguir que David regressasse ao lar? Estes pensamentos e muitos outros martelavam-lhe o cérebro desde que havia três semanas saíra de Tuscaloosa. E agora, quando faltavam apenas duas horas de caminho, as suas apreensões tinham chegado ao paroxismo.
Viajavam com ele uma mulher histérica que não fazia senão lamentar-se do pó que entrava pelas gretas da porta e dos vidros; um homem intrometido que não parava de dar à língua; um tipo esquálido, a seu lado, que dormia vinte e três horas por dia, e que tinha a triste ideia de apoiar a cabeça no seu ombro e, por último, um mestiço que não devia conhecer a sensação que produz a água no corpo.
— Hoje, pode-se viajar — comentava o charlatão. — Já lá vão os tempos em que uma pessoa, quando tomava a diligência, nunca tinha a certeza se ia chegar ao seu destino. Haviam de ter conhecido Bill «Renegado»! Punha-se no meio da estrada com duas pistolas nas mãos e imediatamente os condutores detinham os carros! E ai de quem não o fizesse! Tinha uma pontaria assombrosa. Arrancava as asas dum mosquito só com um tiro! Aquilo é que eram tempos! Havia emoção, romantismo, e uma porção de coisas que se foram para nunca mais voltar! Hoje é mais perigoso andar nas ruas do que _viajar numa destas caranguejolas.
— Isso diz o senhor! replicou a histérica, soprando e limpando o pó da manga. — Vou chegar a Rockville com os pulmões cheios de terra. E veremos se não apanho. uma infeção!
O palrador voltou à carga e disse mirando John de alto a baixo:
— O senhor é jovem, Mr. Hubert, e não conheceu a minha época. A época de ouro no Oeste. Já sei que vocês viajam com pistolas, mas, diga-me: para que servem? Eu lhe direi! Para disparar um tiro no dia quatro de Julho ou, talvez, para experimentar a pontaria no tiro ao alvo! Bah! Nos anos a que me refiro, faz uma década, o revólver significava para um homem tanto como o seu pão diário. Olho vivo e pé ligeiro, se se queria ver o sol no dia seguinte! Vi dois homens aos tiros um ao outro só porque se encontraram num caminho estreito em direções opostas querendo ambos passar pelo mesmo lado! Bah! Uma recíproca olhadela, sem pronunciarem palavra, um movimento rápido sem pestanejarem e pam!... um cadáver no solo. Hoje encontram-se dois homens em idênticas condições e cedem um ao outro a passagem, sorriem, tiram o chapéu e acabam por ir beber um copázio juntos! Falta de virilidade! o que é!...
De repente, a diligência deteve-se e os viajantes, com a brusquidão da travagem, chocaram uns com os outros.
A mulher soltou um grito.
— O000h!... Meti Deus, isto é o fim do mundo!...
O magrizela estatelou-se no chão dá carruagem e continuou dormindo.
O charlatão soltou uma blasfémia e exclamou:
— Isto nunca acontecia dantes! Havia esplêndidos condutores!
— Abram, abram! — gritou a mulher. — Quero aproveitar este descanso para respirar!
0 mestiço abriu a portinhola e a dama dispôs-se a sair. Quando tinha um pé no estribo e meio corpo fora, deu outro grito e meteu-se para dentro.
— Ai!... É o Bill! — exclamou com voz entrecortada. — Bill «Renegado»!... Está al!...
— Senhora — respondeu o dos tempos românticos. — Bill «Renegado» morreu há sete anos. Bem o vi morrer quando Joe «Sonrisas» lhe fez apanhar uma indigestão de cinco balázios no
estômago!...
Naquele instante, um homem de cara patibular apareceu à portinhola. Tinha um «Colt» em cada mão.
— Vamos, desçam todos! — ordenou. — Depressa!
Os viajantes obedeceram, à exceção do dorminhoco, e em terra puderam ver que os assaltantes eram três.
O charlatão não saía do seu assombro, e a mulher dizia:
— Com que então já passou a época de ouro no Oeste!... Que desgraçal...
— Vamos a calar, periquito! — tornou o mesmo indivíduo. Ao ver o viajante que dormia no chão deu-lhe um pontapé na cabeça e exclamou: — Eh, você!... Acorde!...
O magriço abriu os olhos, assustado, e ao ver as pistolas que lhe apontavam, pôs-se de pé dum salto. Quando estava junto dos seus companheiros, o da cara patibular perguntou:
— Qual de vocês é David Hubert?
Campbell deu um passo em frente, dizendo:
— Sou eu.
O outro observou-o dos pés à cabeça, trocou um olhar com os seus dois comparsas e todos três sorriram.
— É você, hem ?!... Fez uma viagem muito longa...
— De facto. Há três semanas em trens e diligências, mas, por fim, estou a chegar!
— Crê, realmente, que está a chegar?
— Homem, se não me enganei na diligência... Não 'é esta a estrada que vai para Rockville?
— Claro que sim. Mas é que a nós não nos apetece que você chegue!
Os bandidos riram fortemente.
— Não os entendo — contestou Campbell, fazendo cara ingénua. — Querem dizer que desejam levar-me a outro sítio?
— Estão a ouvi-lo? — perguntou um dos tipos, de nariz pontiagudo e lábio inferior descaído. — Que bom!
Lançou urna gargalhada que foi acompanhada pelos outros.
—É um pombinho do Este, não estão a ver? — exclamou o outro. Desde quando é que não nos encarregamos de um pombinho?
— Está a fazer uns meses! Mas o último era bravo! — replicou o que até então não tinha falado. — Diz a Hubert que o vais matar e o farás em bocadinhos! Ah, ah, ah!...
--É verdade que me vão matar? — inquiriu Campbell.
— Não temos outro remédio, meu rapaz — respondeu o que os tinha obrigado a descer do veículo. — Em Rockville já há muita gente.
Os foragidos riram de novo.
— Mas será tudo rápido. — continuou o segundo — Apertarei o gatilho, soará um estampido e tu não sentirás nada. Verás a suavidade.
Subitamente, as duas mãos de Campbell moveram-se; e, antes que transcorresse um segundo, dois «Colt» esgrimidos por elas retumbaram quatro vezes.
Os viajantes e o condutor da diligência não queriam acreditar no que estavam vendo.
O foragido da cara patibular e o de nariz pontiagudo tombaram no solo, e o terceiro deixou escapar as suas armas como se estas o queimassem.
A mulher deu mais um grito e desmaiou. Os seus companheiros estavam demasiado assombrados pelo que acabava de suceder e nem prestaram atenção, e ela, tão asseada, caiu sobre um montão de areia fina levantando uma nuvem de pó.
— Você, aproxime-se! — ordenou Campbell com voz dura.
O bandido obedeceu, mastigando em seco. A voz bailava-lhe na garganta.
— Não me matará -- gemeu compungido. —Estou desarmado. Cometerá um crime.
— E o que é que propunham fazer comigo? Passear-me até à beira do rio e mostrar-me o pôr-do-sol?
O outro não contestou porque o medo já se tinha apoderado dele fazendo-o engolir em seco.
— Você — disse o advogado, olhando o mestiço — veja se esses homens têm vida.
O aludido aproximou-se dos corpos inânimes e deu-lhes uma volta. Um tinha um orifício de bala no centro da fronte; e o outro, na altura do coração.
— Foram desta para melhor! Podem ir caçar bisontes na pradaria do outro mundo -- declarou o mestiço, endireitando-se.
— Bom! Ajude o condutor a colocar os cadáveres no porta-bagagens e depois fique ao lado dele. Preciso do seu lugar, no carro, para este cavalheiro. E vocês? Não sabem que há uma senhora na estrada?
O charlatão e o dorminhoco — desta vez bem acordado — apressaram-se a levantar a dama, reanimando-a com algumas palmadas na cara.
Pouco depois a diligência retomou a marcha.
Campbell tinha recolhido as armas dos assaltantes, guardando-as numa maleta que o da época romântica pôs à sua disposição. Agora vigiava atentamente o bandido que seguia vis-à-vis com ele. O silêncio que reinava desde que os cavalos partiram a trote, foi cortado pela passageira que voltava a si.
— É horrível! Em Rockville também se saúdam as pessoas assim?
— Pergunte a este cavalheiro! — respondeu-lhe Campbell com um sorriso, indicando-lhe o falador.
Este aceitou a oportunidade que se lhe oferecia e abriu o escape da sua verborreia.
— Por todos os Jesse James que tenham existido! Nunca vi um homem disparar com a sua rapidez! Presenciei a cena com estes olhos e ainda não sei como o conseguiu fazer! Eles tinham as pistolas na mão!
— É uma questão de um pouco de prática.
— Nada mais que um pouco? Eu trago revólver desde os catorze anos, e outro dia atirei contra uma lata e fui acertar numa vaca que pastava a vinte metros! Tive de pagar uma indemnização ao seu dono.
— Oh! Oh! Oh!... — lamentava-se a dama, contemplando o vestido coberto de pó. — Não estarei nem mais um dia neste 'lugar selvagem! Quando volta a diligência ao Este?
O esquálido, que abrira a boca várias vezes, fechou os olhos e adormeceu.
Os cavalos aceleraram a marcha como estimulados pela aproximação da meta dessa longa corrida, e hora e meia mais tarde chegavam a Rockville.
Alguns homens viram os cadáveres transportados na diligência e correram pela rua atrás dela, até que se deteve em frente à casa onde funcionavam os escritórios da empresa de viagens.
Campbell obrigou o seu prisioneiro a descer à frente.
Tinha enviado um telegrama, de Kansas, a Jonathan Hubert, anunciando a sua chegada para aquele dia. Os seus olhos percorreram os rostos dos que esperavam alguém ou que se encontravam ali por curiosidade. Estava nervoso, mais do que em qualquer outro momento da sua vida. Chegava a cena que tanto temia, te repente, o seu olhar encontrou-se com o de uma jovem, e o coração estremeceu-lhe. Na sua cara não havia nada de belo. Os olhos demasiado juntos, o nariz aguçado, a boca e as orelhas enormes. Não, não podia estar agradecida a uma Natureza que se tinha mostrado tão avara com os seus dotes. Uma voz, atrás de si, pôs fim à sua atitude contemplativa.
— O que é que se passou? Dedicaram-se a atirar contra os homens que viam pelo caminho?
A pessoa que assim falava tinha no colete uma estrela representativa do cargo que ocupava.
— Foi este viajante, o senhor Hubert — exclamou o condutor, que tinha saltado do banco.
Campbell observou os bigodes flácidos do xerife e disse: ,
— Quiseram dar-me afetuosas boas-vindas. Não tive outro remédio senão impedi-las...
— De modo que o senhor é David Hubert?!...
— Esperava-me?
— Ouvi dizer que vinha a Rockville e pode estar certo que sinto muito essa ideia!
Uma onda de murmúrios começou a levantar-se no grupo de curiosos, que crescia a pouco e pouco.
— Pode dizer-me porquê? — inquiriu o advogado.
— Presumia que a sua presença me vinha trazer dificuldades, e já vê que não me equivoquei.
— E a quem se devem tais dificuldades?
— Não o sabe? — perguntou por sua vez o xerife, entortando os olhos.
— Só sei que a minha chegada a Rockville não agrada a alguém. Foi o que me disseram esses
tipos, antes de começar a festa!
— Bem, já o porão ao corrente, quando chegar a casa.
— O senhor encarrega-se de prender este homem?
O xerife mirou o bandido, que até àquele momento se tinha limitado a escutar, com gesto
altivo.
— De que o acusa, senhor Hubert? — inquiriu a autoridade.
— De tentativa de assassínio!
— O senhor Hubert tem visões — protestou o foragido. — Dois tipos quiseram matá-lo a umas
vinte milhas de Rockville. Eu passava ocasionalmente por ali, limitando-me a contemplar a cena.
Campbell sorriu, e replicou:
— Você é um tanto ingénuo. Não pensa que cinco testemunhas viram o que, de facto, se
passou?
— Que testemunhas?
O advogado olhou em volta e só viu os curiosos. E ao reparar que o carro estava vazio o sorriso morreu-lhe nos lábios. O condutor desprendia um dos cavalos.
— Oiça... — chamou-o.
O condutor aproximou-se lentamente.
— Os passageiros?
— Já se vê que tinham pressa. Saíram a correr. Um deles até deixou a maleta.
— Ah, sim!... — murmurou Campbell, coçando o queixo. E depois de uma pausa acrescentou: — Você viu «aquilo»...
— O quê, cavalheiro?
— O assalto deste bandido e dos seus companheiros...
O condutor fixou quem lhe falava e depois deu uma olhadela ao xerife e ao facínora.
— Sim... na verdade, senhor... eu estava preocupado com os cavalos... eu...
— De acordo — interrompeu-o Campbell, e avançou até ao representante da Lei. — Não há acusação. Retiro a queixa.
O foragido perguntou:
— E agora dar-me-á as minhas armas?
O advogado consentiu com a cabeça, foi ao carro e voltou com a maleta convertida em arsenal. Durante uns segundos fixou insistentemente o assassino a soldo e, por fim, disse-lhe:
-- Será melhor que fiques também com as dos teus amigos. Eles já não as precisam e a ti pode ser que te ajudem a refrescar a memória...
— Isso é caso para ver — articulou o outro com fúria.
Campbell olhou para o xerife e perguntou:
— Acaso devo responder a uma acusação? –e apontou os mortos.
— Deixe isso por minha conta. Lionel, que você acusou, disse que atentaram contra a sua vida. O senhor liquidou-os em legítima defesa.
— Tira-me um peso de cima — replicou, ironicamente Campbell.
A autoridade afastou-se, e então o condutor pôs a mão direita sobre o braço do advogado.
— Senhor Hubert, eu queria-lhe dizer...
— Você já disse bastante!...
— Sinto imenso, mas tenho mulher e dois filhos.
Houve uma pausa. Depois Campbell cortou o silêncio.
— Compreendo-o. Não se preocupe.
— Obrigado, senhor Hubert. Se as coisas mudassem de rumo, ter-me-ia à sua disposição.
A jovem de nariz aguçado parecia esperar que ele se aproximasse. Campbell suspirou, fechou os olhos, e animando-se tanto quanto possível abriu caminho por entre os curiosos. Quando o separavam alguns metros dela, uma voz feminina, por detrás de si, fê-lo deter-se imediatamente.
— David! — chamaram-no.
O advogado fixou a dos olhos juntos, e logo girou sobre os tacões.
Instantaneamente uns braços rodearam-lhe as costas, um rosto aproximou-se do seu, e uns lábios cálidos beijaram-lhe a face direita.
— Oh, David!... Por fim, estás aqui!
Campbell sentiu uma grande ira contra si mesmo. Mas ao separar-se da jovem não teve tempo para consultar a sua alma. Diante dele achava-se a mais formosa mulher que lhe havia sido possível contemplar em toda a sua vida.
Os seus olhos eram intensamente azuis, plenos de vida; os seus lábios possuíam o fulgor deslumbrante da papoila silvestre; e a sua pele tinha a brancura do alabastro e a suavidade da seda. A cabeça, correta, estava revestida por um esplêndido cabelo, do qual o sol poente arrancava chispas de luz doirada.
O vestido, aos quadrados verdes, firmemente ajustado, contornava com exatidão as curvas suaves daquele busto juvenil.
— Dececionei-te, David? — perguntou Victória Hubert, sorrindo.
Campbell fez o melhor que podia ter feito, calou-se.
— Não dizes nada, querido? — tornou a perguntar ela.
— Oh, claro!... E que, bem, por uns momentos julguei que tu eras outra...
— Reparei nisso — exclamou rindo. — Não sei como me tinhas imaginado, mas eu digo-te o que tinha pensado de ti.
— Venha lá essa versão.
— Gorducho, baixito e com uma grande papada!
—E porque é que pensaste assim?
— Imagino que os homens de negócio do Este tenham esse físico. Graças a Deus tu não és igual!
— Pois a minha também saiu errada. Ao pensar em ti, via-te como uma rapariga enfezada, nariz de respingona, amarelenta e com a cara cheia de borbulhas!
Victória riu-se e disse rapidamente:
— Estamos a divertir-nos... Se o nosso pai sabe que ficámos na conversa, há descompostura para os dois! — Deu o braço a Campbell, indicando: — Vamos, o carro é aquele dos cavalos pretos.
O advogado foi buscar as malas e minutos depois sentava-se junto de Victória. Seguiram por um caminho que ele não sabia onde terminava. Preferiu calar-se e esperar o curso dos acontecimentos.
Foram em silêncio até sair de Rockville. Então, perguntou Victória:
— O que é que aconteceu?
— Ao que é que te referes?
— Sabe-lo perfeitamente. Havia dois mortos em cima da diligência. Ouvi o que disseste ao xerife.
— Deviam ter-se equivocado. Confundiram-me com alguém que possui dinheiro.
— Mas tu tens...
— Eu? Não tanto para que me ataquem. Depois de liquidar o meu negócio em Tuscaloosa e de descontados os gastos de viagem, ficaram-me uns 200 dólares.
— Não me referia a esse dinheiro, mas sim ao do nosso pai.
Campbell olhou a jovem de soslaio e articulou:
— Suponho que tudo isto tem relação com o que me disseste na tua última carta.
— Sim, é verdade! E o sucedido dissipará as tuas dúvidas acerca do que te escrevi. Eles sabem que tu és um novo perigo para os seus planos, e quiseram eliminar-te!
— Quem são «eles»?
— Gorman Burnet e Henry Grieser! E o que pretendem é apoderar-se da propriedade do nosso pai, seja como for.
— Porquê?
—São a melhor terra de pastos das redondezas. Burnet e Grieser assinaram um contrato de fornecimento de gado a uma companhia de Chicago, mas para cumprirem o estabelecido no documento, necessitam incrementar os seus rebanhos, e o único modo de consegui-lo é obtendo as nossas pradarias.
Campbell estava cada vez mais interessado nas palavras de Victória.
— E tu... e o pai? — perguntou. — Qual é a vossa situação?
— O papá foi o primeiro homem de Rockville que se atreveu a trazer cabeças de gado para reprodução por conta própria. Todos se riram dele. Diziam que só um louco se poderia atrever a enfrentar o vasto império de gado no Texas, quase o exclusivo fornecedor do Este. Mas o nosso pai é um homem de vontade férrea, e ao cabo de poucos anos os que troçaram dele, contemplaram com assombro e inveja que milhares de reses, levando a marca de Hubert, seguiam a caminho de Chicago. Naturalmente, os imitadores não se fizeram esperar. Alguns, em concorrência legal, constituíram os seus ranchos nas mesmas circunstâncias de honradez que nosso pai, mas Burnet e Grieser são dois bandidos para os quais a Lei é um papel sem importância. Começaram a roubar uns e outros e, com esse objetivo, constituíram um bando da pior gente que poderiam encontrar no Estado. Os rancheiros que ainda não tinham auferido rendimentos dos seus esforços, atemorizaram-se e venderam as propriedades. O bando imediatamente aumentou a fanfarronice e logo pôs os olhos nos nossos pastos. O papá resistiu às suas ofertas de compra, e mais tarde os bandidos passaram a lançar fogo ao gado e mataram alguns dos nossos melhores homens! A tudo temos resistido! Temos suportado os maiores vexames!
—E a autoridade? Vi um xerife em Rockville.
— Desinteressa-se do que se passa, se bem que não haja uma só pessoa que lhe preste colaboração. Pode haver uma morte, mesmo que seja na manhã de domingo, com a rua principal cheia de gente, ele nada vê!...
— Foi o que aliás sucedeu na diligência.
— Burnet e Grieser acreditavam que dada a morte do nosso pai, o seu sonho se converteria em realidade, já que, como não pensavam em ti, uma mulher seria mais fácil de vencer do que um homem. Por isso, quando há uns seis meses o papá teve o primeiro ataque de coração, deixaram de fazer barbaridades, preferindo esperar porque se informaram de que o diagnóstico do médico tinha sido muito pessimista.
— E eu fi-los voltar de novo às andanças!
— Não podes imaginar a sensação que a tua carta produziu no pai. Reuniu todos os homens do rancho e disse-lhes que muito brevemente virias pôr-te à frente dele. Esse foi o seu erro, justificável pelo seu grande contentamento, porque no dia seguinte renovaram-se os roubos e os tiros.
— Em que sítio é que o Burnet e o Grieser estabeleceram o seu quartel-general?
— Vinte milhas ao norte do nosso rancho.
— E essas grandes pradarias? — Nove na mesma direção.
— Que diferença de homens há?
— Dois a um favorável a eles, com a vantagem de que os Burnet e Grieser são na sua maioria bandidos profissionais!
— Bem, creio que vou ter umas férias bastante movimentadas.
Victória puxou as rédeas, detendo o carro. Voltou-se para Campbell dizendo:
— Não falaste a sério...
O advogado afirmou que sim com um ligeiro aceno de cabeça.
— Por que te hás-de ir embora? — perguntou ela.
— Tratarei de solucionar o problema que tanto nos apoquenta... E se o conseguir, voltarei.
— Mas David, isso é impossível. O teu lugar é aqui, junto de nós.
— Não, Victória. A minha vida é muito diferente da vossa. Nunca me habituaria a estes
hábitos. Nisso não te equivocaste. Sou um homem do Este!
— Mas eu supus... O papá pensou...
— Vim porque tu mo pediste. A tua carta deu-me muito que pensar e decidi pôr-me a caminho imediatamente.
No rosto da jovem refletia-se uma cruel deceção.
— O papá está a pensar, desde o dia em que escreveste, que vens para nunca mais voltar, que serás o seu sucessor e que, depois de morrer,
fiques a meu lado.
— O que dizes é de arranjo facílimo. Estou certo de que não te faltam pretendentes, e até
pode ser que já estejas enamorada... Quando te casares, o teu marido será quem cumpre
desejos do... papá.
Os olhos de Victória nublaram-se de lágrimas. Mordeu o lábio inferior e disse:
— Oxalá isso solucionasse tudo. — E depois fez que os cavalos seguissem a trote.
Campbell sentiu que o seu coração se fazia em pedaços. De boa vontade se esbofetearia por ter feito chorar a jovem. Mas, que podia ele? Não era preferível ir preparando o ambiente da cena para quando se tornasse necessário? O contrário, alimentar falsas esperanças, poderia dificultar ainda mais a inevitável separação.
Foram em silêncio durante o resto do caminho.
Meia hora depois da saída de Rockville chegavam às portas do rancho. O carro seguiu por um carreiro de terra vermelha, e a duzentos metros deteve-se em frente de um edifício de pedra. Vários homens esperavam.
Victória e Campbell saltaram do veículo, e ela apresentou o recém-vindo ao capataz William Parker, ao ajudante Jake Murray e a meia dúzia de cow-boys.
Após os cumprimentos de rigor, a jovem e o advogado penetraram na casa.
Campbell teria dado a sua mão direita para não se encontrar com o pai de David Hubert. Recordava-se, agora, das dolorosas circunstâncias em que Jonathan e seu filho se haviam separado, tragédia que ele ia agora avivar com a sua presença. Compreendia nesse momento a razão porque David vacilava, quando recebeu a oferta de voltar a Rockville.
Precedido por Victória, entrou num salão decorado e mobilado com gosto. Junto a uma janela, voltado para o exterior, estava um homem de cabelos brancos. Ao ouvir o ruído de passosgirou com rapidez, mostrando um rosto cheio de rugas profundas e uns olhos que brilhavam febrilmente.
O advogado deteve-se, desejando que se abrisse o solo debaixo dos seus pés. Pensou explicar a trágica farsa, mas antes que pudesse levar a cabo tal intento, Jonathan Hubert dirigiu-se até ele com passo vacilante, exclamando:
— David!... Meu filho!...
E quando o pai do homem que tinha sido enforcado em Tuscaloosa se enternecia crendo abraçar o seu filho, Campbell, por cima dos cabelos brancos, viu Victória chorar também de emoção.

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