segunda-feira, 14 de agosto de 2017

BUF015. CAP II. A correspondência do condenado

A festa preparada por Marion Rolls não obteve o êxito que a jovem tinha esperado. E isso foi devido a que o homenageado John se mostrou a maior parte do tempo com o rosto franzido, pensativo.
Atkins conseguiu atrair o seu amigo ao terraço contíguo ao salão em que se dançava.
— Que se passa, Johnny? As pequenas estão a pensar se tu julgas que te trouxeram a um velório!
— Lamento-o, mas não posso arrancar da ideia certo pensamento.
— De que se trata?
— De David Hubert.
-- Oh, já me tinha esquecido de que foste vê-lo. O que é que aconteceu? Estrangulou-se na cela com o seu cinturão?
— Esperará que outro o faça.
— Bem! O que é então?
— Ele não matou Kovitz!
— Por favor, John! Não acreditaste, certamente, nos seus protestos de inocência. Que disse ele?
— Que ganharia em mentir-me, sabendo que já nada se pode fazer? Não, Dick, sei que ele me disse a verdade.
— Sugeres que não o defendi como devia?
— Não digas tolices. Reconheço que as provas lhe são desfavoráveis! Mas não são mais que provas circunstanciais. A responsabilidade recai sobre o juiz que o condenou e a testemunha que o acusou. Já reparaste? Ditaram um veredicto de culpabilidade baseando-se em que Hubert visitou Kovitz às oito e dando por suposto que foi a última pessoa que o viu com vida. Mas Hubert, às oito e meia, estava no «Union», e o cadáver foi encontrado às nove pela mulher da limpeza. Por uma simples dedução, há mais tempo em branco favorável ao nosso cliente que contra ele. Só esta razão devia pesar mais que os antecedentes do acusado e que umas manifestações feitas em estado de embriaguez.
— Compreendo os teus argumentos, mas agora não é momento para pensar nisso. Anda, vamos para dentro. Já devem estranhar a nossa ausência.
— Vou a casa, Dick. Enganar-me-ia se permanecesse um minuto mais nesta festa. Desculpa-me como puderes.
— Mas, Johnny! É uma homenagem à tua pessoa!
— Diz a Marion que lhe agradeço imenso e que passarei brevemente por cá para a ver. Boa noite. Ver-te-ei amanhã no escritório.
No dia seguinte, quando Atkins chegou, foi encontrar o seu amigo trabalhando na sua secretária.
— Olá, John! Pelo que vejo fizeram-te bem os ares do Supremo Tribunal! Conseguiste entrar primeiro do que eu, mas amanhã não me passarás a perna!
Campbell sorriu e perguntou:
— Que tal o velório?
— Maravilhoso e muitíssimo interessante...
— Declaraste-te a Marion, ela disse-te que sim e o seu pai entregar-ta-á com o bonito dote de cem mil dólares.
— Vai-te para o inferno! Sabes que isso é impossível. Estás a perder o teu tempo, brincando comigo! Que esperas para te casares com ela? A rapariga está louca por ti. Ontem à noite, quando te foste embora, ficou apagada como uma vela. Nem um sorriso, nem uma dança, nada de nada!
— A que te referias, então? — perguntou Campbell, iludindo o tema.
—A que o nosso bom amigo Harriman nos confiará, a partir do próximo trimestre, todos os assuntos jurídicos das suas fábricas.
— Não! Isso é verdade?
— Claro que sim! Prometeu-me que na próxima semana nos fará uma visita para nos ir pondo ao corrente...
Campbell levantou-se e abraçou o seu amigo. E riram ambos.
— Bem. Que me dizes agora desse apartamento de que te falei? — exclamou Atkins.
— De completo acordo.
— Vamos vê-lo agora mesmo!
— Confio em ti a esse respeito... A esse e a todos os outros, hem ?!... Desculpa, Dick! É que tenho de sair já para fazer um par de coisas.
—Um par de coisas? De que se trata? Não há nada mais importante que o nosso novo escritório.
— Quero fazer uma investigação pessoal sobre o caso Hubert.
Atkins enrugou a testa.
— Outra vez, Inês! Enforcaram-no esta manhã, Johnny!
— Eu sei. Estive lá.
Os dois advogados olharam-se fixamente em silêncio.
— Creio que não deve haver recriminações entre nós — disse Campbell. — Sempre nos identificámos. Tu estudaste o caso e fizeste o possível por salvar Hubert. Deixa agora que eu também tranquilize a minha consciência.
— Assim seja! — sorriu Atkins. — Desejo-te mais sorte que a que eu tive.
— Dentro de algumas horas estarei aqui —John deu uma pancada amistosa nas costas do seu sócio e acrescentou: — Isto vai bem, Dick. Nós ainda seremos os donos de Tuscaloosa.
Todavia, Campbell não voltou essa manhã ao escritório. À tarde encontraram-se à porta do edifício.
— Ainda bem que te vejo, Dick. Assim, escusarei de subir. Dedicarei umas horas mais a este
assunto.
— Conseguiste alguma coisa?
-- Nada, mas oxalá surja o imprevisto em qualquer momento!
Despediram-se e nos três dias seguintes continuaram a ver-se de fugida. John mantinha a esperança de encontrar uma pista que o levasse a demonstrar a inocência do enforcado. Conseguiu uma lista dos clientes de Benjamin Kovitz e descortinou as suas vidas por todos os ângulos, estudando os seus passos em relação com o tempo transcorrido desde que Hubert abandonou o escritório do prestamista e a descoberta do cadáver. Não encontrou nada de anormal que lhe infundisse a mínima suspeita.
Desalentado e cabisbaixo, caminhava pela rua. Era o quarto dia que tratava do caso quando, de repente, se recordou da promessa que tinha feito ao réu de escrever a seu pai. A este pensamento seguiu-se outro. Dirigiu-se ao «Hotel Montgomery» e perguntou ao porteiro se havia alguma correspondência para David Hubert. Como resposta, depois de se ter dado a conhecer, recebeu uma carta em que aparecia escrito o nome do seu cliente com uma letra pequena e bem alinhada.
Na rua, andando lentamente, leu o par de folhas que continha o envelope. Cada uma delas estava escrita com letra diferente. A primeira dizia assim:
«Querido David:
Uma nova alegria nos chegou com a tua última carta. Ao mesmo tempo sentimos que os teus negócios demorem o teu regresso, o qual esperamos com a maior impaciência. Por aqui, as coisas estão um pouco complicadas e eu estou aborrecido porque a minha enfermidade me impede de lhes prestar a atenção que merecem. Victória faz o que pode, mas ela é mulher e certos assuntos requerem a mão de um homem. Enfim, arranjar-nos-emos como pudermos até que tu chegues e tomes conta das rendas. Tem cuidado contigo. Já sabes como te querem o teu pai e a tua irmã.»
Na continuação estavam as assinaturas de Jonathan e Victória. A outra folha, escrita com a mesma letra do envelope, dizia:
«Querido David:
Escrevo sem o papá saber. Ele diz na sua carta que as coisas estão complicadas.  É demasiado otimista. Uma série de acontecimentos promovidos por certos inimigos de nosso pai colocaram-nos numa gravíssima situação. Se não vens imediatamente, temo que ao chegares seja demasiado tarde. Tu és a única pessoa que pode dar remédio a isto. Não me sobra mais tempo. Por Deus, vem o mais depressa que possas! Abraça-te...»
E por baixo uma nova assinatura de Victória.
Campbell leu uma vez mais as cartas. Introduziu-as logo no envelope que guardou no bolso. Atkins recebeu-o com uma exclamação:
— Eh, Johnny! Não sabes? Mudamo-nos esta manhã. Terás de andar depressa para tirar tudo
o que tens nas gavetas. Já é muito tarde!
— Sim... claro! — replicou, com voz ausente. Deu a volta à mesa e sentou-se na cadeira
ficando em atitude de reflexão.
Atkins esteve pondo uns papéis em ordem e passados alguns minutos, ao ver o seu amigo imóvel, exclamou:
—É de novo o raio desse caso, não? Sabes que isso está-te a dar cabo da cabeça? Não é bom pensar constantemente no mesmo. Não sei quem proferiu esta frase, mas foi um tipo esperto!... Eh!... Estou a falar contigo...
Campbell olhou para o seu companheiro de promoção (profissão) e respondeu:
— Creio que terás de prescindir de mim durante algum tempo, Dick.
— Que dizes? Estás a falar a sério? — Vou fazer uma longa viagem.
— Viagens nesta altura? As férias começam em Junho!
John puxou pela carta remetida pelos Hubert e estendeu-a a Atkins para que a lesse.
— Que me matem se te compreendo! — exclamou, depois de a ter lido. — Queres insinuar que vais a Rockville puxar as orelhas a meia dúzia de patifes?
— É o nosso dever, Dick. David não era culpado e devemos conseguir a sua absolvição. Se ele a tem conseguido antes, agora poderia acudir aos seus, ajudando-os, não é assim?
— Supondo que estivesse inocente, nem o melhor advogado de Nova Iorque o teria salvado!
— Mas isso não é uma desculpa sob o ponto de vista moral!
— Está bem, Johnny! Podes fazer o que quiseres, mas antes ouve isto! Anteontem veio Smith Brody! Encarregou-nos de uma ação contra os caminhos de ferro do Sul! Há cinquenta mil dólares em jogo! Esta manhã visitou-nos uma viúva, essa mulher que está cheia de milhões, a velha Stephenson. Quer que administremos as suas propriedades! O teu êxito no Supremo Tribunal trouxe-nos isto!... Chegou o dia de recolher a colheita... E por todos os infernos que supus que nunca chegarial... Crês que podes pôr-te agora a andar?
— Sei que podes manter o escritório durante a minha ausência.
— Deixa-te de disparates. Tu és o melhor de nós dois. Nunca o neguei. Por isso não podes partir. Naufragaria se estivesse só!
— Estás a ser infantil. Agradeço os teus elogios, mas insisto que tu chegas e sobras para resolver os casos mais bicudos que apareçam. Demais, se pensas que prejudico a firma, com a minha atitude, estou disposto a desfazer a sociedade. Irei exercer a profissão para outro lado.
— John Campbell, se voltas a repetir uma calamidade desse calibre não te deixarei um osso inteiro, ainda que me exponha a que me faças saltar os dois olhos!
Os dois amigos olharam-se e riram.
— Está bem—cedeu Atkins. —Ganhaste. Qual é o teu plano?
— Apresentar-me-ei em Rockville como David Hubert.
Dick arqueou as sobrancelhas, assombrado, e emitiu um silvo.
John contou ao seu sócio a história de David.
— É a única forma de poder fazer alguma coisa em favor dos Hubert — continuou Campbell — já que se me apresentasse na qualidade de advogado encontraria dificuldades, e Victória escreve que David é a única pessoa que pode pôr termo àquela situação.
— Caramba! Vais-te enfiar nuns bonitos lençóis!
 — Irei com cuidado... para que não me comam as papas na carecal... Na careca, vírgulal... Salvo seja!
— Terás de comprar um equipamento de cow-boy e um par de «Colts». Aposto que alguém te desafia com o revólver! Que lindo! John Campbell, campeão de tiro à pistola pela Universidade de Yale, nos anos de 1871, setenta e dois e setenta e três, frente a frente com Peter «Matasiete»!
— Deixa-te de palhaçadas. Hei-de-me treinar pelo caminho, ainda que julgue não haver necessidade de resolver o assunto aos tiros.
— Aquilo não é o Sul ou o Este! É o Oeste onde têm acontecido os crimes mais horrorosos!
— Se algum dia fechares o escritório, dedica-te ao teatro. Como ator dramático serás único!
— Tomarei em conta as tuas palavras porque isso acontecerá se não voltares depressa. Bem. O que é que vais dizer a Marion?
— Deixo isso ao cuidado da tua verve!
— Ah, não! Não consinto uma coisa dessas.
Não esperes semelhante encargo da minha parte. Johnny sorriu, assegurando:
— És um bom rapaz e vais dizer-lho!
— Quando deixarei de o ser? — respondeu Atkins, compungido.
Campbell deu uma forte palmada nas costas do seu companheiro.
— Tudo em ordem. Vou preparar a bagagem. Sairei amanhã ao amanhecer...

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