segunda-feira, 19 de junho de 2023

CLF028.13 A partida final

O moço do estábulo removia o feno quando Brod Nolan desmontou em frente da porta.

— Dê-lhe aveia. Merece-a bem.

— Aveia?... Aqui? — murmurou, receoso, o moço do estábulo público de Cliff Town.

— Com certeza não quer que eu a leve no bolso, pois não?

— Miller esteve ontem aqui... com Jones e o resto do bando... à sua procura.

— Agora já sabe onde me encontro — e dando uma palmada na garupa da égua, acrescentou: — Se eu não a vier buscar até ao cair da noite, é sua. Pode ficar também com a sela.

Eram oito horas da manhã quando se sentou no banco que ficava junto à esquina do cárcere e do escritório do «sheriff». O Sol tentava destronar a Lua.

Ainda era noite quando chegou a diligência. Depois as lojas foram abrindo. O dia começava a nascer. Elton Graver deteve-se em frente de Brod, com as mãos nas ilhargas...

— Bons-dias, Elton. Vai estar um dia esplêndido hein?

— Sim? — e olhando para o revólver que Nolan trazia, perguntou: — Não tem outro sítio para se sentar?

— É um banco público, não é verdade? Há alguma lei que me proíba sentar aqui?

Elton Graver encostou-se ao poste, olhando a rua principal. Depois suspirou:

— Não tema coisa alguma, Brod. Não tem de arriscar-se... Não deve proceder assim...

— Então, diga-me como devo proceder.

Graver colocou uma bota sobre o banco, examinando o tacão e, raspando-o na borda do banco, disse:

— Eu apreciava muito Sol Green. Gostava mesmo dele. Era um homem bom, simples... Coitado, morreu de uma maneira ruim. Mas eu prenderei Ron Miller rapaz.

—E vinte minutos depois sairá para a rua sob fiança.

— Talvez. Mas comparecerá diante de um juiz como você.

—Eu não comparecerei diante de juiz algum. Apenas Deus julgará os meus pecados. Ron Miller matou o meu irmão...

— Sim? Tem a certeza?

— Depois de ter falado com Evelyn, Hart foi minha procura para fazermos as pazes. Eu estava na montanha, não muito longe de Buffalo Creek... Enquanto esperava por mim, Hart talhou uma pequena flauta... Como quando éramos pequenos. O que é que Miller lhe teria dito? Possivelmente, Wax Jones tinha visto Carla comigo... Miller deve ter tocado na ferida… Hart quis disparar e Miller matou-o...

— Supondo que tudo se tenha passado assim como você diz, acha que deve desafiar Miller defronte das minhas janelas?

—Não olhe. Feche as cortinas.

—Posso confiscar-lhe o revólver, e atirá-lo para uma cela.

— Acusando-me de quê? Não creio que me possa prender legalmente... nem de qualquer outra maneira, Elton Graver. Não tente...

Elton Gravar concentrou a sua atenção na outra bota e raspou a sola no banco. Por fim, disse:

— É melhor que Miller não apareça.

— Aparecerá.

Graver enfiou o polegar esquerdo no colete, tamborilando com os dedos na estrela metálica. Depois, em silêncio, entrou no seu escritório. Dois cavaleiros que tinham parado a ouvirem a conversa, encaminharam-se na direção do «Golden». Pouco depois. Ventura Smith saiu para a rua. fingindo limpar os vidros da montra. De soslaio, observou o homem que parecia dormir no banco.

O Sol começou a aquecer. Um rapaz passou defronte de Nolan, assobiando. Contemplava-o com um brilho estranho nos olhos.

Uma mulher surgiu à esquina. levando o filho por uma orelha. Ao longe, no vale, elevou-se uma nuvem de pó.

Brod Nolan experimentou se o seu «Colt» resvalava bem no coldre. Na rua principal entrou um carromato. Nolan descontraiu-se. Meia hora depois apareceu Francis Gorvin.

— Olá, Brod. Acabei de realizar uma tarefa difícil, talvez a mais difícil de toda a minha vida.

— O que foi? Ordenei a minha filha que partisse na primeira diligência para casa da minha irmã, em Sain-Louis.

— Ela voltará... quando tudo acalmar.

— Carla é que foi a culpada de tudo isto.

— Nem de tudo...

—Já sei... Depois da mãe morrer, dei-lhe demasiado liberdade — o banqueiro passou o lenço pelo rosto, limpou o suor, e acabou por assoar-se ruidosamente. Passados momentos, acrescentou: — Devo pedir-te desculpa, rapaz. Pensei que tinhas morto Hart.

—E porque mudou de ideias?

— Evelyn veio esta manhã a minha casa. Aquela, sim, é que é uma mulher.

— Onde está?

— No meu gabinete. A espera.

—Não quero que ela veja... o que se vai passar Gorvin, você pode evitar...

—Escuta, filho... Por detrás do edifício do banco encontra-se o meu melhor cavalo. É teu. Monta-o poderás chegar facilmente a... qualquer sítio.

— Não aceito, mas agradeço-lhe.

Por amor de Deus, Brod. Afinal, o que pretendes demonstrar? Deixa que Miller seja julgado, e eu prometo-te que...

— Agrada-me que se preocupe comigo. Gorvin. — disse Nolan. —Já não me sinto tão só. Conto com sua amizade e a de Evelvn. Vá. desande daqui... Este não é o momento indicado para nos tornarmos sentimentais. Cuide de Evelyn. Não a deixe sair. Agora desapareça...

—Boa sorte, rapaz. Boa sorte.

Nolan voltou a enrostar-se ao tabique. Podia ter saído ao- encontro de Miller. e ajustar contas com ele em qualquer lugar menos concorrido. Mas queria que Cliff Town fosse o júri daquele julgamento.

Qualquer homem podia apertar o gatilho com maior ou menor habilidade. Mas havia outra maneira de destruir a maldade de um homem, além de esperá-lo com o gatilho preparado.

Já lhe doíam os olhos, quando viu outra nuvem de pó levantar-se no vale. Cavaleiros. De súbito, a rua, a cidade, ficou deserta.

Atravessavam já o rio, em fila. Nolan contou-os. Eram nove cavaleiros.

Ao pôr-se de pé, notou que os seus joelhos tremiam um pouco. Passou a manga da camisa pelo rosto suado. Na outra esquina, apareceu um homem barbudo, segurando uma espingarda. Era Kent Flores. Quando chegou próximo de Nolan, disse:

— Aí vêm os valentes de «Pretty Ranch».

— Vá-se embora daqui, Kent.

— Green era meu amigo.

— Você tem mulher e filhos. Volte para casa, Kent.

— Ontem à noite você disse a Russ que eu era um verdadeiro homem. Quer que eu desminta as suas palavras? A terra que meu filho herdar tem de ser ganha por mim.

— Vá para dentro com Graver. Afaste-se daqui.

— Você não é o único teimoso da comarca.

Nolan desceu os degraus e foi para o meio da rua. Os cavaleiros iam entrando aos pares, em coluna militar. A frente, vinha Ronald Miller, cavalgando com o braço direito erguido. Desmontou em frente do hotel. Wax Jones e Ring Howard imitaram-no. Os outros bloquearam a rua.

Ron Miller viu Kent Flores no passeio, por detrás de Nolan. Falou em voz baixa com Wax Jones, que se afastou em seguida. Miller avançou dois passos e exclamou:

—Nolan. Diga ao seu amigo granjeiro que não tenho nada contra ele.

— Ouviu o que ele disse, Kent?

Kent Flores vociferou:

— Estou aqui porque me apetece.

Ron Miller avançou mais cinco passos, empurrando com o polegar a aba do chapéu. Parecia muito seguro de si. envergava um elegante trajo cinzento e chapéu de copa rasa. O sol brilhava na coronha de marfim, refletindo a luz no seu rosto musculado. Descontraído, disse:

— Lembra-se ainda daquele jogo que me ensinou, Nolan? Pois bem, agora é a minha vez.

— Então, venha. — gritou Nolan. —No meu jogo não há duas oportunidades. Só uma. Nada de dinheiro. Apenas a pele.

O orgulho traía Ron Miller. Fora o orgulho que levara ao crime e à violência. Talvez fosse ainda orgulho que o levasse à morte. Mais forte que o receio de morrer, era o de cair no ridículo.

— Miller... Você perdeu a partida quando matou meu irmão, e depois assassinou cobardemente Green. E agora chegou a altura de disputarmos a última partida. Adiante, Miller. Você baralha... pela última vez.

Miller avançou lentamente. Cinco passos à sua esquerda, avançava Wax Jones. Ring Howard avançou também dois passos, mas depois hesitou, e foi empoleirar-se sobre uma barra.

Brod Nolan observava apenas Miller. Wax Jones devia ser mais rápido, mas quem ele queria matar era Miller... Depois, depois já nada tinha importância.

Trinta passos, vinte...

O ombro direito de Miller baixou um pouco. Nolan baixou também a mão direita. Sentiu a aspereza da coronha do revólver na palma da mão.

Ron Miller atirou-se para o lado e disparou para o chão. Nolan apertou o gatilho duas vezes e viu Miller saltar antes de cair de costas no solo.

Quase ao mesmo tempo, dois tiros se fizeram ouvir, um de espingarda e outro de revólver.

Nolan desviou-se para o lado para apontar a Wax Jones..., mas viu-o dobrado sobre si próprio, e por fim chocar com a cabeça contra o solo.

Atrás, no passeio, Kent Flores baixava a espingarda ainda fumegante. De revólver em punho, Nolan avançou e reclinou-se sobre Miller, cujos olhos vidrados olhavam o céu sem vê-lo. Em seu redor, ia-se formando um círculo de homens silenciosos.

Elton Graver, sóbrio, gritou:

— Abram caminho. Circulem. Nolan estendeu o seu revólver ao «sheriff» que não o aceitou.

— Bom... Vá ao meu escritório, Brod. Deixe-o ali.

— Não vou ao seu escritório.

Nolan desapertou o cinto e estendeu-o ao «sheriff».

— Pedi-o emprestado a Banks Barclay.

Voltando as costas, aproximou-se do sítio onde Kent Flores estava a contemplar o cadáver de Wax Jones.

— Ele ia disparar sobre si, Brod.

— Todos foram testemunhas, Kent.

Os dois homens subiram para o passeio. Elton Graver esperou que levassem os corpos. Depois dirigiu-se a Muir Barlow, capataz do «Pretty Ranch».

— Esperas por alguma coisa, Barlow?

— O senhor o dirá, «sheriff» — resmungou Muir Barlow. —Não farei nada contra ti, Muir. O teu patrão levou-te a matar reses. a incendiar, a ameaçar... Mas ele morreu, e deitarei para trás das costas tudo isso. De momento, exijo que esse Howard seja posto fora da comarca. Ainda têm a possibilidade de me fazerem calar com um tiro, mas depois contem com os Federais. Que respondes, Muir Barlow?

— Que remédio. Mas que os granjeiros não se estendam muito... Que não saiam das suas parcelas...

Voltando-se de costas, fez sinal aos seus homens para partirem.

— Vamos todos.

Ring Howard, pensando no que acontecera a Wax Jones, considerou-se feliz por o deixarem partir.

Juntando-se a Kent e a Nolan, o «sheriff» disse:

— Não estou com uns nem com outros, Kent. Estou no meu sítio e não quero mais sangue vertido nesta comarca.

— Por nossa causa, nunca isso sucederá, «sheriff». Adeus.

Quando ficaram sós, Graver murmurou:

— Tenho esperança de que tudo irá melhorar, rapaz. A fiança pode ser levantada por quem a depositou... Que responde, Brod Nolan?

— Nada, «sheriff».

— Que pensa fazer?

— Melhorar, «sheriff». Até à próxima.

Evelyn esperava-o na boleia da sua carruagem. Brod Nolan deteve a égua junto ao carro e disse:

— Podemos ir até à capital, Evelyn. Lá não teremos de esperar para nos casarmos.

A jovem esticou as rédeas e fez estalar o chicote. Atravessaram o rio. A sombra dos pinheiros, Nolan deteve a carruagem. Desmontou, descelou a égua e deixou-a pastar livremente.

— Voltaremos dentro de duas semanas, Evelyn.

Enlaçados, contemplaram o extenso vale. O seu o lar de seus futuros filhos.

 

 

 

F I M

Sem comentários:

Enviar um comentário