sexta-feira, 1 de abril de 2016

PAS610. Pombas mensageiras da morte

Ulisses Morgan, mais elegante e atraente do que nunca, vestido de luto pesado, fazia adejar as suas brancas mãos, enquanto murmurava em tom pesaroso:
— Foi uma coisa terrível! Eu, que tantas vidas tenho salvado, nada pude fazer por ela. Impotente perante a morte, tive de ficar a contemplá-la, perdidas as esperanças de a ver novamente ao meu lado. Como a vida é dura!
Maria Bustillo sentia os olhos marejados de lágrimas ao escutá-lo. Acabavam de regressar do funeral de Helena. A rua estava pejada de gente que aguardava a oportunidade de expressar ao doutor Morgan quanto sentiam o golpe que o destino lhe vibrara.
— Não desanime, senhor doutor. Ainda tem o seu filho para o consolar.
— Pobre criança! Que passo fazer por ele; eu, um homem sozinho e sempre atarefado? Para que a desgraça seja completa, você parte, Maria, e...
— Não posso ficar, senhor doutor.
— E porque não? Por recear o que as más-línguas possam começar a dizer? Isso é uma rematada tolice, Maria. O meu filho precisa de si. Eu próprio sentirei a sua falta, se agora nos abandona. Não se preocupe com o que possam dizer. De futuro, passarei a dormir no consultório. Não quero voltar a ficar no quarto de casal, onde tudo me recorda Helena.
A rapariga estava hesitante. Como resistir a uma súplica do doutor Morgan, que sempre se mostrara tão bom?
— Posso... experimentar. Na verdade, antes de morrer, a senhora pediu-me que tomasse conta do filho.
— Não disse mais nada? — perguntou Morgan com mal dissimulada ansiedade.
— Nada mais. Morreu a pensar no filho... e no senhor — mentiu a jovem.
Morgan soltou um suspiro de alívio, e saiu de casa. Cá fora teve de apertar a mão às inúmeras pessoas que o esperavam para lhe apresentar condolências. Quando se conseguiu libertar, dirigiu-se diretamente para casa de Flamma. Este também ¡á havia sido enterrado sem que ninguém se tivesse preocupado com a sua morte.
Quando .o doutor manifestara desejo de ficar com as pombas que haviam pertencido ao falecido, responderam-lhe:
— Fique com as pombas, a casa, e o resto, se houver algum resto.
Morgan entrou na casa, lançando um olhar divertido para a cama de Flamma onde ainda se viam manchas de sangue. Tal como esperava, havia uma pomba revoluteando à entrada do pombal. Agarrou-a facilmente e tirou-lhe o anel que trazia numa das patas. Deste, extraiu um papel que dizia:
«Questão resolvida. — C.»
— E bem resolvida — comentou doutor para consigo.
As suas mãos crisparam-se sem que tivesse consciência disso. Quando os seus dedos se abriram de novo, a pobre pomba que trouxera a mensagem caiu inerte no chão, reduzida a um simples monte de penas sem vida.

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