terça-feira, 9 de outubro de 2018

CLF017.16 Vitória sobre a morte

Joyce tinha razão.
Pouco depois de terem recomeçado a viagem, no dia seguinte, McCarey caiu do cavalo. Eddie e a rapariga acorreram em seu auxílio. O ferido, cujo rosto estava cada vez mais pálido, encontrava-se quase inconsciente. Quando lhe levaram o cantil aos lábios bebeu com avidez. Depois fechou os olhos e ficou imóvel. Tinha febre e as suas forças atingiram o fim. Examinaram a ferida e viram que esta tinha um aspeto muito mau.
—Está a infetar—afirmou Joyce com evidente temor. —Que havemos de fazer, Eddie?
Na expressão do jovem havia uma resolução inabalável.
—Só nos faltam três dias para chegar a Hondo. Tenho a certeza de que a infeção será imediatamente curada pelo médico, pois só agora se declarou.
—Mas ele não pode montar. Tu mesmo viste.
— Sim. Temos que recorrer a outra solução. Será preciso atá-lo à sela.
Joyce fitou-o horrorizada.
—Mas isso é desumano!
O olhar de Eddie tinha-se tornado subitamente duro.
— Parece-te que é melhor deixá-lo aqui para que morra em pleno deserto? —perguntou com aspereza. —Escuta, Joyce; este momento não é para sentimentalismos. Trata-se de salvar a vida de teu pai e para tanto tenho de colocar o meu sentimentalismo de parte. O mais importante é chegar a Hondo.
A rapariga mordeu o lábio inferior. Estava desconcertada, sustinha uma luta difícil consigo mesma. Por fim, passando a mão pouco firme pela fronte, disse:
—Faz o que entenderes, Eddie. Eu já não sou capaz de decidir.
O jovem tomou McCarey pelos braços e colocou-o sobre o lombo do cavalo. Atou-lhe as pernas por debaixo do ventre e os braços em redor do pescoço do animal, de modo que ficasse firmemente agarrado. Depois prosseguiram o caminho.
Foi uma caminhada penosa, dura, sob o sol ardente do Texas. Eddie seguia à frente levando pelo freio o cavalo do ferido. Junto deste cavalgava Joyce vigilante e angustiada, procurando atender-lhe em tudo quanto lhe fosse possível. Se o chapéu caía, apressava-se a apanhá-lo e colocá-lo novamente; se pedia água apressava-se a chegar-lhe aos lábios o cantil.
Aqueles três dias foram para Joyce e Eddie um verdadeiro inferno. Só havia duas refeições, uma pela manhã e outra pela noite, para poderem avançar mais e mais. Não havia qualquer espécie de descanso e houve momentos em que a rapariga pensou que a viagem ia durar eternamente. Quando via seu pai caído sobre o pescoço do cavalo, com o rosto desfigurado pela dor e quase inconsciente pela febre que ia aumentando, sentia dentro de si uma raiva quase impossível de conter, contra Eddie, que o obrigava a viajar naquelas circunstâncias. Cada noite que se detinham e McCarey era alojado no solo, Joyce apressava-se a examinar a ferida. O seu aspeto era cada vez pior. Em certa altura perguntou, angustiada, para Eddie:
— Que havemos de fazer se a ferida se agravar?
— Teremos de queimar a ferida com pólvora — ele proferiu estas palavras com os dentes apertados e com uma crispação nervosa vincada no rosto.
Joyce fitou-o com os olhos desorbitados pelo horror. Pondo-se subitamente de pé, exclamou em fúria:
— Selvagem I És um bárbaro! Não tens sentimentos, não tens piedade por um homem que está tão doente! Selvagem! Selvagem!
Parecia presa dum ataque de histerismo. Eddie agarrou-a pelos ombros e com tini certo número de safanões pareceu despertá-la.
—Basta! Cala-te imediatamente!
Deixou-a quando viu que a rapariga vencida a crise, desatava a chorar. Parecia mesmo uma pobre criança sem qualquer proteção, absolutamente infeliz e abandonada à sua sorte. Então, ele estreitou-a contra o coração.
—Desabafa, minha pequenina. Eu sei bem compreender o que estás sofrendo. Chora, chora quanto quiseres. Ela, reclinada contra o seu peito, continuava soluçando até que pouco a pouco foi acalmando.
No dia seguinte recomeçou o pesadelo. Joyce, ao ver que o pai se tornava inconsciente sobre o cavalo, dando tombos ao sabor do andar da montada, sentia um terror íntimo e pedia ao jovem que parassem para descansar pelo menos um dia. Mas ele, surdo às súplicas, limitava-se a responder:
—Temos que chegar a Hondo, antes que seja demasiado tarde.
E seguiam sempre como condenados a vaguear toda a sua vida por aquele deserto tão amaldiçoado por tantos e tantos. Tornava-se noutro problema alimentar McCarey, porque os seus momentos de lucidez eram mais espaçados. Quando isto sucedia, olhava a filha com os olhos reluzindo de febre e procurava sorrir.
—Tudo acabará bem; vais ver que é verdade, minha pequena.
Mas quando era Eddie que estava junto dele, dizia:
—Cuida da minha filha, rapaz. Sei que estão tentando tudo para me salvar mas creio que não acontece isso; e se morrer pelo caminho protege-a, suplico-te.
—Tontices— procurava sorrir o jovem sem renunciar ao seu intento. — Conseguirei que chegue a Rondo e se salve, ou será a minha última missão neste mundo.
Durante a noite do segundo dia, viram que a ferida tinha adquirido uma cor amarelada, e o braço estava a inchar. Joyce começou a tremer. Eddie que tinha o sobrolho franzido, disse secamente:
—Deixa-me só com teu pai. Afasta-te.
A rapariga estava aterrada.
—Que vais fazer?
— Afasta-te — insistiu. — Deixa-nos sozinhos.
Após uma breve hesitação, Joyce afastou-se com passo incerto. Estava mortalmente pálida.
Eddie colocou um pedaço de madeira entre os dentes do velho McCarey. Depois tirou um cartucho da cartucheira e após extrair o conteúdo de chumbo, esvaziou a pólvora na ferida. Acendeu um fósforo e aplicou-o ao pó negro que imediatamente começou a arder. McCarey soltou um grito terrível, arrepiante de dor, enquanto em redor se espalhava o cheiro a carne queimada. De súbito, a chama apagou-se. O ferido rangeu os dentes com tanta força que quebrou o pedaço de madeira. Joyce, que se ausentava à distância, tapava com as mãos o rosto desfigurado.
Momentos depois, Eddie, aproximou-se dela e rodeou-lhe os ombros com um braço.
—Era necessário.
Ela no entanto desprendeu-se dele e correu para junto do pai.
Chegaram a Honda a meio da manhã do quarto dia. Mal tinham dormido umas horas por noite para logo recomeçarem a caminhada. Joyce fatigada, coberta de poeira dos pés à cabeça, contemplou com um olhar incrédulo aquela cidade, onde nunca pensara chegar.
O povo viu-os passar pela rua principal. Constituíam uma estranha comitiva. Queimados pelo sol, sujos e quase cobertos só de farrapos, os dois jovens cavalgavam seguidos pelo cavalo onde McCarey- ia montado de bruços.
O Dr. Huston ocupava uma casa de um só andar. Era um. homem magro, de cabelos brancos e ar impaciente. Quando viu Eddie trazendo nos braços o corpo inanimado de McCarey afastou-se para o lado e mandou entrar.
—Passem, passem.
Entraram e Joyce apressou-se a dizer:
—Doutor; meu pai...
—Depois conta-me tudo o que quiser, mas isso logo — interrompeu o médico. — O importante é ver o estado do ferido. Venham comigo.
Conduziu-os a uma habitação onde se via uma cama, na qual deitaram McCarey. Sem perder tempo, examinou a ferida, enquanto tomava o pulso do doente. Atrás dele, de pé, Joyce e Eddie aguardavam impacientes que o médico tomasse uma decisão sobre o estado do enfermo.
Após um exame minucioso o doutor dirigiu-se para um lavatório que se via numa parede da mesma habitação e começou a ensaboar as mãos.
—Quem foi que queimou a ferida a este homem, utilizando a pólvora? perguntou.
—Fui eu, doutor —respondeu Eddie.
Huston voltou a cabeça e fitou-o através dos óculos.
— Felicito-o, meu rapaz. Com isso conseguiu salvar a vida deste homem pois caso contrário a infeção teria alastrado e provavelmente sobrevinha a gangrena. E então só restava velar agora o seu corpo...
Joyce dirigiu um rápido olhar a Eddie e perguntou ao médico:
—Então, meu pai ficará bem?
Huston assentiu.
— Absolutamente. Os senhores apareceram com ele na hora precisa. Compreendo que tenha sido duro viajar pelo deserto em tais condições. Porém, qualquer atraso, neste caso, era fatal. Mais umas horas, simplesmente, e nada havia a fazer. Ganharam a corrida com a morte.
O médico não tornou a proferir palavra. Junto ao ferido fez um tratamento como era necessário. Aplicou também algumas injeções. McCarey estava entregue em boas mãos.
Enquanto o Dr. Huston atendia seu pai, Joyce buscou a mão de Eddie e apertou-a muito. Olhou-o nos olhos com ardor, em que toda a sua alma estava presente.
—Obrigada, Eddie — sussurrou. —E perdoa o que te disse e fiz. Não pude dominar os nervos. Tu estavas a lutar para salvar a sua vida e eu... tornei tudo mais difícil. Perdoa.
Ele passou-lhe um braço pela cintura.
—Não penses mais nisso, amor. O que interessa agora é que teu pai consegue salvar-se.
Na altura em que o doutor atendia McCarey o sheriff Rooney apresentou-se na casa. A notícia da chegada dos forasteiros tinha-se espalhado com rapidez por toda a cidade, aliás pequena. Rooney reconheceu os dois jovens com os quais contactara quando da morte de Hill.
Huston não teve inconveniente em oferecer para que ficassem em sua casa e como era um homem bondoso e cordial, ofereceu também de comer. Viu quanto custaria à rapariga afastar-se de seu pai. A meio da tarde voltou a examinar o doente que dormia placidamente.
—Tudo caminha perfeitamente—comunicou. —O paciente tem uma estrutura de ferro e aceita o tratamento eficazmente. Mas terá de permanecer por aqui pelo menos um bom par de semanas.
— Eu encarrego-me de lhes procurar uma boa casa—disse Rooney.
Nesse momento bateram à porta. Era um homem de baixa estatura, tipicamente aquele indivíduo que se via ser logo um imbecil.
— Que queres daqui, Ritter? —perguntou o sheriff.
O outro cravou o olhar em Parker.
—O senhor chama-se Eddie Parker, não? —perguntou. —É que Jeff Winters chegou à cidade e mandou dizer que dentro de dez minutos espera o senhor na rua. É um duelo. E caso não aceite virá ele matá-lo como se faz a um cão.

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