—Passaram ao largo—riu loucamente Valerie, voltando para junto de Zane. —Nem sequer suspeitaram que tivéssemos desviado a fuga para aqui.
Seguiram sem vacilar. Zane, sentado entre duas altas rochas, que se erguiam para o céu como duas agulhas de granito, formando entre elas um refúgio natural, magnífico, sorriu, baixando o percutor do seu revólver sem disparar. Estava olhando reflexivamente Valerie Louis, como se não pudesse crer ainda, possível a presença da jovem a seu lado...
—És admirável—disse de repente Zane.
Ela devolveu-lhe o olhar agressivamente. Não houve suavidade na sua voz ao suplicar:
— Só agora notas isso, Zane Preston? Porque sou admirável, agora? Talvez por ter-te salvo a vida?
—Não é só por isso. Penso como é difícil compreender-te. Outra mulher, nas tuas circunstâncias, teria deixado que apodrecesse ali. Incluso talvez, atendendo ao que uma vez prometeste, tivesses ajudado a colocar-me a corda no pescoço. E em vez disso, ajudas-me a fugir, acaso também subornaste Wilson para...
— Ah, não? —os olhos de Zane se abriram de espanto. —Então, porque o fizeste?
—Nem eu o sei... —respirando fundo acariciou o pescoço de «Lucky» que a olhava com carinho de fiel amigo, como se ele a recordasse com muito mais agrado que o seu dono.
Ambos os cavalos estavam quietos e silenciosos, com os cascos envoltos em panos, junto deles. Valerie continuou:
— És o maior pirata do mundo, Zane. Mas tens alguma coisa que faz com que uma pessoa se sinta culpada que te condenem injustamente. E matar-te seria uma injustiça, pois tu nunca podes ter feito o que eles dizem. Ou talvez sim?
— Não, Valerie, eu não levantei um dedo contra aqueles infelizes, nem nunca o faria — falou gravemente Zane. — Quando cheguei junto da diligência, todos estavam mortos e escalpados.
—Que horror! Foi trabalho apache?
—Suspeito que foi trabalho de brancos.
—Brancos?
— Sim. — Rapidamente, Zane lhe contou o que vira antes de encontrar a diligência. Ao terminar, acrescentou, a modo de explicação: — Talvez, depois de tudo seja conveniente voltar a Santa Fé, ainda que não tenha vontade nenhuma de lá voltar.
—Sim? Deixaste marcas na tua passagem por ali —troçou ela.
—Não é isso—e iludindo a resposta acrescentou: — De qualquer modo é necessário voltar. Se é certo o que suspeito os verdadeiros culpados estão em Santa Fé. E não abundam as quadrilhas que têm como chefe uma mulher. Por isso tenho de indagar e descobrir a verdade. Só assim poderei demonstrar a minha inocência, pois, de agora em diante, O'Hara procurar-me-á como a um cão raivoso, e, o que é pior, é que dará carácter oficial às suas acusações contra mim, pondo-me fora da Lei.
—Para um homem que cruzou as margens da Lei, Santa Fé, tanto pode ser um bom esconderijo como um bom cemitério, Zane. Porque não segues outro rumo? Não voltes a Santa Fé. Pode ser perigoso para ti.
—Ainda te preocupa muito a minha vida?
— Se não me preocupasse, não estarias agora aqui, mas sim pendurado numa árvore em S. Domingo—manifestou ela.
— Está bem, admito isso. Mas diz-me, Valerie: abandonei-te uma vez quando te tinha prometido casamento. Estava apaixonado por ti e ia ser feliz. Mas, num momento, duvidei. Eu era um zé-ninguém e não te faria uma desgraçada. Preferi faltar à minha palavra e fugir de ti, com o risco de passar por um canalha, perante todos.
-
—Passaste por isso, Zane—os olhos de amargura de Valerie, estavam sumidos por uma luz estranha como se as recordações, vivessem neles nesse momento. —Procurei-te por toda Wichita de revólver em punho. Mas não dei contigo. Alguém me disse que tinhas saído antes do amanhecer. Jurei guardar-te eterno rancor. E já vês que não o mantive. E deveras que o sinto. Mas amei-te, e é possível que ainda seja louca e te ame um pouco.
— Isso não é ser louca, é ser uma mulher com um bom gesto—riu Zane cinicamente.
— Oh, Zane, és desprezível — disse ela, avançando para ele irritada e tentando-o esbofetear.
Mas Preston não teve dificuldade em agarrá-la, puxando-a para si até os seus lábios se unirem, e quando se separaram os seus olhos tinham uma expressão tranquila e brincalhona.
—Calma, querida —disse agarrando-a ainda. —Lembra-te que não gosto que me toquem, nem mesmo uma branca mão de mulher. Assim está melhor, Valerie. Perdoa se às vezes brinco, mas tu conheces-me e sabes que não gosto de falar a sério. Estou preocupado. Tanto que faço tudo para o dissimular. Preocupa-me o caso da diligência. Será difícil dar com eles...
— Então, não vás. Procura outro lugar. A acusação de O'Hara não tem fundamento e em breve esquecerá essa estupidez.
—E no caso de não esquecerem, fazendo de mim um foragido por um crime que não pratiquei. E ainda, eu não posso esquecer facilmente. Aquelas mulheres, todos aqueles infelizes dentro da diligência... Era um espetáculo horrível, Valerie. Não descansarei até dar com os culpados desse massacre.
—Tem cuidado não aumentes tu o número dos mortos. Gente assim não se detém perante nada.
—Claro, encanto—olhou-a, pensativo. — Tenho de encontrar o rasto de uma mulher loira, alta e bem feita vestindo de preto e que ocultava o rosto. Existem mil loiras em Santa Fé, mas só uma é capaz de assistir ou dirigir semelhante matança. Eu a encontrarei. E a única pista que tenho, porque neles não se notava o mais pequeno detalhe que os denunciasse.
—O dela tão-pouco te servirá de muito. Urna mulher loira, alta e que voltava a Santa. Fé. Não reparaste que eu mesma poderia ser essa mulher?
—Claro que reparei —riu Zane. —Foi a primeira pessoa de quem suspeitei, e continuarei suspeitando, enquanto não entre outro suspeito.
— Oh, Zane, às vezes odeio-te de todo o coração! —exclamou ela, enfurecida, voltando-lhe as costas. — Salvo-te a vida e ainda suspeitas de mim de coisas tão horríveis!
—Antes não suspeitaste de mim. Ou já o esqueceste? Pois não conhecias o caso, nem tinhas fundamentos para isso. Ao passo que eu tenho: respondes à figura daquele cavaleiro feminino como uma luva. E eu não lhe cheguei a ver o rosto. Estavas ontem em Santa Fé?
—Estava. Mas isso não quer dizer nada.
—Naturalmente que não. Mas é um detalhe mais que acentua as minhas suspeitas. Interessa-me dar com alguém de Santa Fé que possua dotes de mando, espírito duro, cruel e capaz de algo assim. E no caso de levar sob o seu mando um grupo de assassinos, estes sejam capazes de obedecer-lhe sem pestanejar.
—Existirá essa mulher?
—Com esses dotes, cabelo loiro, bem feita... e ainda com preferência pelo vestuário negro...
Valerie meditava, de sobrancelhas franzidas.
— Zane, parece que tiraste o retrato a essa mulher.
—A que mulher? Conheces alguma com esses sinais, particulares, morais e físicos?
— Pelo menos, correspondem exatamente ao retrato que qualquer pessoa fazia de Gartie Baron, a dama do «Trebol Negro».
—O «Trebol Negro»? Gartie Baron? Referes-te ao casino e à sua dona?
—Exatamente. O casino «Trebol». O lugar mais baixo de Santa Fé, e Gartie a mulher mais autoritária, dura e sem clemência que existe em todo o Oeste.
— Julgava que tu, Zane a conhecias.
—Conheço — e pensava excitado. — Estive poucas vezes lá, mas sempre a vi de longe. Atraía-me mais o jogo e as bebidas que as mulheres.
— Oh, claro! Estarias farto delas, não é verdade?
— Na verdade, em ambas as vezes trazia vestidos negros — continuou Zane, sem parecer ouvi-la, não notando o brilho irónico dos seus olhos. —Uma vez com um adorno encarnado, outra de branco. Mas qualquer dos vestidos que trazia, devia ter custado uns duzentos e cinquenta dólares.
—Essa é Gartie Baron, então—suspirou Valerie. — Em cada dia muda de cor dos adornos, mas nunca altera a cor dos vestidos. É um costume que nunca troca. Como se estivesse de luto por alguém...
— Sabes muitas coisas sobre Baron — observou de repente Zane.
—Porquê Valerie?
—Eu também frequento os piores antros—riu ela despreocupada. —Divirto-me mais do que na sociedade. E deves saber que não sou, precisamente uma colegial, embora me limite a viver a minha vida sem causar mal a ninguém. Canto e danço um pouco e gosto. Isso me basta para viver. Quando morrer, ninguém irá pôr na minha tumba uma lápida, dizendo que fui uma grande mulher, de vida exemplar, uma pioneira destas terras, mas eu também não o pretendo.
— Admiro a tua maneira de pensar, embora eu, também, pense da mesma forma. É um fator comum entre ambos. Viver o dia a dia e não pensar no futuro. É um erro, mas resulta prático e cómodo e nenhum de nós pensa em mudar.
—Poderíamos ser felizes Zane — disse tristemente Valerie, 'aproximando-se de «Lucky».
—Ou talvez não. De momento, duvidamos. Às vezes é melhor viver na dúvida do que viver desenganado.
— Aborrece-me a tua filosofia Zane. Pois és cruel e desumano, para contigo próprio.
—Possivelmente pela mesma razão que eu também não goste dela. Mas lamentar-me não remedeia nada. E já te disse que temos um fator comum que nos torna, num só corpo, numa só maneira de pensar, e assim continuaremos apesar de tudo. Continuemos o caminho. Os nossos perseguidores de S. Domingo devem estar longe.
—A Santa Fé, no fim, Zane?
—A Santa Fé, Valerie. Procurar essa mulher desconhecida, pior de que um monstro. A minha primeira visita será ao «Trebol Negro».
— Ou poderá ser também a última.
—E porque havia de sê-lo? — riu com ar fúnebre Zane Preston. —A minha pele é dura, Valerie... Gostaria de ver quem se decide a tentar furá-la.
Sem comentários:
Enviar um comentário