—Amigo, é o primeiro homem que desafia Gertie e Bob, e desarma este sem que tenha sequer tempo de empunhar as armas, e ainda depois de ter mandado deste mundo um dos homens de Dano. Que classe de indivíduo é, Preston?
Zane sorriu, apostando outra pequena quantidade na roleta. A sua sorte alternava, aproveitando-o ligeiramente. A seu lado, Yarbough falava em tom de verdadeira admiração.
—Se eu soubesse, Yarbough, creia-me que me sentiria um pouco mais tranquilo. Às vezes preocupa-nos não saber qual o limite onde podem chegar os nossos impulsos.
—Não me engana, Preston. Não é nada impulsivo. Por acaso pode sê-lo impulsionado por alguma injustiça, mas nada mais. Quando enfrenta alguma coisa, é porque tem confiança em si e sabe que se vai sair bem disso. Ê como quando vejo as minhas cartas e resolvo arriscar-me; ainda que sabendo que o meu adversário pode vencer-me na jogada, porque as minhas cartas são fracas. Ê a confiança no triunfo, a convicção de que serei mais hábil ou mais farsante do que os outros. Jogar com vantagem não tem emoção, ainda que às vezes haja necessidade de o fazer. É o desconhecido, a indecisão do resultado final, que incita a jogar.
—Ê mais ou menos, o que sinto quando empunho uma arma — sorriu Zane. — Se soubesse sempre que vou ser o primeiro a fazê-lo e a disparar, carecia de emoção, confiava até que um dia acontecia ser o outro o primeiro, e eu não poderia voltar a sacar e a gozar essa emoção. Creia-me, Yarbough, ambos no fundo nos parecemos. A sua arma são as cartas, a minha o revólver.
—Fui muitas coisas, e possivelmente nenhuma boa. Mas nunca fui «pistoleiro». Creia que não seria capaz de matar ninguém como emprego. Para matar, fazem falta motivos pessoais: ódio, rancor, fúria, qualquer coisa que justifique esse acto, se é que exista alguma coisa que o justifique.
— Não há dúvida, que nunca atira a matar, pois pôde-o fazer contra Bob e Harper...
— já lhe disse que não sei se existe justificação para o facto de matar. Por isso procuro evitá-lo. Mas quando a luta é de morte, sou desapiedado como qualquer um. Ser compassivo não significa ser débil. O débil não tem lugar no Oeste.
— Isso é verdade. Por isso Gertie é forte, dominadora, incluso cruel. Sabe que tem de sobreviver ou deixar-se vencer e não aceita este último. Deveria desculpar a sua atitude.
—Já a desculpei. Depende agora se ela desculpa a minha, e isso creio ser difícil.
— Que foi que veio procurar na realidade, Preston? — interrogou de repente uma voz ao lado oposto onde se encontrava Butch Yarbough. Zane voltou-se lentamente, sem largar as fichas que tinha entre os dedos.
Olhou parcimonioso a quem lhe falava, encontrando o olhar duro, mas leal de Robert Baron, em cujos coldres voltam a luzir os seus revólveres.
—Ah? E você — comentou Zane, sorrindo ao ver como os demais se afastavam deixando um amplo espaço entre ambos. —Suponho que não voltou, para nos enfrentar de novo.
—Não, não vim para isso. —O seu rosto esboçou uma espécie de sorriso. Fi-lo por indicação de Gertie. Ela manda, e há que cumprir as suas ordens.
— Não o desgosta ser mandado por uma mulher?
— Por Gertie não. Ela é diferente das demais. Capaz de fazer o que faria qualquer homem, ou melhor ainda. Mas às vezes pode ser infantil, porque se não o fosse, não seria mulher. E o é, Preston. Uma formosa, inteligente e valiosa mulher, creia-o.
— Fala dela como se fosse seu apaixonado, em vez de ser primo—riu Zane, silenciosamente.
—Acertou. Sou ambas as coisas. O nosso parentesco é afastado, embora o apelido seja o mesmo. Sempre estive apaixonado por ela. E não consigo ocultá-lo. Mas você, Preston, ainda não respondeu à minha pergunta. Que veio fazer aqui na realidade? Bater-se com toda a gente, salvar a vida preciosa de Yarbough ou conhecer Gertie?
—E crê que na realidade tenha vindo procurar alguma coisa? Todos os que aqui vêm é para jogar, beber ou divertir-se um bocado com uma rapariga engraçada, não é para isto que está aberto o «Trebol Negro»?
—Sim. Mas você não é nosso cliente. Nunca o será. E já vi a sua cara em qualquer sítio antes e juraria que não foi num lugar pacífico. Você tem qualquer coisa, Preston. Como o caçador que procura qualquer presa. Gostaria de saber se a presa que procura está no «Trebol» ou não.
—Eu também—sorriu enigmático Zane, afastando-se da roleta. — Bebamos um pouco, senhores? O jogo é aborrecido, creio ter ganho uns cinquenta dólares, com bolita da sorte, e podemos celebrá-los com champanhe.
—Custar-lhe-á exatamente o que ganhou uma garrafa de champanhe nesta casa — riu Yarbough.
—Bem então vamos lá, senhores. Senão tenho de pôr o resto do meu bolso, e não o queria. Sentaram-se os três numa mesa.
Os clientes pareciam assombrados de que o forasteiro e Bob Baron não estivessem aos tiros outra vez, e pelo contrário celebrassem o seu encontro com bebidas de cinquenta dólares. Um criado serviu-lhe o champanhe em seguida ao pedido de Zane.
Inesperadamente, reapareceu Gertie Baron nas suas costas, entre as colunas.
Zane aspirou o seu perfume, subtil e penetrante ao mesmo tempo, o seu vestido verde e negro, sobressaía mais a sua beleza física, muito próximo dele. Uma mão enluvada de verde poisou no seu ombro. Aquela voz era sensual, e que podia também ser metálica e dura quando ela queria, lhe disse:
—Posso sentar-me com os cavalheiros, nesta espécie de tréguas?
Yarbough e Robert olharam-se assombrados. Zane, torceu os lábios num fingido sorriso, e assentiu com a cabeça sem pronunciar palavra.
Ger-tie Baron sentou-se na sua frente, e aceitou uma taça do borbulhante licor dourado que lhe oferecia Yarbough, e com a taça nos lábios, olha fixamente Zane, perguntando-lhe em seguida:
—Que procura, Preston?
Zane franziu os olhos num instintivo gesto de cautela. Riu de uma forma apagada, dando voltas com a taça de champanhe.
—Todo o mundo se interessa por mim, pelo que vejo—disse, pensativo. —Não deixa de ser curioso.
— Que quer dizer? — replicou altiva. — Não é você a primeira pessoa que me faz essa pergunta, senhora Baron. Já há pouco o seu primo fez, duvidoso, a mesma interrogação, admirado de eu estar aqui. Suspeita de qualquer outra coisa.
—E eu também. Não suspeito, tenho a certeza. Que procura?
—Talvez não me interesse falar consigo no assunto.
—Preston, você é o único homem que me consegue alterar os nervos. Sem dúvida, procurarei ser paciente. Admito com lealdade os meus fracassos, e consigo o tivemos Bob e eu, que é como dizer um só, porque Bob recebe um ordenado meu, é meu parente e defende a minha causa, não a sua. Admito isso com a sinceridade do inimigo que não se resigna a perder, mas o aceito com lisura, falemos de você, Preston.
—Falemos. Porque não fala você primeiro?
— Não sei nada de você. Pois um homem que não vem jogar senão pequenas quantias, que não se diverte com as mulheres da casa, que apenas bebe e quando o faz é para gastar o que ganhou na roleta, é já de si um tipo raro. Juntando a isso que o indivíduo em questão dispara como um raio, não tem nada de tonto, observa tudo em seu redor como se fosse um agente federal ou coisa parecida, então já não é raro mas sim inquietante... e talvez perigoso. Santa Fé é um sítio onde todos vivem de um modo pouco legal, fictício e quase sempre à margem das coisas justas. Um homem como você pode ser três coisas: um «pistoleiro», um rural ou um vagabundo.
—Em qual das três votaria, senhora Baron?
—Não sei, que é o que me preocupa mais. Tem algo das três, sem definir-se em uma concreta. E esse conjunto é perigoso.
—Para você? —Zane inclinou-se astuto, até ela.
— Ou para você — sorriu lenta e brincalhona, a formosa loira.
—Ê uma ameaça, uma advertência ou uma simples possibilidade?
—Em qual das três votaria? —troçou ela.
—Em todas —riu Zane, divertido. —Não gosto de deixar nada ao acaso. E vou ser leal. Perguntaram-me o que procuro. E se lhes disser que procuro uns homens brancos que se estão fazendo passar por apaches?
Ela encarou-o e a sua surpresa parecia ser sincera. O olhar de Prestou foi rápido de um para outro, achando os gestos de Yarbough e Robert completamente normais. Nenhum deles olhou sequer para Gertie com inquietação ou perturbação. Os três pareciam desconcertados.
—Não o entendo, Preston —disse lentamente. —É uma chalaça ou um enigma.
—Ë um mistério real e verdadeiro—continuou Zane, sem desviar os olhos dela. —A diligência de Albuquerque, foi assaltada, roubadas as malas-postas, joias e dinheiro dos passageiros, que depois de mortos a tiro, foram escalpelados brutalmente. Eu encontrei a diligência, e há quem pense que posso ter alguma coisa a ver com isso, porque em tempos fui amigo dos apaches. Está claro isto?
— Não —Yarbough mostrou o seu assombro. —Não sabia nada disso.
—Amanhã o saberá, Butch. Possivelmente o assunto custará uma batalha com os índios e alguma matança nas suas aldeias, mas estou certo de que eles estão inocentes.
—Como poder dizer isso? — surpreendeu Robert Baron. — Se os escalpelaram...
—Eu vi já alguns brancos, ainda mais ferozes que os índios fazerem isso a um índio morto, de vingança porque um irmão, um pai ou um filho sofreu essa sorte às suas mãos. E se tem pulso firme, o fazem com tanta limpeza como um apache. Isso, senhores, não significa nada. Podem ter sido homens brancos.
—Admitindo ainda que pudessem ter sido brancos os seus autores—exclamou Yarbough—porque susténs essa teoria, Prestou? Ê muito improvável e difícil de acreditar.
—Talvez para alguém não seja tão improvável — sorriu enigmático. — Sobretudo para uma mulher...
—Uma mulher- — Gertie Baron empalideceu debaixo do carmim. Dentro das grandes luvas verdes os seus dedos devem ter ficado brancos ao apertar com força a taça de champanhe. — Quem é?
— Se eu o soubesse... — Levantou-se, deixando em cima da mesa as fichas do jogo. —Fiz um alegre serão. Boas noites, amigos. Agora vou-me embora. Na realidade, creio que nada mais tenho de procurar aqui.
—Acaso o encontrou já? —O tom de Gertie era hostil.
— Ou acaso nunca o encontrarei — replicou Zane com suavidade.
—Suspeita que algum de nós tenha alguma coisa a ver com esse mistério? —observou Bob.
—Suspeito de toda a gente, Baron. E continuarei suspeitando até encontrar as pessoas capazes de semelhante tarefa. Talvez volte aqui... se me prometerem não me receberem a tiros como esta noite.
—Depende das suas intenções—respondeu Ger-tie Baron, com aparente doçura. —Quase juraria que começa a ser-me simpático. Estranho, não é verdade?
— Muito —riu Zane. — Por este andar, acabaremos por nos apaixonarmos e casarmo-nos, «Dama».
E continuava rindo, enquanto três olhares indefinidos e preocupados seguiam as suas largas costas musculosas por entre mesas e cadeiras, até desaparecer na porta de saída. Os vaivéns continuaram o seu movimento, que só pararam quando Zane Preston estava já muito longe das três personagens sentados à mesa.
O mais pensativo dos três e em cujo rosto estavam marcados os traços de preocupação, era precisamente Gertie Baron, a «Dama» do «Trebol Negro».
Ao deitar-se na cama, as molas ferrugentas rangeram, deitando-se ao comprido. Zane ficou rígido, apurando o ouvido, embora sem aparentar mudar de aspeto. Tinha excessivo apurado sentido auditivo para se enganar. Juntamente com o ranger das molas captou outro som diferente e mais longe dali.
O seu olhar foi lento e calmo até à janela, ante a qual caía a persiana de madeira que deixava só entrar uma nesga de luz das estrelas. Era provável que alguma coisa se houvesse mexido ao olhar, muito embora não tivesse a certeza, pois que nos minutos seguintes de tensa espera nada se moveu.
Zane levantou-se de novo, dirigiu-se à mesita sobre a qual ardia um candeeiro. Rápido, apagou a chama. Imediatamente, colocou o revólver no coldre, sem produzir o menor ruído, pois havia-o deixado em cima da mesa.
Avançou até à beira da cama e voltou a sentar-se, produzindo novo ranger de molas, em seguida levantou-se, calmo, escondendo-se à espera do que estava certo viria a acontecer.
Antes disso, sempre manobrando na escuridão teve a precaução de unir as almofadas, dar à cama a ideia de que estava alguém nela deitado, e só depois resolveu esperar, apertando com força a coronha do revólver aguardando os futuros acontecimentos.
Teve de esperar quase meia hora, antes das coisas se começarem a desenrolar.
No meio do silêncio noturno do caloroso e fedorento quarto do hotelzeco, estalou uma tábua da persiana de madeira. O que tentava abri-la não era novato em tal mister, pois de seguida esta cedeu e apareceram na entrada duas volumosas sombras.
A luz das estrelas ao cair sobre a cama, deu aos olhos dos intrusos a silhueta de que no leito repousava o corpo de uma pessoa. Acto contínuo, começou a brotar chamas de quatro revólveres em direção da cama, e crivando materialmente o suposto adormecido e fazendo agitar as roupas ao contacto do chumbo cadenciado, que pegaram fogo às roupas.
Foi como um violento furacão, um golpe de fúria e de estrondo mortífera, que rápido acabou, para permitir aos dois assassinos aproximarem-se da cama para presenciar o êxito da sua obra.
Na escuridão, Zane Preston sorria com crueldade. Não devia ter pena de quem tinha demonstrado tão pouca demência. Tinha de ser já, pois logo que descobriram o malogro em que tinham caído, começariam a caça desapiedada ao seu inimigo.
Zane deixou-os avançar até à borda da cama. Então, ergueu-se lento por detrás deles, apontando... e apertou o gatilho. Os disparos começaram a brotar do seu revólver. Alaranjados clarões começaram a sair do cano, projéteis de chumbo se incrustaram na carne dos dois visitantes noturnos, que se torciam, conforme eram cosidos a balas.
Um deles retrocedeu cambaleando de um lado para o outro devido aos tiros de Zane Prestou, até golpear o vidro da janela, que dava para o corredor por onde ambos tinham entrado. Debruçou-se no parapeito onde recebeu a última bala de Zane, e com o impulso caiu à rua. O corpo ao cair fez um enorme estrondo no empedrado da rua, onde estava situado o holtezeco.
O segundo agressor nem sequer chegou a abandonar o quarto, onde caiu de bruços sem o mais pequeno sopro de vida.
Zane friamente, baixou a arma e acercou-se do morto. Nunca o tinha visto. Aquela cara vulgar, barbuda e suja, lhe era completamente desconhecida.
Quando se levantou, algo silvou lá fora, e um objeto, sólido, e faiscante entrou pelo quarto dentro, rebolando duas vezes sobre o sobrado. O olhar de Zane se fixou naquele objeto e um calafrio invadiu o jovem. Era um cartucho de dinamite, cuja pequena mecha incendiada estava a chegar ao fim! Havia sido lançado da rua, e apenas tinha poucos segundos para salvar-se, pois não tardaria a dar-se a explosão dentro do seu quarto. Sem perda de tempo, Zane precipitou-se para a janela, na intenção de saltar para a rua de onde
tinha vindo tão mortal perigo. Mas nesse momento uma chuva de balas, obrigou-o a retroceder para não conhecer o sabor dos projéteis. Porém, o rastilho estava no fim, e a situação era impossível. Zane resolveu-se pelo perigo mais relativo, indo para a varanda, o mais agachado possível e no meio de uma verdadeira chuva de balas, vindas da escuridão da rua.
Alcançou o topo da varanda, saltando a grade de ferro no momento em que se dava uma terrível explosão, lançando pela janela que tinha saído pouco antes, um montão de destroços e labaredas que iluminou a sombria rua.
Nesse instante em que a varanda caía devido à explosão, o corpo ágil e felino de Zane Preston, voava pelo ar, quase dez jardas acima do chão, e alcançava com mãos firmes a varanda de uma casa vizinha. Pouco a pouco foram-se extinguindo os ecos da tremenda explosão, enquanto Zane subia a pulso rápido antes que os seus inimigos, momentaneamente cegos pelas labaredas, o pudessem descobrir numa posição tão visível.
Saltou para o interior da varanda, quando uma janela se abriu, e uma figura de mulher apareceu envolta num longo robe e com uma expressão de terror no rosto. Ficou rígida, contemplando o intruso, e quando ia a lançar um grito, Zane, rápido, tapou-lhe a boca com uma mão impedindo-a de gritar.
Em seguida empurrou-a para dentro do quarto sem contemplações, enquanto murmurava autoritário:
—Vamos, irmã, não se assuste. Sou uma visita acidental, que irá sair de seguida. Sinto ter invadido a sua casa, mas resulta que uns homens amigos pensaram em alegrar-me a noite com um pouco de fogo de artifício, e se queimaram. Detesto os ruídos noturnos, de modo que me despedi desse repugnante hotel onde estava hospedado. Vai ser boa pequena para não gritar?
Só a soltou quando ela moveu negativamente a cabeça, muito pálida e com os olhos dilatados. Vigiou-a com atenção, não lhe acorresse começar a gritar de repente, mas a jovem, que era demais bastante nova era-também bastante bonita sobretudo com 'aquela roupa, tomou alento e respirou fundo, murmurando em tom baixo:
—Que é que quer? Joias, dinheiro?
— Vamos, filhinha, não me confunda. De agora em diante, sempre que uma jovem como você me olhe, ficarei na dúvida se será pelo meu porte físico, ou se suspeita que lhe quero roubar o colar de brilhantes. Não, não, minha jovem, andam-me a rondar com demasiada afeição, e tenho de me esconder. Não grite, seja boa pequena, e nada lhe acontecerá! De acordo? E guarde as suas joias se as tem.
Ao princípio ela pareceu surpreendida. Em seguida, uma expressão de alívio se espalhou no seu rosto, ao ver que o intruso falava a sério, e até recuperou a cor das faces, ficando realmente bonita. Ao mover-se para acender o candeeiro que estava junto ao leito que acabava de deixar, o seu robe era demasiado transparente para os nervos de Zane. Mas mesmo assim teve a suficiente presença de ânimo, para se adiantar e evitar que o acendesse:
— Não faça isso — murmurou. — Quer que transformem a sua varanda num montão de vidros partidos? Não, não, a escuridão é melhor. Tem alguma arma por aqui, e outra saída para que possa deixar a sua casa sem ser visto.
Ela assentiu. Com um sorriso, abriu uma gaveta da cómoda, extraindo um respeitável exemplar de um «Colt», e num gesto simples, estendeu-o a Zane, juntamente com uma caixa de balas.
Olhou-a com admiração, a meia luz que entrava pelas vidraças da janela, e sem puder evitar o seu impulso, aceitou com uma mão a arma e as munições, e com o outro braço atraiu a si pela cintura a jovem, e beijou-a nos lábios. A jovem recuou, entre alarmada e divertida. Zane sorriu cinicamente.
— Perdoa, filha, mas isto é o que sinto capaz de roubar a uma jovem nestas circunstâncias. Agora indica-me a outra saída e que o céu te abençoe por isto...
Ela acabou por sorrir divertida, pegou em Zane por uma mão e o conduziu por uma escura escada, recomendando-lhe silêncio, num murmúrio.
— Cuidado. Os meus pais podem acordar.
—Se não despertaram com todo este estrondo, não os despertará nem uma repetição da batalha de Gettysburg, em plena rua, minha amiga—respondeu Zane assombrado.
Desceram até uma grande sala às escuras, que atravessaram, sempre guiado, pela sua bela guia, e no fim entraram num grande pátio que o transpuseram até pararem em frente de uma pequena cancela aberta e não muito alta.
Os gonzes bem untados não rangeram.
—Se os seus «amigos» estão em frente do hotel, creio que os vai surpreender pelas costas — riu ela baixinho.
—Querida, és uma joia—disse Preston, com nítida admiração. —E és a primeira mulher bonita com talento que encontro na minha vida. Como te chamas?
—Susana—disse ela rindo na penumbra, e olhando-o fixamente.
—Susana... Gosto do nome. Voltarei qualquer dia, mas não entrarei pela varanda. por onde eu mais gostava—riu ela, beijando-o com rapidez.
De seguida, os seus pequenos pés descalços empreenderam uma rápida corrida através do pátio, refugiando-se em casa. Antes de desaparecer fez um pequeno aceno de despedida.
—Adeus, pequena.
Preston lançou-lhe um beijo com a ponta dos dedos. «Demónio», que jovem mais impulsiva e cheia de vida... Enfim, Preston, atua e deixa-te de pensar em saias. Essa pequena, fez-te um belo favor em ensinar-te esta saída».
Saiu, sem fazer o mínimo ruído, e fechou cautelosamente a porta. Encontrou-se numa escura travessa cheirando a esterco e desperdícios. Ao fundo via-se um amplo largo. E escondidos na esquina, dando-lhe com candura as costas encontravam-se dois homens com espingardas de repetição «Winchester» último modelos segundo apuraram os seus agudos olhos.
«Bom, vamos fazer uma surpresa a esses pequenos», disse para si mesmo.
Verificou a carga do «Colt», recebido da sua inesperada aliada daquela noite, levantou o percutor e apontou às costas dos homens, que com o olhar no alto, esperavam sem dúvida dar com o rasto para cosê-lo a tiros sem contemplação alguma. Mas ele não era da mesma espécie. Nunca dispararia pelas costas sobre um homem, nem mesmo sobre um traidor e cobarde que fosse. De modo que, uma vez preparado, avisou com voz clara:
—Eh, vocês Procurais-me?
A surpresa deixou presos ao chão os dois homens, parecendo tardar um século em voltarem-se, mais lentos que um fraco atirador para encher de chumbo o seu adversário. Sem pressas, Zane esperou tê-los frente a frente para ler o imenso assombro nas suas nojentas caras. Então começou a disparar. Uma, duas, quando os outros dois, num movimento mais rápido que o anterior tentavam apontar-lhe os seus «rifles».
O «Colt» ladrou quatro vezes com surdos estampidos. Línguas de fogo vermelho silvaram na rua malcheirosa encontrando o corpo dos dois emboscados atiradores, que momentos antes quase lhe tinham acabado com a vida.
Ambos dobraram-se sobre si, largando as espingardas e caíram de bruços no chão, ficando imóveis, sem tempo para tentarem a menor resistência contra o implacável lutador que os surpreendeu pelo sítio que menos haviam imaginado. Depois do novo tiroteio, a calma foi mais absoluta, um silêncio de morte, envolveu de novo a travessa.
A figura alta e atlética de Zane Preston, avançou com passo lento até aos seus inimigos. Não precisava de precauções para o examinar. Quando chegou ao pé, e deu uma volta, os corpos estendidos, eram já cadáveres. Em cima, pela janela do hotel, onde havia estado até há momentos, ainda saía nuvens de fumo negro e gritos de alarme e terror. Também estes lhe eram totalmente desconhecidos, o que não era de estranhar. Levantou-se pensativo, contando mentalmente:
— Quatro a menos na lista de alguém um sorriso humorista apareceu nos lábios. —Por este andar terá de alugar um exército para acabar com Zane Preston...
Afastou-se rápido do lugar da luta, pensando na engenhosa disposição da emboscada, com que pensavam eliminá-lo definitivamente.
— Quem teria realizado e planeado a diabólica emboscada?
Vários nomes acudiram à sua mente. Mas um primeiro que todos... Era possível que as coisas se começassem a desanuviar. De momento, alguém sabia da sua presença em Santa Fé e as razões da sua investigação. Isto significava muito. E por outro lado, não havia o mínimo interesse que as coisas seguissem para a frente. A ordem era facilmente visível: matar Zane Preston.
Carregou os seus revólveres, o seu e o que lhe dera aquela bonita jovem em cujo quarto caíra tão providencialmente.
Sentiu-se melhor e mais seguro. Avançou rua abaixo, disposto a não regressar ao hotel. Não estaria em segurança por aqueles lados de Santa Fé e a cidade era bastante grande para procurar outro refúgio mais apropriado.
Pensou em Valerie. A jovem havia-lhe dito, antes de separarem-se, naquele dia ao chegarem a Santa Fé onde ficara alojada: «As Armas do Vissey». Era o típico edifício caído, de acentuado estilo espanhol, situado no melhor bairro residencial de Santa Fé.
Caminhava, colado às paredes, debaixo dos alpendres ou saliências do edifício, estudando com atenção as ruas por onde devia passar. Por esta razão descuidou um pouco a vigilância das paredes junto das quais caminhava. Foi um erro.
Só deu conta quando, de súbito, algo brotou da escuridão de uma porta, e se cravou nos rins com força e energia. Era largo, redondo e metálico e o ruído cio percutor no meio do silêncio, não deixou dúvidas da origem do objeto. Estacou seco, com todos os músculos tensos, e chamou-se mentalmente estúpido. Uma voz ruidosa soou a seu lado, aparecendo também da sombra daquela porta:
— Faz um só movimento, Zane Prestou e és um homem morto. Levanta os braços
—Se levanto os braços, faço um movimento. Em que ficamos? — respondeu Zane. — Não arme em gracioso. Levante os braços e não se mova mais, depois disso.
A pressão do revólver nas suas costas, acentuou--se marcando o afã da ordem. Zane sabia quando tinha a partida perdida e teve de obedecer. Não era útil nem sequer heroico, senão simplesmente estúpido, deixar-se matar ali mesmo.
—Agora, tira-lhe as armas, Milton—disse a mesma voz.
Quem quer que fosse Milton, devia estar desviado, sem que o notasse, porque sentiu uns passos silenciosos como os que produz uns pés descalços, avançaram nas suas costas, sobre as tábuas da passarela, tirando-lhe as armas dos coldres. Assim era compreensível que não advertisse que era seguido. Um homem descalço não produz ruído algum assim estava arrumado.
—Bem, Preston, parece que terminaram as tua andanças—afirmou o do revólver.
—Isso parece, mas não esteja tão certo.
—Eu estou sempre seguro no que digo,.
—Envia-o a «Dama» de negro, amigo? —interrogou Zane, crispando os punhos.
— Em mim não manda nenhuma mulher, Preston —cortou em seco uma voz. —John Powers Dano não obedece senão às ordens do seu próprio cérebro, vá metendo isso na cabeça. E a ordem que me dita agora a minha cabeça e que dou aos meus homens, é matá-lo a você, Preston. Portanto andando, não oponha resistência e veremos o que vamos fazer consigo.
Uma carruagem, fechada e pouco ruidosa entrou na rua, procedente de uma travessa adjacente. Deteve-se em frente deles, uma mão abriu a portinhola, e Zane anteviu vagamente uns dedos brancos e sensíveis, demasiados para ser de homem, acionando a maçaneta do carro.
— Suba — ordenou John Powers Dano, o foragido mais popular de Santa Fé.
Zane subiu. Quando entrou na carruagem, algo caiu sobre a sua cabeça sem ruído, mas com uma contundência terrível, e o derrubou, caindo inconscientemente sobre o acolchoado chão do carro.
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