Loira, pequena, muito elegante e de grandes e rasgados olhos verdes, Hellen Miller era, não só das mais formosas, como das mais ricas mulheres dos contornos das margens do Arkansas.
Os seus lábios furiosamente vermelhos, e a proeminência do queixo, voluntarioso e desafiante, constituíam as notas mais características do seu formoso rosto de jovem mal-entrada ainda nos dezoito anos.
Preparava-se, como era seu hábito, para se banhar nas águas cristalinas do poético arroio quando, antes mesmo de desmontar, viu o cavalo que pastava tranquilamente.
Procurou o respetivo cavaleiro, admitindo que não pudesse estar longe, até que, obedecendo a um impulso repentino, saltou da sela e começou a percorrer a frondosidade das margens.
Vinte minutos depois, descobria-o. Caído de bruços, completamente imóvel, dando a impressão de estar morto.
Levando o seu "Colt" de calibre 38 na mão, Hellen avançou cautelosamente para o caído. Inclinou-se para ele e examinou-o, atentamente. Ao mesmo tempo que um vago sentimento de temor se apoderava dela, e usando de todas as suas forças, voltou-lhe o rosto ao sol da manhã, e então, com o semblante transtornado, deu um passo atrás. Depois, foi erguendo, lentamente o cano da arma até alvejar a fronte do homem.
— Nunca devias ter vindo a esta região do Arcansas, Joe — monologou, fazendo um esforço para dominar o tremor que a invadia. — Embora ferido, ainda vives... e não me seria muito difícil matar-te. Imagina... Um pistoleiro como tu, dependendo das débeis mãos de uma mulher... absurdo, não é verdade, Joe Donkey?
Ergueu ainda mais o cano do "Colt”, enquanto nos seus olhos assomava algo parecido como ódio. Mas, de uma maneira súbita, compreendeu que não poderia matá-lo. Logo, guardou a arma e correu para o sítio onde deixara o seu cavalo. Subiu para a sela e partiu a galope, sem lançar um único olhar para trás, tomando a direção do seu rancho.
O velho Joss Miller, seu pai, viu-a chegar e desmontar de um salto, sem mesmo deter a montada, e dirigir-se-lhe de rompante, exclamando, antes que ele tivesse tempo de lhe fazer qualquer pergunta:
— Esse homem está aqui, meu pai. Nos pastos junto ao arroio. E eu... eu sou a mais desprezível das mulheres, pois não tive coragem de o matar.
— Calma, minha filha. A que homem te referes?
— Joe Donkey, pai — replicou a jovem com voz rouca, enquanto o rosto de Miller mudava, radicalmente de expressão.
— Como está ele? Que lhe aconteceu?
Ela tragou saliva antes de responder:
— Meio morto, pai. Com uma bala nas costas. Mas... que vais tu fazer?...
— Trazê-lo para o rancho e cuidar dele tanto quanto me seja possível.
Ela olhou-o friamente e observou:
— O rancho é teu, pai. Teu e só teu. Portanto, podes fazer o que te apetecer.
Ditas estas palavras, a jovem deu meia-volta e afastou-se. Entretanto. Milles, após uns breves momentos de hesitação, dirigia-se para os estábulos e, pouco minutos depois, partia acompanhado de dois dos seus vaqueiros.
No próprio local, prestou a Donkey os primeiros socorros, perguntando a si mesmo o que faria ele naquela parte do Estado e quem o conheceria por aquelas paragens ao ponto de lhe estender semelhante emboscada. Quem, além de ele mesmo e sua filha o odiaria tanto para tentar assassiná-lo pelas costas?
Trasladado para o rancho, foi depositado com todo o cuidado numa cama, não longe do quarto ocupado pelo rancheiro, e chamado o médico. Este abandonava o rancho e punha o pé no estribo do seu cavalo quando Hellen lhe apareceu e, procurando que a sua, voz não denunciasse o seu verdadeiro estado de alma, perguntou:
— Como está o ferido? Há esperanças?
O velho "doc" sorriu ao olhá-la:
— De acordo com a ciência, "miss" Miller, esse homem já devia estar morto. Mas como ainda vive... esperemos que se salve, hem?
Aquela frase ficou a martelar o cérebro da rapariga:
"Esperemos que se salve... "Esperemos que se salve... " "Esperemos que..."
Repentinamente, subiu ao quarto onde Donkey repousava. Silenciosa como um felino, entrou ali, e encaminhou-se para o leito. Inclinou-se sobre ele, e os seus lábios, vermelhos e sensuais, murmuraram, surdamente:
— Que fácil me seria matar-te, Joe! Tanto como esta manhã. Mas falta-me a coragem e eu desprezo-me por isso. Agora ainda seria mais fácil do que na margem do arroio. Bastar-me-ia arrancar-te essas ligaduras do peito e deixar que te esvaísses em sangue. E tu, um homem como tu, indefeso nas mãos de uma mulher. Quem tal diria, não é verdade, Joe Donkey?
Hellen estendeu os braços e crispou as mãos sobre as ligaduras do homem, e assim se manteve, imóvel, durante algum tempo, até que uma voz a arrancou à sua abstração.
— Que fazes aqui, Hellen?
Ela voltou-se, violentamente e enfrentou o pai.
— Vim para o matar, meu pai — declarou friamente —. Vim para levar a cabo o que não consegui no arroio, mas tão-pouco, pude.
— Hellen!
Ela aproximou-se, erguendo o seu gracioso queixo em sinal de desafio.
— Que podes tu reprovar-me? Nada, porque se me encontro assim foi por tua culpa. Tu, desde que a mãe morreu, não tens feito senão mentir a uns e a outros. Importava-te, acima de tudo, que todos te tirassem o chapéu e tratassem com respeito isso conduziu a isto. É verdade que me satisfizeste todos os caprichos, mas não é menos verdade que foram esses caprichos que me deitaram a perder. Portanto, não tenho nada que te agradecer. Porque... porque... esse que está entre a vida e a morte, nessa cama, foi obra tua e não minha. Isso e o ocorrido em Cheyenne.
Miller abriu a boca, talvez para pedir uma desculpa àquela criança que, repentinamente, se apresentava ante os seus olhos como uma mulher, mas não pôde fazê-lo, já que Hellen, se apressara a afastar-se do seu lado, saindo a correr do quarto.
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