—Acusa-me de assassina, Zane? —disse ela, depois de uma larga pausa, avançando para ele com lentidão. —Pretende sugerir que dirijo um bando de assassinos?
—Quem, então? Parrish entrou aqui, aqui deu com uma pista fundamental, «viu» a «Dama Negra», sabia já quem era... e mataram-no quando saía para se reunir a mim para a prendermos. Morreu nos meus braços, dizendo apenas umas palavras.
—£ que lhe disse quem era essa fantástica dama?... —ironizou ela.
— Disse-me o suficiente — respondeu ele, evasivo. — «Está, aqui». E aqui só uma mulher pode ser a que procuramos: você, Gertie.
—Você está louco? —interveio Bob Baron, acercando-se deles. — É absurdo não tem sentido!
—Tem mais do que parece, Bob. Você ama-a e não consegue vê-lo. Todos idolatram a sua Gertie, não conseguem ver outra coisa nela que não o bem.
—E você, Zane, que vê em mim? Todo o mal que eu tenho? — desafiou ela.
Preston iludiu agora o olhar daqueles formosos olhos fascinadores. Era difícil manter a firmeza ante ela.
—Não vejo nada. Acuso-a como culpada. Um homem está morto na rua detrás, um homem que veio à procura da culpada desse horrível crime...
Uma nova interrupção dramática culminou a série vertiginosa de violentos acontecimentos daquela noite. Ouviram-se na porta de entrada gritos. Esta abriu-se.
Um homem de cabelos grisalhos e expressão severa, alto, franzino, com a estrela prateada brilhante no peito, sobre o casaco preto, fez a entrada na sala. Seguiam-no dois homens ainda jovens, ostentando estrelas de comissários. Todos empunhavam revólveres.
—Zane Preston! — gritou o «sheriff» de Santa Fé. --- Considere-se preso pelo delito de assassínio. Ainda tem na camisa e nas calças sangue do homem que acaba de matar, Daniel Parrish, agente das diligências, que veio a Santa Fé para o prender!
Sem que ninguém esperasse ou previsse, disparou com vertiginosa rapidez contra os homens da insígnia metálica. Não disparou a matar, porque era a Lei, porque a simbolizavam ainda que estivessem enganados. E não era culpa sua enganarem-se.
Atirou contra as armas que voaram ao serem atingidas pelas balas. Apenas errou o tiro com um dos comissários, que aproveitou para intentar desesperada e fulminante ação, fazendo fogo rapidamente.
Zane sentiu a mordidela cadente da bala no ombro, e o sangue começou a escorrer pela camisa, e manchando o encerado da sala. Inesperadamente alguém veio em seu auxílio. Gertie fez um rápido sinal a Bob, e murmurou:
—Dispara contra as lâmpadas, Bob! Deixa isto às escuras!
Robert não se fez esperar, apesar do assombro com que, evidentemente lutava. Puxou pelos seus dois revólveres, e varreu a tiros as grandes lâmpadas da sala, partindo-as em verdadeira cascata de cristais de cores.
O «sheriff» gritou irritado, enquanto novos disparos do ajudante que estava armado se perdiam no ar, devido à mudança rápida de Zane de um lado para outro, até que muito próximo dele, soou a voz de Gertie Baron, pegando-lhe numa mão.
— Em frente, Preston, siga-me! Por aqui há uma saída mais rápida!
Era a própria Gertie quem o ajudava, inacreditavelmente. Zane, não parou a analisar os motivos que levaram a formosa loira a salvá-lo, e deixou-se guiar na escuridão quase total do «saloon», em que a maioria dos seus ocupantes andavam numa roda viva, gritando e correndo sem nexo.
—Escapa-se! —gritou o «sheriff», tentando fazer-se ouvir. — Esta gente ajuda-o! Encerrarei esta casa, expulsarei Gertie e os seus homens da cidade!... Prendei Zane Preston, prendei-o custe o que custar! E um assassino perigoso, um «pistoleiro» sem consciência!
Zane viu-se conduzido para um enorme espelho. Espelho que girou inesperadamente, acionado por ela deixando ver um corredor, vindo dele uma corrente de ar frio. A voz de Gertie indicou:
— Siga por este corredor! Ao fim estão as cavalariças. Sele um dos cavalos e afaste-se daqui. Tem demasiados inimigos em Santa Fé...
—Gertie... porque fez isto por mim? — perguntou Zane, surdamente antes de fugir.
—Nem eu mesma sei. Talvez você me agrade demasiado para deixá-lo cair nas mãos da justiça. Não devia fazê-lo... mas já está feito. Corra, depressa!
Zane não fez repetir a ordem. Naquele momento era funesto cair nas mãos dos representantes da Lei. Por uma ou outra razão imputavam-lhe a morte de Parrish. Nada nem ninguém os convencer de que ele e Parrish trabalhavam juntos, porque isso tinha sido uma combinação secreta entre ambos. Tinha de escapar, pois não havia outro meio de demonstrar a sua inocência e descobrir, caso fosse ainda possível, a pessoa responsável de tudo.
No estábulo escolheu um cavalo, o que lhe parecia melhor e mais a rápido, montou-o sem selar, e partiu a todo o galope, saltando a cerca do estábulo contíguo ao edifício do «Trebol Negro», pensando no seu estranho e curioso destino, que o conduzia sempre a situações perigosas, e em todas elas intervinham mulheres, ajudando-a a salvar-se.
E todas essas mulheres tinham motivos para o odiar. Resultava demasiado complexo e decidiu que não merecia a pena matar a cabeça a descobrir.
Por momentos pensou em dirigir-se de novo a casa de Valerie. Mas era muito arriscado esconder-se lá.
No outro dia, saía a diligência para Albuquerque. Outra carruagem de «Wells & Fargo» na rota maldita da última vez. Ainda que ali estivesse a sua última oportunidade, a ocasião de dar com a chave do mistério...
—Não creio que se repita a agressão—disse um dos cinco soldados da escolta que viajavam no cimo do carro da «Wells & Fargo», olhando o horizonte. —Ali está Mesa Encantada, e não se vê sinais de peles-vermelhas nem de mascarados...
Os demais riram, não largando os seus rifles e continuaram deitados no tecto, entre os sacos postais e as malas dos passageiros. Ao passo, que o cocheiro e o seu ajudante os olhavam com certa inquietação. Eles não estavam tão tranquilos, antes pelo contrário.
O sol ia alto, a diligência levava boa velocidade, e nada fazia prever qualquer percalço. Não era lógico que se repetisse o ataque, pela ousadia que isso representava, e por isso levara o comandante de Santa Fé a enviar somente um grupo de cinco soldados, que bastariam para defender o veículo do ataque de um grupo de foragidos ou de índios rebeldes.
Atrás da diligência, uma grande nuvem de poeira ia-se levantando do solo argiloso, marcando a trajetória seguida pelo veículo e servia de ponto de referência a um longínquo observador, sobre a sua rota.
Esse longínquo observador, próximo de Mesa Encantada, situado vantajosamente, com o rifle debaixo do braço, esperava pacientemente a chegada da diligência de Santa Fé.
Não se via qualquer sinal de seres vivos, fossem brancos ou de cor. O desértico panorama, as dunas arenosas e as largas rochas avermelhadas, encontravam-se numa absoluta quietude e solidão, nada alarmante para a diligência e seus passageiros.
O homem fixou os olhos, vendo com clareza a carroceria verde do veículo, destacando-se com nitidez no amarelo e avermelhado da paisagem. Os seis cavalos galopavam cintilantes, como ansiosos também de chegar ao seu destino, e deixar para trás o sinistro e medonho perigo temido por todos como se fosse alguma coisa interna.
A diligência chegou ao pé de Mesa sem nada acontecer. Zane Preston vigiava de cima, perguntou a si próprio se não sucederia realmente nada, e a espera desde madrugada teria sido inútil.
Nesse instante, ocorreu o desastre. Tão inesperadamente, com tão trágica violência, que nem Zane Preston nem ninguém o podia sequer prever.
O solo pareceu abrir-se debaixo das patas dos cavalos e das rodas da diligência, quando esta entrou no fatídico desfiladeiro, entre Mesa Encantada e outra larga «rocha», mais baixa. A terra agitou-se, convulsa, saltando para cima, no meio de uma explosão terrível, vindo como por artes mágicas. Desmantelada, feita em bocados, e entre restos sangrentos de corpos humanos e cavalos destroçados, projetando a diligência às alturas, convertida em fragmentos.
O terror foi tão imprevisto e atroz, que provocou a estupefação de Zane Preston, incapaz de raciocinar com a devida rapidez. Um enorme buraco, aberto na terra assinalava aquela explosão dantesca, preparada sem dúvida com muita antecedência, pois nas horas que tinha ali estado, ninguém tinha passado próximo da mina subterrânea disposta a converter o correio de Santa Fé num monte de destroços e ruínas fumegantes...
Preston pôs-se de pé, com a espingarda nas mãos correu pela encosta abaixo até ao lugar da tragédia. Não era aquilo que esperava, por isso o seu descontrole diante daquele novo massacre, realizado diante dos seus próprios olhos, foi superior a toda a prudência, e correu pela encosta, saltando de pedra em pedra não se importando com coisa alguma até chegar abaixo.
Cruzou a correr a distância que o separava da diligência sinistrada, no vão intento de conseguir falar com qualquer ser vivo, ainda que soubesse ser quase inútil o seu intento...
Quando estava próximo do veículo destroçado, fixou os seus sangrentos estilhaços, os ferros retorcidos, e os corpos humanos e dos cavalos todos mutilados, num confuso montão horripilante e terrível. Nada havia a fazer ali. Desta vez tinha sido diferente o sistema para um resultado igualmente sinistro e cruel.
Antes o assassínio e escalpe. Agora, fazendo-o voar com dinamite colocado debaixo da terra, com qualquer sistema para que, com o peso da diligência, tudo fosse pelos ares. Mas, que obtinham com isso os assassinos?
Voltou-se subitamente pressentindo o perigo. Um calafrio percorreu-lhe o corpo. Por detrás da «rocha» mais baixa, surgia um grupo de cavaleiros todos mascarados e todos efetuando um semicírculo, para apanhar no meio o homem que se interpunha nos seus assuntos. E um pouco separado do grupo, um cavalo mais.
Negro lustroso, inquieto, com um cavaleiro negro, roupas negras, chapéu negro... debaixo dele notavam-se ondas loiras abundantes. Um lenço cobria até aos olhos a mulher fantasma, a sinistra Dama Negra a quem tanto procurara.
Avançavam para ele em boa velocidade, deixando-o no interior do hostil cerco. A dama de negro disse algo debaixo do lenço, algo inaudível para Zane. Em seguida empunhou um revólver e com ele apontou-o a Zane.
Preston levantou rapidamente a sua espingarda disparando sobre o mais próximo dos cavaleiros. Saltou da sela ao contacto da bala caindo em terra.
O cavalo galopou até Zane, por seu próprio impulso, mais rápido do que os outros, quando a negra dama disparava o seu revólver sobre Preston. Este saltou rapidamente para a sela do cavalo quando passou junto a ele, e várias balas silvaram em seu redor.
Zane fez caracolar habilmente a montada para iludir os novos disparos contra ele. Ordens autoritárias, agudas partiram de trás do lenço negro da mulher. Os seus cabelos loiros agitaram-se debaixo das abas do chapéu, ao vento do deserto, quente e pesado.
Alguns cavaleiros acercaram-se dos restos da diligência, procurando entre os corpos e destroços de madeira e ferro. Um deles levantou triunfalmente um saco postal meio destruído, mas contendo ainda valores postais sem dúvida.
Zane, ainda em frente de forças tão superiores, empreendeu a galope, disparando a sua espingarda.
Naquele momento, próximo silvou um clarim militar, enchendo o ar com as suas agudas notas de metal.
—Soldados! — gritou um dos mascarados, olhando a «Dama Negra».
A Dama, naquele instante, disparava sobre o alvo branco que era o corpo do abnegado Zane Preston, enfrentando-se desigualmente com eles, com a sua espingarda vomitando projéteis.
Outro foragido caiu por terra envolto em pó. Mas a bala de Dama apanhou Zane. Melhor dito, ia a apanhá-lo no peito, quando o pescoço do cavalo que montava se interpôs na trajetória.
O nobre animal, ao sentir penetrar a bala na sua carne relinchou desesperadamente, derrubando aparatosamente por terra Zane. Este viu afastar-se a «Dama Negra», e pouco depois chegaram os soldados.
Levantou-se com dificuldade, agarrou na espingarda e correu para a Mesa Encantada. E então lembrou-se de qualquer coisa de familiar na figura de negro. Qualquer coisa de estranho que a princípio, o havia intrigado. Por um lado. a sua voz, por outro a sua figura... Estava quase certo disso, e havia chegado o momento de sair de dúvidas, de jogar a última cartada naquela partida de morte.
Sem comentários:
Enviar um comentário