Quando voltou a si, o sol devia ir alto, pois que a luz dourada entrava em raios pelas altas janelas, providas de grossas barras de ferro.
—Já volta a si este tipo, chefe—disse uma voz, todavia pastosa aos ouvidos aturdidos de Zane.
Preston olhou, tratando de fazer desaparecer as nuvens que o toldavam, o qual conseguiu depois de abrir e fechar duas vezes seguidas os olhos, abrindo-os em seguida. Por fim, conseguiu distinguir vagamente a alta e delgada figura de um homem vestido inteiramente de negro que se erguia na sua frente, estudando-o com uns frios olhos azuis por cima do seu nariz de falcão, a sua boca era fina e cruel.
—Bons dias, Preston — saudou em tom seco o «pistoleiro» de negro. — Dormiste bastante, em consequência do golpe que te demos... Ou fugiu a mão à Sophie ou necessitava um sono reparador, e foi ajudado pela providencial pancada de Sophie.
—Sophie? —Zane doía-lhe bastante a cabeça, tratou de apalpá-la, para ver se tinha alguma brecha ou alto, e verificou que alguma coisa o impossibilitava de fazer tal gesto: umas sólidas cordas o ligavam a uma cadeira. "Cinicamente podia levantar a cabeça. Assim o fez, acrescentando secamente — Mais mulheres nesta embrulhada? Acaso será ela a dama de negro?
—Sophie veste sempre de negro — sorriu sem vontade nem simpatia o «pistoleiro» negro.
—Vi-a uma vez, a cavalo, comandando a sua quadrilha—acrescentou com aspereza Prestou.
— Vinham de escalpelar e assassinar os viajantes da diligência de Santa Fé-Albuquerque, ou já o esqueceu?
—Sophie nunca assaltou diligência alguma. Essas coisas as faço eu, amigo. E não escalpelo ninguém. Isso deixo para os apaches. Ademais, se bem me lembro, o meu último assalto a uma diligência, faz um bom par de anos, e não matei ninguém. Um judeu milionário, foi ferido numa ore-lha, mas nada mais.
— Pois tem uma fraca memória, Dano. Porque o assalto que fala, ocorreu há poucos dias e os cadáveres quase que ainda conservam o calor. E ainda foram escalpelados. Por acaso seja um costume delicadamente feminino da sua amiga Sophie. Uma mulher que golpeia daquela maneira que ela o fez, é capaz de tudo.
Os frios olhos celestes de John Powers Dano, brilharam perigosamente ao murmurar do «pistoleiro»:
— Repito-lhe, Prestou, nem ela nem eu sabemos nada dessa fantástica história que conta. Ouvimos dizer que a diligência chegou a Santo Domingo anteontem, cheia de cadáveres. E que era conduzida por você, e que foi acusado não sei de quê. De modo que vale mais não deitar as culpas para cima dos outros, amigo.
—De verdade que é John Powers Dano?
—Em pessoa, Preston. Dizem que perguntou por mim no «Trebol Negro», não é verdade?
—Vejo que em Santa Fé dizem muitas coisas.
—E todas verdadeiras. O que não pode dizer-me nada é Harper. Noah Harper era um dos meus homens. E você matou-o. Ou vai negar?
—Nunca pensei em negar. Harper era um vantagista e um cobarde e pareceu-me bem evitar que matasse Yarbough, o jogador ganhou-lhe com lealdade, e ainda não era rápido a defender-se de Harper. Não gosto de assassinos.
— Mas você assassinou Harper.
—Não. Feri-o primeiro. Depois o seu esbirro tentou fazer-me uma traição, e eu evitei-a a tempo. Era a sua vida ou a minha. Pareceu-me lógico salvar a minha.
—Como é lógico que eu agora o faça pagar. A lei de Dano é: vida por vida. O que equivale a dizer «morte por morte».
—Bem, faça-o. Já suspeitava que não me tinha trazido para jogar o poker. Mas adverte-o que perdeu tempo e esforços. Podia ter-me morto à noite no quarto.
— Gosto de conceder uma oportunidade aos homens que mato.
—Não o aconselho, se realmente quer matar-me. Ê perigoso conceder oportunidades a tipos como eu. Acostumados a aproveitarmo-nos delas...
—De todos os modos, Preston, antes vou-lhe fazer umas perguntas. Pode responder ou não. Isso não modificaria a minha sentença sobre si. Mas é possível que cheguemos a um acordo conveniente para os dois.
— Pergunte. Talvez lhe dê menos respostas do que julga.
—Porque voltou a Santa Fé? Sei que esteve aqui tempos atrás, e que você é um tipo inquieto, que para pouco nos sítios e, que raro volta ao mesmo. Porque voltou aqui então? Se quer fugir a essa acusação, há lugares mais longe e seguros.
—Porque aqui é possível que estejam os assassinos da diligência.
—Tanto lhe interessam esses salteadores?
—Muito, agora apostaria cem contra um em como são vocês.
—Perdia cem sorriu friamente John Powers Dano, sentando-se em frente dele, numa cadeira.
Na sua cintura oscilavam duas coronhas de luxuoso aspeto.
— Repito, Sophie e eu não sabemos nada. Mas um tal cabo Wilson contou certa história que você referiu, em S. Domingo. Apesar de certas objeções do seu superior militar, a história transcendeu e são muitos que acreditam nela. Diz-se ainda, e é confirmado pelo médico de S. Domingo, que esses escalpes não são perfeitos, como os que costumam fazer os apaches. Tem algum defeito, algo que pode confirmar o que você disse. Se a Dama de Negro seguir avante, Sophie e eu ver-nos-emos em problemas, o que deve ter sido o pensamento do chefe dessa quadrilha ao atacar a diligência. Alguém em Santa Fé, está tentando fazer cair as culpas em nós...
— Nisso não acredito em ninguém, Dano.
—Já o sei—o «pistoleiro» franziu o sobrolho. —São demasiadas coincidências: roupas negras, uma mulher loira, parecida com Sophie, uma quadrilha bem organizada e procedente de Santa Fé... Mas não fui eu, nem tão pouco Sophie. Suponhamos que não nos acreditam. Você é a única testemunha da presença desses cavaleiros próximo da diligência, não é?
—Isso é verdade. Matando-me, Dano, mata dois coelhos dum só tiro; vinga a morte de Harper e tapa uma boca que podia ser perigosa para vocês. Porque espera?
Dano silencioso, levou a mão a um dos seus revólveres, um niquelado «Colt» calibre 44, com coronha de nácar, modelo de luxo e bem cuidado e o apontou a Zane. Lentamente, com o polegar levou atrás o percutor, com um ruído tão fraco, tão bem limpo e oleado estava. O seu dedo indicador pousou sobre o gatilho, ligeiro e rápido...
Zane Preston esperou, tranquilo e sereno. Nenhum músculo se alterou no seu rosto, nem uma sombra de temor ou desespero nublou os seus olhos, apesar de no seu peito o coração parecer ter sido apertado por um frio glacial.
O gatilho acionou, feriu o percutor com um seco ruído, sobre o fulminante da bala... e o orifício da pistola niquelada continuava apontada á cabeça de Zane. Não soou tiro algum.
Preston, incapaz de conter a respiração respirou fundo e tomou nova expressão. Uma expressão de surpresa nublou as suas feições serenas.
— Quê se passa agora, Dano? Esqueceu-se de carregar o revólver antes de disparar sobre mim? — perguntou sem qualquer emoção na voz.
John Powers Dano estudou-o com admiração não dissimulada. As vincadas linhas do seu rosto, pálido, se ampliaram num gesto risonho. Lentamente enfunilou de novo o revólver.
— Você é um tipo valente, Preston — começou por dizer. — Poucos homens suportam a prova sem gritar, e no melhor dos casos, sem demonstrar medo, fúria ou desespero. Isto deu-me a certeza do que aconteceu com Harper. Matou-o em defesa própria. Os assassinos atiram com vantagem sobre outro, são medrosos. Não sabem olhar cara a cara com a morte, como você e como eu, Preston. Esta era a oportunidade que disse dar-lhe. Se valia menos do que eu num duelo tê-lo-ia morto, e não merecia a pena o esforço. Se era melhor do que eu matar-me-ia, e nesse caso quem perdia era eu, e demonstrava a inconveniência de um duelo. Sendo iguais, poderia cair qualquer de nós, o que não seria justo.
A sua mão ágil tirou uma faca de mato e, ante a surpresa de Preston, cortou as cordas com rapidez e precisão.
Zane, todavia desconcertado, respirou aliviado desentorpecendo os músculos, comprimidos pelas cordas.
— Tenho de agradecer-lhe? — perguntou olhando frente a frente para Dano.
—Não é preciso—disse encolhendo os ombros o «pistoleiro», pondo-se de pé.
—Obrigado, então—também ele se levantou continuando: —Agora, o que quer de mim, Dano?
—Como sabe que quero algo? — assombrou-se o outro voltando-se vivamente para ele.
—Oh, tudo tem um preço na vida. Você não é diferente dos outros, ainda que tenha a sua maneira de pensar, tal como eu imaginava. Sei que quer algo, ou não estaria agora livre.
— Preston, começo a admirá-lo e a respeitá-lo ao mesmo tempo—disse Dano bruscamente. —E isso não acontece amiudadas vezes comigo. Ê verdade que quero oferecer-lhe alguma coisa: a minha ajuda neste caso. Você quer demonstrar a sua inocência. Eu quero demonstrar que também que nada tenho a ver com a matança de Mesa Encantada...
—E Sophie? perguntou rapidamente Zane..
— Quem fala de Sophie? — disse uma voz de mulher, firme e clara, nas costas de Zane.
Este voltou-se. Uma mulher alta ainda que não muito, pronunciadas curvas notavam-se nas roupas negras de homem, cabelo loiro-palha, macio e abundante, apareceu na porta da cela com os braços caídos e as musculosas pernas abertas deixando ver claramente a coronha de osso do seu único revólver.
Mentalmente, Zane não pôde deixar de evocar a fugaz visão da amazona de negro daquele dia, e pensou que Sophie, com um pano cobrindo o seu rosto e um chapéu preto sobre os cabelos, responderia com exatidão à imagem da mulher que vira.
—Dano e eu discutíamos a sua possível inocência no assalto da diligência —disse Zane suavemente. —De si depende que eu acredite na história ou não. Era você aquela mulher ou também nega toda a participação nesse crime?
—Está louco? — o tom de Sophie era depreciativo. — Eu só atuo juntamente com Dano. E nem ele nem eu, chegaríamos ao ponto de fazer semelhante barbaridade como essa...
— Está bem, tentarei comprovar se isso é verdade.
— Mas John, vais deixar livre este homem?
—Sim. Vamos unir as nossas forças, de certo modo — concordou o «pistoleiro». —A todos nos interessa descobrir a verdade neste mistério. Preston continuará investigando. Ê um tipo duro e valente e capaz de tudo. Sabes que conheço bem as pessoas, Sophie.
—Eu não me fiaria nele — disse ela hostilmente, olhando com antipatia Zane. — Pois pode fazer com que os dois sejamos enforcados, se se empenhar nisso.
— Antes disso, John Powers Dano matá-lo-ia, ainda que fosse a última coisa que fizesse na vida. E ele não é parvo. Sabe que o faria, de qualquer maneira.
—Claro, Dano—concordou Preston, sem se aborrecer. —Ambos somos parecidos. Por isso creio conhecê-lo já muito bem. Agora, se me devolver as minhas armas, voltarei a procurar por Santa Fé uma dama loira capaz de tal atrocidade. Podem dar-me uma pista?
—Você não a tem? — sorriu Dano brincalhão.
— Tenho demasiadas meu amigo. Demasiadas mulheres loiras... e demasiados mistérios pelo meio. Tudo isso trará, também demasiados perigos...
Dano chamou um dos seus homens. Entrou um «pistoleiro» que olhou com surpresa para o prisioneiro. Finalmente a pedido do chefe, lhe entregou o par de pistolas que na noite anterior lhe tinham tirado.
—E agora, Preston, que pensa fazer? — interrogou a singular personagem de negro, já próxima da saída daquele rancho, situado nos arredores de Santa Fé, em plena zona desértica.
— Esperar.
—Esperar... o quê?
—A saída da diligência de Albuquerque dentro de uns dias. Então se a atacarem, é possível que descubra alguma coisa. Não sei porquê, tenho a impressão que não foi o último golpe desses assassinos e repetirão a sorte na mesma diligência.
John Powers Dano ficou pensativo, franzindo o rosto preocupado.
— Sim, é muito possível — admitiu. —E nesse caso qual é o seu plano de ação, Preston?
—Esse... é estritamente secreto, Dano—sorriu misteriosamente Zane, antes de se afastar pelo deserto, em direção à povoação mais próxima.
Santa Fé via-se ao longe, e não era preciso o uso de cavalo para chegar em menos de uma hora. Atrás ficou o sólido edifício que ocupavam Dano e a sua misteriosa companheira, Sophie, a dama de roupas negras.
A sua atitude para com ele tinha sido tão estranha como desconcertante. No fundo, Zane Preston perguntava a si próprio, várias vezes, à medida que se aproximava de Santa Fé. «Poder-me-ei fiar nestes dois? Não serão eles realmente os autores do assalto, e tudo isto não será para desviar as minhas suspeitas e fornecer--lhes o meu testemunho no futuro?».
Tudo era demasiado confuso. Havia alguém naquela cidade que não era o que aparentava. Tinha a desconfiança de ter falado já com as pessoas responsáveis e que os olhos assassinos de uma mulher se tinham cravado nele, aparentando absoluta inocência. Mas quem seria?
A porta abriu-se silenciosa e com cautela. Uns olhos de mulher olharam, com receio, que rápido desapareceu, dando entrada ao que acabava de bater com os noz dos dedos na porta.
—Passa, Zane. Não sabia que eras tu...
—Não te fias em ninguém, eh? —riu Preston. — Fazes bem, Valerie. A morte espreita por todos os lados, querida.
— Zane, onde tens estado metido até agora? — perguntou-lhe Valerie com ansiedade, depois de fechar a porta atrás de si e trancando-a com uma cadeira. — Quando esta manhã ouvi que no hotel que estavas hospedado tinha-se dado uma explosão e que vários homem tinham sido mortos na rua, senti um medo horrível. Fui lá a correr, e vi que entre os mortos não estava o teu corpo.
—Oh, temias por mim? És uma grande pequena, Valerie. Identificaram os tipos mortos?
— Sim. Parece que todos eram «pistoleiros» e valdevinos a soldo, muito conhecidos em Santa Fé. Devem ter sido pagos por alguém. Diz-me, mataste-os tu, Zane?
—Matou-os a sua própria estupidez, querida, ainda que ao certo estivessem quase a matar-me. Não planearam mal o golpe. Depois podia ter nascido outra vez. Mas John Powers Dano e a sua bela Sophie foram benévolos comigo. Soltaram-me, apesar de à noite ter morto um dos seus homens, no casino de Gertie Baron.
—Céus, Zane, cada hora que passas só, por aí, parece uma novela incrível! Ê que passas toda a vida agarrado ao revólver e matando gente!
— Quando os outros me querem matar a mim, sim. Ê um mau costume que tenho, mas a que devo continuar com vida.
—E que queria Dano? Ê um «pistoleiro», um homem sem consciência. E Sophie, sua amiga e companheira de aventuras, uma mulher pouco feminina...
— Não será por andar vestida de negro—riu Zane. —Debaixo não existirá a sua figura?
—Quando vês uma mulher, cegas Zane — irritou-se Valerie, voltando-lhe as costas.
—Isso não é verdade, ou jamais veria coisa alguma. Não paro de ver mulheres, querida. E pergunto qual delas será a minha dama de negro, a amazona de Mesa Encantada...
— Suspeitas também de Sophie, a noiva de Dano? Valerie franziu as sobrancelhas.
— Os seus gestos correspondem, é verdade, mas não creio que tenha domínio para dirigir o grupo sem o seu Dano ao pé.
— E quem te disse que ele não ia com ela naquele dia? Eu não poderia jurar o contrário. Fixei mais a mulher do que qualquer outro, como é natural.
— Muito natural.
— Não venhas com sarcasmos. Não é lógico ver um grupo de cavaleiros, dirigidos por uma mulher. E depois do que encontrei, ainda menos. Tem de ser uma víbora da pior espécie.
—Como Gertie Baron, não?
— Não sei se será tão má pequena como isso—observou pensativo Zane.
— Aí está! O seu belo olhar verde te cativou—, disse irritada, Valerie I,ouis. —E naturalmente, já não a julgas culpada, não é verdade, Zane? Até a defenderás.
—Não o sei. Não sei nada, e isso é o mal. — fez uma pausa e, olhando em volta, mudou de assunto. —Bonito palácio tens. Cortinados, espelhos, móveis caros... Quem foi o idiota que te fez esta alcova, filhinha?
— Oh, Zane, odeio-te com toda a minha alma! —gritou Valerie enraivecida. — Nunca és capaz de dizer uma galanteria ou uma frase bonita. Reserva-as todas para as outras, porque estás farto de mim, preferias não ter voltado a ver-me...
—Não, isso não. Se não fosses tu, agora estaria dependurado em S. Domingo...
—Só isso te alegrou ver-me, não é verdade?
—Valerie não sejas desconfiada—sorriu Preston, acariciando-lhe a ponta do queixo, gesto a que ela respondeu afastando violentamente a cabeça fazendo chamejar o loiro cabelo. —Sabes que és a única mulher que conseguiu deixar ferida em mim, apesar de ter fugido do teu lado, quando duvidei da nossa futura felicidade.
—Tens muitas palavras bonitas, Zane. E que me dizes de Mary Coffin?
O rosto de Preston endureceu. Uma recordação quase esquecida, transtornou-lhe as feições. Em seguida, com voz ligeiramente rouca, murmurou:
—Que sabes tu de Mary Coffin? —O que se diz em toda Santa Fé—disse ela com sarcasmo. --Que fugiste para não casares com ela. A história repete-se. Zane Preston, és o mais odioso dos homens. Essa jovem, segundo dizem, é muito diferente de mim. Ê doce, delicada e boa. Não conhece o mundo que eu me vi obrigada a conhecer. E sem remorsos a deixaste. Como a mim, como a tantas outras. Continuas igual, e alguma vez tens de sofrer o castigo.
—Não, não sou como antigamente, Valerie, e muito menos com Mary, asseguro-te.
—Cínico. Negas que a deixaste arranjada para a boda, sem dizer-lhe sequer adeus?
— Não nego isso. Mas não foram motivos como os que supões. A verdade é que cheguei a enamorar-me dessa jovem. Mas... não pude, Valerie.
— Claro. Duvidaste de poder chegar a fazê-la feliz, não? Conheço a história de memória. Porque não te chegam as dúvidas antes de nos enganar como enganas, Zane?
— Valerie, eu não enganei Mary Coffin —disse surdamente Zane, com um estranho brilho nos olhos. —Procuro esquecê-la, e com o tempo conseguiu. Fugi de Santa Fé por causa dela, admito. E só Deus sabe o que me custou voltar. Mas não há nada de mau, nem de ignóbil na minha fuga. Às vezes, Valerie, é mais piedoso mentir que dizer a verdade...
Ela não o entendia. Mas alguma coisa no tom de Zane a impressionou. Apesar de tudo, duvidou da sinceridade do homem a quem tão bem conhecia, e replicou:
—Pois trata de convencer disso os irmãos de Mary Coffin. Disseram-me que andam à tua procura... para te matar, Zane, sem contemplações.
Uma dolorosa contração deformou o rosto habitualmente risonho de Zane. Sem dar qualquer resposta às observações de Valerie, aproximou-se da janela, e ficou a olhar através dos vidros.
O Sol do meio-dia inundava de luz e calar a ampla rua ladeada de árvores, onde morava Valerie Louis, naquela luxuosa casa.
Ela, arrependida das suas palavas, acercou-se de Zane, abraçou os seus ombros, com os seus braços, amorosos e suaves, murmurando-lhe ao ouvido:
— Zane, porque nos aborrecemos um ao outro? Estou aqui para ajudar-te, não para criar-te dificuldades. Perdoa-me querido. Não queria continuar a amar-te, mas receio não poder deixar de o fazer. Por muito que tu me deprecies, por incorrigível que sejas, eu sentirei sempre o mesmo por ti. Quero-te, Zane,
Acariciou-lhe o peito e as faces, mas Zane Preston parecia estar muito longe dali, de Valerie e dos seus carinhos. Pensava no que ela acabava de dizer: imaginava, Aldo e Leyland Coffin, dois bons rapazes que adoravam a sua irmã, e que não podiam suspeitar sequer os motivos que ele tinha para se ter portado tão canalhescamente com ela.
Se era verdade que andavam à sua procura, dispostos a matá-lo logo que o encontrassem, isto constituía um perigo muito mais grave ainda que a dama de negro e os seus assassinos, e mais grave que Dano e o seu bando de «pistoleiros». Porque de todos eles, podia defender-se, respondendo com chumbo ao chumbo. Ele nunca dispararia contra qualquer dos Coffin. Se o encontro se desse, eles encontrariam um inimigo impotente, matando-o com a maior facilidade.
Zane Preston, não responderia aos seus tiros, não se defenderia deles...
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