quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

CWB299.07 Ataque, seguido de rapto e reconciliação


Na manhã seguinte, Donkey abandonava a povoação e tomava o caminho de Arkansas. Sem saber porquê tinha uma predileção especial por aquele lugar.

De uma pequena lomba situada à sua esquerda, Hellen viu-o aproximar-se. O seu belo rosto contraiu-se, indefinivelmente, e, com uma lentidão calafriante, como se tivesse medo de que Donkey a ouvisse, acionou a palanca do rifle. Aguardou atentamente, durante mais alguns instantes, até que, repentinamente, ergueu a arma a centrou o ponto de mira na mira na cabeça de Donkey. Apertou o gatilho.

Mais além, o cavalo que este montava, pareceu espantar-se, já o pesado projétil viajava naquela direção.

Conjuntamente com a detonação, Donkey sentiu o bafo da morte junto da sua orelha direita e deixou-se cair na sela. Ficou de bruços no solo e muito lentamente, ladeou a cabeça em busca de um refúgio próximo.

Viu-o a poucas jardas. Constituíam-no três rochedos, não muito grandes, mas melhores dos que o rodeavam naquele momento, que não eram nenhuns. Começou a pensar quem seria o seu atacante. Tracy? Jim Spencer? Podia acontecer também não ser nenhum deles, mas sim algum dos seus homens.

Imobilizou-se durante uns segundos e, repentinamente, começou a correr em ziguezague, na direção das rochas. Os seus movimentos deviam ter surpreendido o agressor, visto que, quando este reagiu, disparando de novo, já Donkey, com o "Colt" na mão, se encontrava sob a proteção dos rochedos.

Mas não se deteve ali e continuou a arrastar-se, já que o seu intento era surpreender o seu inimigo pelas costas.

Na lomba em que se encontrava, Hellen crispou o rosto num esgar de fúria. Agora só podiam suceder duas coisas: lograr matar Donkey, ou deixar-se matar por ele. Esta última hipótese não a afligia. Se tal acontecesse, Porter já teria um bom motivo contra ele.

Hellen abandonou a proteção do mato, e com os olhos fitos nas três rochas, arrastou-se para a esquerda. De súbito, a voz cheia de surpresa de Donkey, exclamou nas suas costas:

— Hellen!

Ela soltou um grito pôs-se em pé e voltou-se para ele. Já Donkey largara o "Colt" e saltava sobre ela, derrubando-a. Por espaço de alguns minutos ambos lutaram com unhas e dentes pela posse do rifle, até que ela, mais débil, teve de sucumbir.

— Vamos, querida, levanta-te — disse-lhe ele, pondo-se em pé e retrocedendo um passo —. Onde tens o teu cavalo?

— Procura-o, se quiseres.

— É o que vou fazer — redarguiu Donkey — Mas tu virás comigo. Anda, caminha a minha frente.

Os olhos verdes chisparam.

— Vais matar-me pelas costas, como fizeste a meu irmão?

— É estranho o que se passa contigo, querida — sorriu ele. — Sempre pensaste o pior de mim e de quantos te têm rodeado até agora. Anda, faz o que te digo. Não irei matar-te, querida, pelo menos agora. Mais tarde, isso dependerá de ti.

Com os olhos fitos no seu ombro ferido, cuja ligadura se via pela camisa entreaberta, Hellen replicou:

— Será preferível que o faças agora, Joe Donkey, pois talvez na próxima oportunidade a minha tentativa obtenha mais êxito.

Ela voltou-lhe as costas e ele deu dois passos rápidos e tirou-lhe o "Colt" do coldre. Um revólver que só tinha uma bala, embora ele o não soubesse.

— Já podes voltar-te, Hellen — disse-lhe, friamente —. Como vês, só queria tirar-te os dentes. E agora queres dizer-me onde está o teu cavalo?

Ela voltou-se para o olhar e fê-lo alegremente.

— Vais levar-me contigo à força?

— Sim, se o preferires desse modo.

Estupefacto, Donkey viu-a sorrir-lhe. E, de um instante para o outro, mostrar-se dócil, amável, quase meiga, prometendo não lhe dar trabalho e indicando o lugar exato onde o seu cavalo se encontrava.

Pensava em seu pai e no xerife Porter ao tomar aquela atitude. Sabia que o rapto de uma mulher no Oeste tinha uma corda como prémio.

Daí a pouco, montados ambos nos seus respetivos cavalos, Donkey dava ordem de marcha e empreendiam o caminho em silêncio.

Caminharam durante horas até que nos confins do horizonte começaram a brilhar as primeiras estrelas. Mas Hellen só começou a inquietar-se, quando se advertiu de que Donkey fazia um rodeio para evitar passar por La Junta. Até que começou a distinguir as moles de basalto e granito das Montanhas de Sangue de Cristo. Seria que a levava para ali?

— Para onde me levas? Para as montanhas?

— Sim. Ficarás ali dois ou três dias, minha querida. Não quero mais inimigos às costas, compreendes?

Pareciam ter chegado, pois ele deteve o cavalo e desmontou de um salto, convidando-a, também, a descer da sela. Depois ele afastou-se com os cavalos pelas rédeas, levando-os para junto de um grupo de árvores.

Quando regressou, Hellen sentara-se sobre uma pedra e mantinha os seus belos olhos fixos num pequeno tanque natural existente a poucas jardas de onde se encontravam.

— Queres comer?

Ela disse que sim, mas ele afastou-se, novamente, e foi sentar-se junto do pequeno tanque. Hellen viu então que ele levava nas mãos um embrulho, que começou a abrir assim que se sentou. Uns segundos mais tarde, ouviu-lhe dizer:

— Tens aqui a tua ração de comida. Se queres, podes vir buscá-la.

Ela não se mexeu do sítio onde estava, em visita do que, com perfeita calma, Donkey deu boa conta do seu quinhão de comida, pondo-se depois, em pé. Dirigiu-se ao seu cavalo, retirou duas mantas e aproximou-se de Hellen.

— Aqui tens uma manta para se quiseres dormir. Mas não te instales muito longe de mim, querida, ou dar-te-ei um desgosto.

Donkey foi estender-se sob as árvores e ela levantou-se, por fim, indo buscar a frugal refeição que lhe fora destinada. Sentou-se no mesmo sítio e começou a comer. Uma hora depois, começou a sentir frio e foi em busca da manta. Envolveu-se nela e deitou-se no solo com os olhos fixos no corpo completamente imóvel de Donkey.

*

Na manhã seguinte, depois de se levantar e pentear no pequeno tanque, Hellen perguntou a Donkey:

— Persistes na tua ideia de me levares para a montanha, Joe?

— Dentro de alguns minutos já o saberás — limitou-se ele a responder-lhe, enquanto preparava o pequeno-almoço para ambos.

Ingerido este no mais completo silêncio, ela voltou a enfrentá-lo.

— Tencionas matar-me logo que cheguemos às montanhas, não é verdade?

Donkey contemplou-a, friamente dos pés à cabeça.

— Volto a repetir-te que sempre pensaste de mim o pior. Não, não vou matar-te, minha linda.

Desejo somente retirar-te da circulação por uns dois dias. O tempo suficiente para resolver alguns assuntos em Pueblo. Depois virei buscar-te para te devolver ao teu rancho.

— No entanto, ser-te-ia tão fácil fazê-lo... O meu cadáver jamais seria encontrado.

O sorriso de Donkey foi alegre. Tão alegre que a surpreendeu.

— Comigo passa-se o mesmo que contigo — proferiu —. Eu também desejaria matar-te, sabes? Mas não posso. Falta-me a coragem para isso — calou-se durante uns segundos e acrescentou:

— Houve um tempo em que teria dado metade da minha vida, juntamente com todo o meu património por um olhar teu, por um beijo. Mas tu mataste o meu amor, Hellen. Destruíste a minha vida e a tua. É triste, mas é assim. E agora, vamo-nos. Está a fazer-se tarde.

Hellen olhou-o, fixamente, durante alguns segundos e depois, de uma forma repentina, um estranho sorriso floresceu na sua boca.

— Tens muita pressa em te desfazeres de mim, Joe. E julgo saber porquê. Porque sou a única que não acredito na tua inocência. Ainda me parece estar a ver o cadáver de meu irmão, estendido na parte de trás do teu rancho, e o teu "Colt" esse mesmo "Colt" que trazes agora no coldre, caído junto do seu corpo. Um "Colt" a que lhe faltava uma bala e que ainda cheirava a pólvora. És um canalha, Joe Donkey. Um imundo canalha.

E antes que Donkey pudesse replicar uma única palavra, Hellen lançou-se contra ele, engarfando os seus dedos nas ligaduras do ferimento. Donkey gemeu de dor e atirou-se para trás, momento que ela aproveitou para meter uma das suas pernas entre as dele.

Donkey caiu de costas e ela saltou-lhe em cima, convertida numa fera, e ele viu-se e desejou-se para se desfazer dela. E quando o conseguiu, tinha o ombro ferido, de novo tinto de sangue.

Mesmo assim, teve de disparar com toda a força o seu braço direito na ponta do queixo da rapariga e ao fazê-lo, sentiu que no seu peito algo se par tia em mil pedaços. Hellen emitiu um surdo gemido e deixou de lutar, ficando completamente, imóvel nos seus braços.

Donkey pôs-se em pé, olhando-a, fixamente, como se quisesse pedir-lhe desculpa do mau trato. Introduziu as mãos nos bolsos, procurando algo com que estancar o sangue que lhe emanava do ombro ferido, e encontrou-se com o revólver que arrebatara a Hellen na mão.

E foi num gesto inconsciente que verificou o respetivo carregador. Uma bala! Uma única bala.

Só havia uma resposta para aquilo. Uma só resposta e ele sabia qual era.

Ao chegar a esta conclusão, Donkey dirigiu-se ao tanque, arranjou como pôde as ligaduras que Diana lhe colocara, e com um lenço molhado regressou para junto de Hellen.

Quando, finalmente, ela recuperou os sentidos, ele mostrou-lhe o "Colt”, perguntando:

— Tem uma só bala, linda. Porquê?

— Que te importa isso, Joe?

— Na realidade não me importa grande coisa, mas gostaria de o saber.

— Sim? Pois não sei responder-te. Peguei nele e julguei que estivesse carregado.

— Não me estás a mentir?

— Achas que tenho o mesmo cinismo que tu para mentir, Joe?

Donkey não replicou, mas prendeu-a pela cintura e beijou-a, furiosamente nos lábios vermelhos e sensuais. Hellen manteve-se, estranhamente, quieta durante alguns segundos, mas logo reagiu disparando duas potentes bofetadas no rosto de Donkey, que não teve tempo de as evitar.

O homem sorriu. Sorriu de uma maneira bastante estranha. Depois foi buscar o cavalo da jovem e ordenou-lhe que montasse.

— Levas-me para a montanha?

— Não, vou levar-te a casa, minha linda. Quer dizer: levar-te-ei até La Junta. Dali poderás continuar a cavalgar até Pueblo.

Voltou-lhe as costas, agarrou no rifle e com ele na mão aproximou-se, novamente dela. E entregou-lho, sujeitando-o pelo cano.

Tomando-o nas suas mãos, os olhos de Hellen cintilaram.

— Vou levar-te a La Junta — disse ele —. Ali os nossos caminhos separar-se-ão para sempre. Mas podes optar por outra solução. Tens esse rifle nas mãos. Se desejas matar-me, não hesites. Vamos, dispara! — desafiou-a —. Porque esperas? Não sou eu o assassino de teu irmão?

Ela estava muda de espanto, ao mesmo tempo que crispava o dedo no gatilho do rifle.

— Porque desejas isso agora, Joe? Porquê?

— Cansei-me de lutar, Hellen. Até agora, acreditei sempre que me querias. Que apenas fingias odiar-me por me julgares o assassino de teu irmão. Agora vejo que me enganei. Mas que importa uma coisa ou outra? Vamos, dispara. Dispara ou segue-me até La Junta. És livre, Hellen Miller, no que a mim diz respeito.

Sem esperar a réplica, Donkey deu meia-volta e afastou-se. Alguns minutos depois avançavam ambos ao trote das suas montadas, chegando a La Junta ao entardecer.

Ele propôs-se reservar-lhe um quarto no hotel, a fim de passar a noite. Na manhã seguinte, seguiria para o seu rancho.

Foi depois de ele pagar a hospedagem dessa noite, que, olhando-o fixamente com os seus belos e insondáveis olhos verdes, disse:

— Quero falar contigo, Joe. Sobe comigo.

Subiram um atrás do outro. Hellen abriu a porta do quarto e afastou-se para lhe dar passagem. Entrou por sua vez e fechou a porta.

— Bem, Joe... Eu queria... — parecia ter dificuldade em se exprimir —. Se não foste tu quem matou Jim, quem foi então? Vamos, responde. Quem foi? Quem, além de ti, teria interesse nisso, e porquê? Toda a gente em Cheyenne sabia das vossas desavenças. Tu, tu, e somente tu, pudeste matá-lo não e assim?

Sem replicar, Donkey dirigiu-se para a porta. Mas Hellen prendeu-lhe um braço, insistindo:

— Responde, Joe. É mister que me respondas.

Donkey hesitou bastante. Tanto que Hellen já estava convencida de que ele não o faria.

Mas enganou-se.

— Serviria de alguma coisa que eu to dissesse querida? Tu continuarias a pensar da mesma maneira e eu já estou farto de tudo isto. Descansa tranquila e procura esquecer.

Dirigiu-se novamente para a porta, mas, após uma breve hesitação, voltou-se para a olhar firmemente e inclinar-se para ela, tomando-lhe o queixo na mão.

— Pensa se haverá algum homem que, depois de te matar o irmão, seja capaz de te beijar assim Hellen.

Inclinou-se mais e uniu os seus lábios aos dela num beijo que a perturbou até as fibras mais sensíveis do seu coração. Quando terminou, os olhos de Hellen tinham uma expressão indefinível e o seu rosto cobria-se de uma palidez brutal.

— Desejaria acreditar-te, Joe. Eu...

Donkey não a deixou continuar. Desta vez, tomou-lhe a cintura e apertou-a contra o peito, longa e apaixonadamente. E Hellen já não falou. Quando o fez foi para dizer:

— Perdoa-me, Joe, mas continuo a duvidar, embora me maldiga por isso. Porque não me contas a verdade?

— A verdade está no teu coração, Hellen — respondeu-lhe Donkey, gravemente —. Se não me odeias, se na realidade me amas, não precisas das minhas palavras, para desfazerem as tuas dúvidas. E, agora depende, apenas, de ti que eu fique contigo ou saia de uma vez para sempre. Pensa bem e responde-me. Chegou o momento de decidires, definitivamente.

Uns segundos depois, com os olhos cheios de lágrimas, Hellen elevou os braços para lhe rodear o pescoço e foi a sua vez de o beijar.

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