domingo, 8 de fevereiro de 2015

PAS423. Retrato do foragido que temia a justiça

Jerry Tucson olhou em redor de si.
A poucas passos de distância do ponto onde se encontrava escondido, Buck Latimer, estendido sobre o terreno húmido, parecia escutar atentamente os estranhos ruídos da noite. A sua mão direita continuava empunhando a pistola, um «seis tiros» de grande calibre, com a qual acabava de tirar a vida a um dos guardas do presídio de Canyon City. Apenas o brilho assassino do seu olhar lhe traía a presença. Da boca não lhe saia o mínimo ruído, a mais pequena palavra.
Jerry tinha-lhe censurado a maneira como procedera. Teria sido relativamente fácil fugir ao abrigo da noite e alcançar a liberdade, sem provocar um inútil derramamento de sangue. Porém, Latimer achara conveniente suprimir um homem que, de modo algum, representava um obstáculo intransponível para a fuga.
Atrás deles, a máquina da Justiça começara a funcionar. Agora os agentes da Lei seriam implacáveis e nada no mundo faria que eles perdessem a esperança de lhes deitar novamente a mão. E, desta vez, pouco tempo permaneceriam na prisão. Aguardava-os um fim mais ignóbil. O espectro da forca perseguia-os.
Dois roubos — a uma diligência e a um Banco — tinham feito que estes dois elementos da quadrilha fossem presentes a um tribunal que os havia condenado a dez anos de prisão. O júri, pelo menos na parte respeitante a Buck Latimer, havia-se mostrado demasiado magnânimo. Jerry Tucson, absorvido por companhias pouco recomendáveis, fora apanhado na mesma teia. Muitas vezes, no decorrer dos quatro anos em que permanecera emparedado no presídio, bradara o seu arrependimento, censurando-se por ter descido tão baixo.
Pouco lhe importava que Latimer o tivesse apodado de cobarde. O que sentia não era de modo algum cobardia, mas sim uma aversão inata por tudo o que era menos digno. Infelizmente, só muito tarde compreendera isso.
Jerry abandonara a sua casa solarenga havia uns dez anos. Durante esse tempo através dos mais variados territórios da União, desempenhara todos os ofícios que podiam ser feitos por um homem das fronteiras. Desde vaqueiro num rancho, guia de caravanas, condutor de diligências, cavaleiro do «poney express», até simples membro de uma quadrilha de salteadores nas montanhas de Sacramento, perto da reserva índia dos «apaches mescaleros», por tudo ele passara.
Da sua família restava apenas uma irmã: Marjorie Tucson. Ainda que soubesse em que ponto do Novo México ela se encontrava, era-lhe impossível recordar-se com nitidez das suas feições. Quando ele abandonara a casa paterna, Marjorie tinha apenas oito anos. Por essa altura, ainda os seus pais eram vivos. Mais tarde, soubera que eles pouco haviam vivido depois de se ter ausentado. Talvez que este mesmo lacto tivesse concorrido para o afastar ainda mais de casa, onde jamais encontraria a família. A partir desse momento, a razão de não regressar ao lar passou a ser, fundamentalmente, de ordem sentimental.
De momento, o certo era que Jerry se havia misturado num assunto de enorme transcendência jurídica, que o seu nome se emporcalhara, e que caíra sob a alçada da Lei, que jamais lhe permitiria um momento de descanso enquanto fosse vivo.
Tinha vinte e nove anos. Era forte e bem constituído. Vestia ao modo da região, cobrindo-se com um amplo chapéu de aba larga. Calçava fortes botas de vaqueiro e do seu cinto pendiam dois coldres onde, em tempos, repousavam dois revólveres 45. Presentemente só Buck Latimer, que diferia completamente do seu companheiro de aventuras, se encontrava armado.
Buck aparentava um pouco mais de idade que ele. Tinha umas feições repulsivas em que sobressaiam uns olhos cinzentos, fugidios e traiçoeiros. A boca, onde se entreviam uns dentes enegrecidos pelo tabaco, contorcia-se num ricto de arrogância que lhe tornava o rosto ainda mais repelente. Tanto um como outro, aproximadamente da mesma estatura, ostentavam um porte atlético, talvez mais notório em Jerry.
Quando os seus olhares se-cruzaram, Jerry interpelou o companheiro:
— Devemos sair daqui quanto antes, Buck.
A cara do canalha abriu-se num sorriso cínico.
— Tens medo? — perguntou com voz rouca.
— Porventura tu não tens?
— Não. Não existe nada nem ninguém neste mundo que me meta medo.
— Pois eu temo a Justiça, Buck.

Sem comentários:

Enviar um comentário