quinta-feira, 26 de fevereiro de 2015

PAS436. Uma voz familiar no cemitério

Não soube com segurança quanto tempo permaneceu naquela posição. Talvez tudo se tivesse imobilizado à sua volta, exceto o túmulo humilde em que a sua mãe dormia o sono eterno. Inclinou a cabeça, quase com devota unção e murmurou umas palavras com uma voz quase impercetível. Era a despedida, o último e definitivo adeus. Jamais voltaria a Passa Estreito. Nunca, enquanto pudesse evitá-lo. Ia afastar-se em seguida do cemitério quando, lenta e sugestiva, soou por detrás dele, com suavidade e carinho, uma voz:
— Queres que rezemos juntos, Chuck? Eu também vim orar por tua mãe.
Chuck Camely estremeceu, como que atordoado por um pressentimento de ignorados augúrios. Aquela voz acariciadora e límpida...! Não, não podia afirmar com certeza que pertencesse a alguém conhecido e, não obstante, no mais profundo do seu ser, sentiu pulsar mais forte o coração, batendo de tal modo desordenado e louco que fez afluir o sangue em borbotões ao seu cérebro. Era uma voz familiar... com uma familiaridade que sem dúvida datava de muito longe! Não se moveu do sítio em que se encontrava, tal como se estivesse pregado à terra acolhedora do cemitério. Amachucou o chapéu entre as mãos, fazendo poderosos esforços para se lembrar. Lembrar-se... de quê? Santo Deus!, que angústia tão inexplicável! De novo aquela mulher, sem ser em tom de censura, perguntou:
— Não pensas que tardaste muito em voltar, Chuck? Eu própria começava a temer que te tivesses esquecido de Passo Estreito.
O famoso «gun-man» começou a girar, vagarosamente, sobre os, altos tacões das suas botas de montar, para, oferecer o rosto à desconhecida. Mas... que se passava? Que acontecia dentro do seu ser? Era tal como um temor indescritível que, ao mesmo tempo, espicaçava o agridoce êxtase de uma mórbida curiosidade.
— Quem é a senhora? — perguntou, olhando-a fixamente.
A mais desesperada desilusão se estampou nos olhos da jovem. Foi um desespero, sem um paliativo capaz de o mitigar, avassalador, aniquilante. Chuck compreendeu logo que ela esperava tanto ser reconhecida como ouvir palavras de emotiva alegria. Os seus olhos pestanejaram e as pálpebras baixaram-se. Houve um tremor na sua boca e nas mãos, tremor que se repercutiu, talvez, na alma amarfanhada pela deceção.
— Perdoe — acrescentou Chuck — mas creio que é a primeira vez que a vejo, senhora.

Sem comentários:

Enviar um comentário