Para Zane Preston, preso, voluntariamente, na vivenda de Valerie Louis, os luxos e o conforto tido em casa não influíam em nada, pois que o tédio era igual em todas as horas.
Valerie, em frente dele, estudava-o em silêncio muitas vezes. Como agora, enquanto jogavam as cartas para matar o tempo.
Zane, sem se barbear e bizonho, continuava a ser um homem atrativo para Valerie. Porque ela amava-o. Estava certa de que o amaria sempre.
Desejava não notar tão claramente o seu ar aborrecido, pois isso era claro indício de que a sua presença a seu lado não lhe era nada benéfica. E isso resultava humilhante e doloroso para ela.
De repente, Zane atirou as cartas sobre a mesa e passou a mão pelo rosto, com ar irritado.
— Não posso continuar, Valerie — lamentou-se. —Estou farto de tanta inatividade. Se não acontece nada tão cedo, morrerei de tédio, neste teu bonito palácio.
—Acaso porque estou eu aqui? — enfureceu-se Valerie, olhando-o com insistência.
— Não digas asneiras, Valerie. Sabes bem que és a única coisa agradável em tudo isto...
— Devo acreditar, ou considerar como um galanteio impróprio de ti?
—O que queiras —Zane encolheu os ombros. —Sabes que digo sempre o que sinto. E esta inatividade, presságio de violências e novos conflitos, que me põe tenso, vibrante como as cordas de uma guitarra. Se os acontecimentos não começam a precipitar-se, creio que enlouquecerei... —deteve-se, interrompido bruscamente pelo bater na porta de entrada.
Depois, quem quer que fosse encontrou a campainha e esta soou por toda a casa, em ecos musicais, nos amplos salões tapetados de verde e ouro. Valerie e Zane olharam um para o outro, tensos e intrigados. Instintivamente, Zane moveu-se até à cómoda próxima, agarrando num dos seus revólveres, sem tirar os olhos da porta. O toque repetiu-se.
— Não pedias que se precipitassem os acontecimentos? — sorriu ela, com certo tom trocista. — Pois parece que te ouviram... Que faço?
—Vai abrir—disse num sussurro o jovem, encaminhando-se até uma pesada cortina verde, de reflexos dourados, ocultando-se atrás dela. Pelo meio da abertura fez assomar o cano do seu revólver. Acrescentou muito baixo: —E tem cuidado. Há gente em Santa Fé que não vacila em matar quem lhe estorva. Se vem alguém armado, ou suspeito, não dês mostra de medo, não grites nem resistas. Deixa entrar quem seja... e que Deus venha em ajuda dele, porque eu cá estou...
Valerie Louis encaminhou-se serena até à porta. Ao chegar, repetiu-se a chamada uma vez mais. A formosa jovem ergueu a sua figura, debaixo do amplo robe de seda vermelha, abriu o postigo, e perguntou, desabrida:
— Quem é?
Uma voz de homem, desconhecida para Zane Prestou, que apurava o ouvido tanto quanto possível, respondeu:
—Um amigo, senhora Louis. Abra por favor.
—Não tenho amigos—foi a seca resposta. —E muito menos desconhecidos. Quem é?
—Chamo-me Daniel Parrish. Sou agente especial da «Wells & Fargo». Não venho prender Zane Preston ou a você. Também não sou nenhum inimigo perigoso. Abra, por favor.
Ela vacilou, visivelmente preocupada. Zane, rápido, recomendou:
—Abre, e desvia-te.
Valerie, com grande agilidade de movimentos, fez o que ele mandou. Abriu, colocando-se no lado oposto do umbral em que se encontrava a figura de um só homem, sem armas na aparência, com levita castanha, colete cinzento e um chapéu cor de canela, em peluche brilhante, que lhe cobria os cabelos grisalhos, parecia sorrir levemente ante a situação.
—Boas noites — saudou, brincalhão. — Não está ninguém em casa?
Zane, sem sair de onde estava, ordenou secamente:
—Entre, feche a porta e avance até aqui com as mãos no ar e longe do corpo. O que dissera chamar-se Daniel Parrish, sorriu mais amplamente, mas obedeceu em silêncio a todas as ordens, fechou a porta, depois de uma olhadela ao exterior, em seguida levantou os braços, e olhou de revés para Valerie Louis, já visível aos seus olhos, inclinou-se numa leve e cerimoniosa saudação, obedecendo às instruções do homem que adivinhava oculto entre as cortinas, apontando-lhe sem dúvida uma arma. Quando se encontrava no meio da sala, Zane saiu do meio das verdes cortinas, dizendo a Valerie:
— Pega no outro revólver e vigia-o enquanto o revisto.
—Posso revistá-lo eu, Zane... —observou ela.
—Não querida. Vi muitos homens utilizarem como escudo a mulher que se aproximava, com a maior rapidez e habilidade. Não, não cairei nessa asneira, senhor Parrish.
—As suas precauções parecem-me atinadas, Preston, mas inúteis neste caso—observou Parrish lentamente. —Não sou seu inimigo. Pode revistar-me. Trago um revólver calibre 36 no bolso direito da levita. Nada mais...
Zane, enquanto Valerie passara a vigiar o recém--chegado com um revólver empunhado com mão firme, incapaz de tremer nas mais difíceis circunstâncias, e encontrou a arma anunciada, mas nada mais. Guardou-a na cintura, e indicou a mesa onde tinha estado a jogar a partida de cartas com Valerie.
— Parrish —disse suavemente. — Agora estou mais tranquilo.
—Alegro-me, Preston. Não gostei que suspeitasse de mim. Vim ajudá-lo... ao mesmo tempo que me ajuda a mim.
—Ah. Visita de negócios, não? Manda-o a «Wells & Fargo»?
—Só em certo ponto—procurou no bolso, sem deixar de ser olhado por Zane e logo estendeu um papel. —Sou agente da Companhia, investigando o caso de Mesa Encantada.
Preston deitou uma olhadela às credenciais do visitante, escritas em papel timbrado da «Wells & Fargo, Overland Mail and Co.», em nome de Daniel Parrish, agente especial da mesma, em serviço de investigação. Devolveu-o, sem sentir incomodo do seu recebimento, nem pelo aspeto aprazível e cordial do recém-chegado. A pergunta brotou num disparo dos seus lábios:
—Como deu comigo, Parrish?
— Não foi difícil — sorriu o agente das diligências. —Primeiro tive de averiguar quem o ajudou em S. Domingo a fugir da fúria da multidão e do irrascível e infame sargento O'Hara. Uma mulher loira, de Santa Fé. Averiguei o nome: Valerie Louis. Descobrir a direção da senhora Louis em Santa Fé, não foi difícil. E dar com a casa e imaginar que o desaparecido Zane Preston estivesse aqui escondido, não requeria tão-pouco excessivos, esforços de imaginação. Claro que podia dar-se o caso de não estar aqui, mas era conveniente ver a senhora Louis, e ver se obtinha algum dado. Tive sorte.
— Isso parece correto — Zane sentou-se à sua frente, sem largar a arma. —E agora?
—Agora falemos, você e eu, Preston, se não se nega a cooperar com «Wells & Fargo».
—Julgava que era um «fora da lei», suspeito de assassínio.
— Oficialmente, ainda o é. Uma falta de imaginação absurda de O'Hara, mas quando se souber a verdade você ficará livre de suspeitas. Por isso é conveniente ajudar-me.
— Você procura a verdade?
—Por isso estou aqui.
—Que julga que aconteceu?
—Possivelmente o mesmo que você. Falei com o cabo Wilson, que me narrou a sua história. Não me soou a invenção e acredito nela. Para mim está inocente. A minha empresa não sabe o que acreditar ainda, embora lhes custe a crer não serem os apaches os culpados.
«Se o meu critério particular prevalecer, você será dado como inocente. Averiguei algumas coisas, que de certo modo confirmam a sua história».
—Que coisas, Parrish?
—Permita-me que as reserve ainda— sorriu ele. —Antes gostaria que me contasse o que fez em Santa Fé desde que chegou. Entre isso e o que eu imagino, podemos formar uma ideia bastante completa. E tratar de resolver este enigma antes da saída da nova diligência e possa repetir-se o assalto, embora vá escoltada.
Zane pôs sobre a mesa a sua pistola, demonstrando que por fim confiava em Parrish. Inclinou--se para ele, e repousadamente, contou-lhe tudo o que tinha acontecido, os perigos passados, as suas suspeitas e receios e tudo mais.
Quando terminou, Parrish estava pensativo. Depois de um largo silêncio, falou:
—Gertie Baron... Sophie... John Powers Dano... e você — completou, inesperadamente, dirigindo-se com um duro sorriso a Valerie que recuou surpreendida.
— Eu? — exclamou, atónita.
—Foi o que disse. Você, senhora Louis, é loira, enérgica e inteligente. Uma mulher capaz de subornar um soldado da União, é perigosa e capaz de tudo. Todavia não sei porque estava em S. Domingo na noite em que Preston correu o perigo de morrer. Diga-me senhora Louis: Que foi que a levou ali?
Reinou um intenso silêncio. Valerie ia a protestar por aquela pergunta, quando observou que nos olhos de Zane se fixavam nela, refletindo igual interrogação. Por fim, lentamente, justificou-se:
—Saía de Santa Fé por uma temporada. Estou farta desta cidade. Resolvi ausentar-me depois da diligência ter saída, e então preparei o meu carro para chegar nessa mesma noite a S. Domingo e desse modo apanhar qualquer das diligências com rota para o Sul, no dia seguinte ou depois. Gostava de ir para o México por uns meses.
—Bem, é uma razão aceitável — sorriu Parrish sem ocultar a sua descrença.
—Acaso duvida de mim? De que é que pode sus peitar?
— Nada, que não suspeite de qualquer outra mulher de cabelos loiras, carácter autoritário e energia comprovada. Mas não deve ofender-se. As suas possibilidades de corresponder à nossa fantástica e misteriosa «dama negra», são mínimas.
—É um consolo—manifestou ela secamente, afastando-se até à janela e desinteressando-se da conversa dos dois homens.
Sorrindo Zane Preston, sem desviar os olhos vigilantes de Parrish, a quem disse:
— Gosto como leva as coisas e a forma de as abordar. Eu já lhe contei o que sabia. Agora diga-me Que foi que averiguou?
—Poucas coisas concretas, mas algumas muito significativas. Admite-se a possibilidade de que seja um branca, hábil na questão, quem tenha escalpelado os ocupantes da diligência. Facto que nem sequer se daria por ele se não fosse o seu relato. Creio que com o seu inoportuno encontro com o grupo de mascarados, deu um desgosto a alguém que esperava impunidade total e acusação aos apaches sem a menor dúvida.
—E sobre a identidade dessa quadrilha de foragidos?
—Nada em concreto. Eu já havia pensado em Dano e sobretudo na sua amiguinha Sophie. Mas depois de ouvir a sua história, começo a ver menos claro. Encontrei algo na diligência sinistrada que confirma plenamente a sua declaração, Preston. Veja...
Havia extraído um envelope escuro. De dentro tirou uma madeixa de cabelos loiros, que estendeu a Zane. Este, pensativo, estudou-os. Em seguida olhou para o agente.
—Estavam ali?
—Sobre o estofo da diligência. E sem qualquer dúvida, nenhuma das mulheres assassinadas era loira. Podiam estar ali há bastante tempo, mas não o creia. Estava limpo de pó o assento, e um empregado da Posta em Santa Fé disse-me que limpa cuidadosamente os assentos antes de cada viagem. Isso limita as coisas, não crê? Há, indiscutivelmente, uma mulher loira pelo meio. E eu em face destes cabelos, tive uma ideia que quero comprovar.
—Qual é o seu plano?
— Fazer uma visita a Gertie Baron e ao seu covil — sorriu Parrish. — Esta noite vou lá. Estou certo de encontrar algo. E se for assim, precisarei de você, Zane. Eu não sou tão bom lutador como você. E tenho uns quantas anos mais, que é um fator importante. Quer ajudar-me em tudo isto?
—Conte comigo—disse Prestou sem vacilar. —Que tenho de fazer?
— De momento nada. Suponho que estava aqui escondido, esperando. Espere umas horas mais. E esta noite, digamos à meia-noite e meia hora, vá ao «Trebol Negro». Não se deixe ver por ali porque podem julgar que anda a espiar. Espere-me na parte de trás, onde há uma entrada de emergência da vivenda de Gertie. Reunir-me-ei a você e entraremos em ação, se dou com o que espero. Combinado?
— Combinado, Parrish. À meia-noite e meia hora, na travessa detrás do «Trebol Negro». E se alguma coisa lhe suceder dentro do edifício, não vacile em dar um tiro—estendeu-lhe o seu revólver com um franco sorriso. —Acudirei em seguida, em cima de quem for... — Obrigado—disse o agente especial da «Wells & Fargo», levantando-se. —Sabia que podia contar consigo, Preston...
Um relógio próximo deu duas badaladas. À meia-noite e meia hora Santa Fé parecia dormir em todas as suas ruas obscuras. Não importava que as suas casas de jogo, «saloons» e lugares de prazer estivessem concorridos, cheios de bulício, risos, música e gritos. Tudo isso não transcendia para o exterior.
Zane Preston, imóvel, mantinha os olhos cravados na pequena porta posterior do edifício do «Trebol Negro». Esperava a saída de Daniel Parrish. Era o combinado. Mas Daniel Parrish não havia ainda saído.
Preston mantinha os nervos quietos, serenos, ainda que dentro do seu cérebro bulisse a tensão própria da espera. Só que agora essa espera tinha um objetivo, um fim. Acaso naquela mesma noite, se o êxito sorrisse a Parrish, descobririam o mistério alucinante de uma diligência convertida em veículo da morte, em carregamento de cadáveres escalpelados?
Nesse momento, ouviu-se um tiro. Uma detonação que fendeu o silêncio com a força angustiosa do seu significado. Zane Preston entrou em ação. Tirou o revólver, engatilhou-o e avançou até à porta posterior do edifício. Antes de lá chegar, voltou a ouvir mais dois tiros. Depois dos três tiros de revólver, reinou um silêncio mais agonizante do que nunca.
Preston encostou o seu revólver à fechadura da porta. Apertou duas vezes o gatilho, destroçando o metal da fechadura que pendeu inútil antes de dissipar-se o fumo. Deu um forte pontapé, abrindo a porta. E recuou, alerta ao ver surgir uma sombra cambaleante, direita a ele. Zane ia a disparar. Mas então reconheceu o homem que avançava.
—Parrish! — exclamou alarmado correndo para ele.
Quando o alcançou, chegou no momento preciso para acolhê-lo nos braços. Algo espesso e quente gotejou sobre as suas roupas manchando-as. Correu também pelas suas mãos, enquanto sustinha com segurança o corpo pesadíssimo que era agora aquele Daniel Parrish sem agilidade e sem vida.
—Parrish! —repetiu. —Que aconteceu? Está ferido...
Ao mesmo tempo que sustinha entre os braços o agente especial das diligências, perscrutava nas sombras da estreita passagem situada nas costas do feriado. Não via rasto da pessoa que disparara sobre Parrish. Este, num murmúrio rouco, que fazia ferver desagradavelmente algo no seu peito, murmurou:
—A «Dama Negra» ... existe, Preston... Me... me feriu quando... quando ia a...
—Vamos, Parrish, fale! Quem é? Viu a «Dama Negra»?
—Sim... Sim... Foi quem disparou... sobre mim... A mulher de negro... é... é...
Um gorjeio rouco e sinistro brotou dos lábios do audaz agente da «Wells & Fargo». Em seguida, tombou entre os braços de Preston, convertendo-se num peso morto por completo.
Zane depositou-o em terra, compreendendo que tudo era inútil: Parrish jamais diria quem era a mulher culpada. Mas Zane tinha poucas dúvidas sobre a sua identidade. Avançou pela estreita passagem, deixando atrás o corpo sem vida, do infeliz Daniel Parrish.
O agente das diligências, valoroso e abnegado, tinha descoberto a verdade como prometera. Mas levou-a consigo para a tumba. Zane Prestou vingá-lo-ia. Estava resolvido a isso, fosse quem fosse o culpado.
De repente, levantou-se uma cortina. Um rosto pálido assomou encarando com Zane que, rapidamente lhe apontou o revólver, disposto a crivá-lo a tiros.
— Não, não dispare! — soou uma voz. — Quem é você e que aconteceu?
Zane reconheceu a voz de Yarbough, o jogador. Acercou-se dele, e quando o batoteiro o reconheceu, lançou uma exclamação de assombro:
—Zane! Que demónio faz aqui? E esses disparos?
—Mataram agora mesmo um agente da «Wells & Fargo» que havia dado aqui dentro com algo relacionado com a matança da diligência — explicou duro Prestou. —Sabe alguma coisa disso?
—Nem uma palavra! Acabo de ouvir os tiros, estava em cima, preparando as coisas para uma partida forte de poker que temos esta noite, e acudi ao tiroteio. Era você?
—Eu só disparei duas balas para abrir a porta traseira. As demais estão alojadas no corpo de Parrish, e foi morto para não revelar o que tinha descoberto. Onde está Gertie Baron?
—Não sei. Há um bocado que não a vejo. Parece-me que estava com o primo Bob na sala, faz apenas uns dez minutos...
—Em dez minutos se podem fazer muitas coisas —rapidamente, acercou-se de Yarbough e o revistou encontrando-lhe o seu «Derringer». Ante o assombro do batoteiro, verificou a carga e a temperatura do metal. A prova foi negativa.
— Você não foi, pelo menos com esta arma...
— Será que suspeita, que tenha morto Parrish? — surpreendeu-se Yarbough.
— Não. Mas podia por devoção à sua amada Gertie. Qualquer pessoa nota que tanto você como Bob andam loucos por ela. E ela ainda não se decidiu por nenhum.
Deixando o assombrado jogador no meio da estreita passagem, continuou para a frente. Rapidamente encontrou outra passagem iluminada com candeeiros de petróleo de cristal rosado, e chegou finalmente à escada. Era seis degraus que levavam a uma grossa cortina tripla de veludo vermelho.
Levantando as três cortinas ficou cego momentaneamente pela luz brilhante da sala de jogo. Alguns rostos voltaram-se para ele com verdadeira surpresa, e a presença do seu revólver na mão fez soltar gritinhos de terror a várias jovens muito pintadas e da «Dama».
Viu Bob Baron, em pé, frente ao balcão, bebendo um cálice de licor, e que mostrava nos seus azuis olhos tanta surpresa como Yarbough ou como os demais clientes, ao vê-lo aparecer como caído do céu. Ao passo que, de Gertie Baron, não se via rasto em toda a sala.
— Caramba, Preston, caiu das nuvens? — sorriu Baron, aproximando-se dele. — Não me diga que foi você que deu aquela salva de tiros na rua detrás. Julguei tratar-se de uma luta de bêbados...
— Baron, acabam de assassinar um homem que saía daqui, um agente especial de diligências, enviado pela «Wells & Fargo» para investigar. E eu julgo saber porque o mataram, e vou prová-lo agora mesmo.
—Não o entendo, na verdade— confessou Bob, perplexo. Mas enfim, adiante. O que é que tem de fazer? —Onde está a sua prima, Bob?
— Gertie? Todos sabem... Anda sempre por toda a parte um pouco, sem ficar muito tempo no mesmo sítio. Ê provável que esteja agora no seu gabinete. Deixei-a a caminho dele há poucos minutos. ~
— E esse gabinete? Onde é?
—Na parte detrás, de onde você vem precisamente. Procure o corredor de lâmpadas cor-de-rosa. Encontrará um recanto com umas escadas. Em cima é o gabinete privado de Gertie. Mas tenha cuidado não o receba a tiros. Não gosta de intrusos no seu santuário...
— Pelos vistos a sua prima costuma receber a tiros muitos intrusos... —disse com sarcasmo Zane, voltando-se para empreender a procura de Gertie.
—Quieto, Zane Preston. Quieto, ou és um homem morto.
Aquela voz! Soou nas suas costas, fria e desapiedada. Era a voz da vingança, palavras de ódio... Era um dos Coffin que falara, um irmão de Mary! Se fosse outro, teria girado sobre si mesmo vomitando chumbo e fogo do seu revólver. Mas não ante um Coffin, não ante um irmão de Mary...
Com muito custo as suas duras pernas, se foram voltando, com a arma baixa, apontada ao solo. E pálido e crispado um rosto de homem jovem ainda, de negros cabelos e olhos cinzentos cintilavam de rancor, estava defronte dele. Debaixo desse rosto um revólver. E a mão que o empunhava não tremia.
Atrás dele outro rosto parecido, muito parecido mesmo. Incluso no rosto de ódio e de ira, mas juvenil, e pouco mais débil. Também empunhava uma arma.
— Olá Aldo — saudou cansado Zane. — Olá, Leyland... Por fim deram comigo, eh?
—Sim, Zane—era Aldo quem falava, o mais velho. O mais duro e furioso dos dois. —Não tínhamos pressa. Sabia que estavas em Santa Fé. E um dia ou outro nos encontraríamos. Escondeste-te até agora...
— De vocês, sim — assentiu Zane. — Mais de vocês do que da Lei.
—Porque és um cobarde—o insultou Leyland impulsivo.
Zane olhou-o com tristeza. Procurou esquecer o significado daquelas palavras, crispando instintivamente os músculos. E, o homem que nunca suportou um insulto, teve de conter-se agora. Podia matar os dois Coffin, muito antes do que eles pudessem imaginar. Sobrava-lhe tempo, para isso. Mas não ia fazê-lo.
— Não, Leyland — disse. — Sabes que eu não sou cobarde. Não temo nada nem ninguém. Mas a vocês sim... Porque sois irmãos de Mary...
—Canalha! Não menciones o seu nome! — a voz vibrante de Aldo Coffin, soou no silêncio pavoroso e repentino do local, onde todos os olhos estavam pendentes deles, seguindo a dramática cena, cujo desenlace podia parecer o mais grotesco. — Prometeste-lhe amor e fidelidade. Ela te quis, te quer ainda, confiou em ti. E tu cobardemente, fugiste, abandonando-a! Sem uma explicação, sem uma palavra! Destroçaste-a, Zane! E nós vamos destroçar--te a ti! Eu só Zane, te matarei
Um espasmo doloroso crispou os lábios firmes de Preston. Não respondeu. Não moveu o revólver.
Bob Baron no balcão, como Yarbough por trás de Zane, seguiam a cena assombrados, incapazes de raciocinar.
— Defende-te, Zane — disse agora Leyland. —Vamos matar-te.
— Vamos, pois —disse com um amargo sorriso, Preston. —Não estão a demorar em fazê-lo?
— Tens de defender-te, Zane — rugiu Aldo. — Ou és tão cobarde que fujas à luta?
— Recuso a luta — confessou, ante o assombro geral. —Atira, já, Coffin...
—Maldita rata! És o mais desprezível dos homens, Zane Preston! —gritou Aldo. — Matar-te-ei apesar de tudo!... Não me convences com essa atitude!...
Levantou um pouco mais o revólver, engatilhou-o, sem que Zane movesse um músculo. Serenamente mais uma vez se defrontou com a morte. Com a diferença que desta vez não se defendia dela. Não opunha resistência. Ia morrer passivamente, sem levantar um dedo para o impedir...
Soaram dois disparas de baixo de uns espelhos, límpidos e doirados. Gritos de pânico, depois da tensão silenciosa anterior. Magicamente depois dos dois tiros que quebraram a tensão, saltaram das mãos dos Coffin os revolveres. Ficaram desarmados, sem um beliscão, mas com uma expressão aparvalhada, incrédula, cravando os olhos nas suas mãos vazias, em frente a figura imóvel de Zane Preston. Porque Zane não se tinha movido, não havia disparado. Bob Baron também não. Em vez disso, um chato «Derringer», na mão branca e cuidada de Butch Yarbough, fumegava ainda, depois de ter disparado as duas balas com certeira pontaria. O acre cheiro da pólvora, flutuou na grande sala de jogo.
— Por que fez isso, Yarbough? — perguntou lentamente Zane, olhando-o com pesar. —Eles tinham direito de fazer o que se propunham...
—Ninguém tem direito de assassinar um homem, Preston. Não se recorda de ter dito algo parecido no dia em que me salvou a vida? Não sei o que fez, para não se defender, mas precisamente por isso e porque sei que não tem nada de cobarde, não podia ver como esses moços o iam matar. Vocês, Aldo, fora daqui antes que me enfade e os mate aos dois se Zane é tão benévolo que não o queira fazer. Entendido?
— Tens sorte, Preston — disse Aldo, rangendo os dentes com fúria.
A sua cara, como a do irmão, era uma máscara branca de ira e de impotência.
— Mas algum dia te encontrarei sozinho, sem os teus amigos, e compinchas, e pagarás com a vida a tua infâmia. Vamos, Leyland. Aqui nada temos de fazer. Zane tem bem guardadas as costas...
Preston pareceu estar a ponto de dizer alguma coisa. Mas apertou os lábios e conteve-se. Os Coffin saíram. Yarbough, cerimonioso carregou as duas balas do seu «Derringer», e meteu-o debaixo da sua levita, sorrindo para Zane.
—Estamos quites, não Preston? —riu. —Sempre alivia pagar uma dívida...
—Obrigado, Yarbough — limitou-se a dizer Zane. —Creio que também me vou...
—Aonde? Ê que só vem provocar violências e ir-se embora em seguida.
Zane caminhou até às três cantinas do fundo da sala. Ali estava outra vez Gertie Baron, com o seu trajo negro e sumptuoso. Esta noite os adornos eram azuis. Azuis como o alfinete de safiras que brilhava no seu peito.
—Boa noite, Gertie — saudou friamente — Não vim provocar violências, mas sim descobrir os autores delas. Uma mulher matou há uns momentos nas traseiras, Daniel Parrish, agente da «Wells & Fargo». A «Dama Negra» que dirigiu a matança da diligência em Mesa Encantada.
—E quem é essa misteriosa mulher de cruéis sentimentos? — exclamou ela, ainda que os seus olhos verdes cintilantes, acaso preocupados... ou assustados.
—Não é precisamente você, minha querida Gertie Baron? — sorriu duramente Zane, sem deixar de a olhar.
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