terça-feira, 2 de outubro de 2018

CLF017.09 A história de McCarey

— Meu pai e eu temos um rancho situado a trezentas milhas de Hondo. E uma propriedade muito pequena que nós dois explorávamos com a ajuda de três vaqueiros. Mas a terra é muito rica e os pastos bons, de maneira que nos dava muito lucro: Meu pai tinha dito que dentro de poucos anos poderíamos comprar muitas mais terras e passaríamos a ser proprietários de categoria. Para tanto ele guardava o dinheiro que ganhávamos. Ele tinha calculado — prosseguiu Joyce, vendo-se quanto lhe custava recordar estes dias tão felizes —que para pôr em prática o seu grandioso plano eram necessários uns trinta mil dólares. Trabalhámos afincadamente para reunir tal soma, Eddie, e tivemos que nos sujeitar a muitas privações. Mas conseguimos juntar e ter no cofre mais de vinte mil dólares, e o pai coloria as futuras alegrias que nos esperavam tão magnificamente quanto imaginava como seria o nosso futuro e majestoso rancho de várias milhas de extensão, com cerca de dez mil cabeças de gado, de princípio, para depois atingirmos a cifra dos muitos milhares, que tudo aceitávamos de bom agrado.
Joyce fez uma pequena pausa e prosseguiu:
— Meu pai é um homem muito especial, um homem que gosta sempre de estar a imaginar coisas, pensando e dando voltas à cabeça com as ideias mais absurdas. Preocupado com a maneira de evitar que os ladrões levassem as rezes, chegou a conclusões opostas. Quero dizer que este caminho o conduziu precisamente a inventar o sistema de marcar o animal com o ferro do seu proprietário. Tu sabes que é isto o que mais impede o roubo de gado, porque até agora não houve quem fizesse desaparecer completamente a marca. Por muitos ferros que lhe ponham em cima, o primitivo sinal é sempre fácil de distinguir. O invento de meu pai era extremamente simples. Desta descoberta começou a gracejar e, por brincadeira, dizia aos seus amigos que tinha um sistema que o tornaria milionário. Era verdade, porque uma vez aplicado ninguém seria capaz de reconhecer se uma rez tinha sido roubada do seu rancho. Naturalmente meu pai nunca pensaria fazer uma coisa dessas, mas toda a gente falava dessa descoberta sem que ninguém atinasse com o sistema. Inclusivamente o sheriff, gracejando, disse que esperava que ele não se tornasse um ladrão. «Foi então que apareceram três homens no nosso rancho. Um deles era Jeff Winters, o outro Mickey Hill, e o terceiro um mestiço chamado Cherokee Banion.
— E um tipo muito moreno com uma cicatriz na face? — perguntou Eddie.
—Sim—respondeu a rapariga. —Conheces?
— Vi-o esta noite no saloon falando com Jeff. Mas continua a tua história.
—Nós não os conhecíamos—prosseguiu Joyce. —Só sabíamos que tinham vindo de Hondo. Pediram-nos trabalho alegando que tinham ficado sem emprego desde que o proprietário para quem trabalhavam tinha vendido o seu rancho. O papá disse-lhes que os seus três vaqueiros eram suficientes. Eles responderam que estavam dispostos a trabalhar algum tempo só pela comida. Estavam fatigados pela longa caminhada e desejavam permanecer durante umas semanas no mesmo sítio. Pareciam boa gente, sobretudo Jeff, e meu pai aceitou. Além disso nós sabíamos bem o que era andar errante, procurando onde trabalhar e compreendemos o seu desejo de ficar.
«Não tivemos queixa deles. Faziam tão bem as suas obrigações que meu pai chegou a dizer-me que estava hesitando se não seria conveniente despedir os outros vaqueiros e ficar com aqueles. Não o fez porque era um homem demasiado nobre para abandonar quem o tinha servido durante anos. Não me importo de confessar que eu, pessoalmente, lamentava que meu pai não o fizesse, porque Jeff... Bem, ele e eu...
A rapariga calou-se ruborizada, como se não soubesse como continuar. Parecia muito nervosa.
—Compreendo—murmurou Eddie suavemente.
— Estavas enamorada por Jeff.
As palavras do jovem pareceram tornar as coisas mais fáceis e Joyce continuou a narrativa:
—Agora não estou muito certa de que fosse eu quem tivesse começado a gostar. Mas a verdade é que Jeff deslumbrou-me. Eu só tinha vivido no rancho e ele era um homem que sabia falar com as mulher.es, bastante experiente e eu sentia-me atraída por ele. Um dia reparou nisso e afirmou que também gostava de mim. Que estúpida fui ao considerar-me tão feliz.
Encolheu os ombros e acrescentou:
— chegámos a fazer planos para o futuro casa- mento. O papá via tudo com bons olhos porque estava convencido de que Jeff seria um bom continuador da sua obra. Eu vivi dias de sonho. Até que por fim despertei quando se me deparou a realidade.
—Como ocorreram as coisas? —perguntou Eddie.
— Escutei urna conversa. Foi uma tarde de tormento. Queria perguntar a Jeff se lhe parecia bem a festa que meu pai e eu tínhamos idealizado para a boda. Dirigia-me para o seu alojamento, mas detive-me à porta ao ouvir Hill dizer que estava farto daquele assunto. Jeff respondeu dizendo que era questão de poucos dias, que eu estava doida por ele e não tardaria a dizer-lhe qual o sistema que meu pai utilizava para marcar os animais; acrescentou, rindo ironicamente, que ele sempre conseguira o que queria de todas as mulheres que pensava seduzir. Fiquei aturdida pela surpresa e continuei escutando. Da conversa que os três homens mantinham, depreendia-se claramente o seguinte: tinham ouvido falar em Hondo do sistema idealizado por meu pai e estavam agora no rancho somente para o descobrir; uma vez descoberto ficariam ricos com o roubo de gado. Mas aquele por quem me tinha apaixonado, facilitava as coisas, pois Jeff não só pensava em se casar comigo como também estava certo de obter a informação necessária. Hill estava cansado do assunto e queria retirar-se.
«Tudo escutei horrorizada, sentindo-me vítima da burla mais cruel que uma mulher pode sofrer. Com os olhos rasos de lágrimas e o coração pleno de ódio e vergonha, regressei a casa, onde estava meu pai acompanhado pelos três vaqueiros. Com palavras entrecortadas pela raiva e pelos soluços, contei o que acabava de escutar. Então, percebemos passos que se aproximavam na escuridão. Meu pai compreendeu que eles tinham dado pela minha presença e agora estavam dispostos a resolver o caso sem mais hesitações. Ordenou-me que me afastasse o mais possível dali, apontando-me uma janela. Sem saber o que fazia, obedeci. Estive toda a noite cavalgando sob uma tempestade.
«Só na manhã seguinte compreendi que meu pai e os nossos três vaqueiros tinham ficado para enfrentar Jeff e os seus homens. Mas o desgosto deixara--me como louca e de momento não pensei nisto. Então, angustiada, regressei a galope para o meu rancho. Só encontrei os cadáveres dos nossos três vaqueiros, que tinham sido vítimas dum cerrado tiroteio. Certamente procuraram defender-se; mas de meu pai e dos outros nem rasto.
«Prometi a mim mesma não descansar enquanto não tivesse salvo meu pai e castigado Jeff Winters. Quase louca pela amargura e ódio e convencida de que só em Rondo os poderia encontrar, parti logo a cavalo e obriguei-o a galopar sem parar pelo deserto. Levava no cinturão o revólver que tinha pertencido a um dos meus vaqueiros. Mas o meu cavalo estava cansado pela cavalgada da noite anterior e não pôde resistir. Morreu rebentado. Foi então que tu me encontraste».
Quando Joyce terminou, Eddie ficou longo tempo pensativo. A claridade do amanhecer ia aumentando e anunciava o breve nascimento dum novo dia. Por fim, Eddie, pôs-se de pé.
—Há uma coisa que não entendo. Se Hill tinha parte no negócio, porque teria ficado em Hondo enquanto os outros se dirigiram para Pecos?
Joyce parecia um tanto desconcertada.
—Não sei, Eddie. Sinceramente não entendo também.
O jovem Parker levou a mão ao queixo.
—O assunto, em resumo, é o seguinte: Jeff e os seus queriam descobrir o sistema idealizado por teu pai, para assim se dedicarem ao roubo de gado em grande escala e sem perigo de qualquer classe, e, por conseguinte, vendê-lo de seguida ficando ricos dentro em breve.
—Sim, era esse o seu propósito.
—E crês que teu pai tenha revelado o segredo?
A rapariga teve um gesto de desalento.
—Penso que não. O papá é muito teimoso. E talvez por isso, Jeff decidiu trazê-lo aqui para Pecos a fim de o conseguir com o tempo. E sabe Deus que métodos estará empregando para isso. Eddie, acreditas que já terá feito falar meu pai?
O jovem fez um gesto com a cabeça.
— Não; creio que não. Conheço bem Jeff e sei que é daqueles que não demoram para explorar um bom negócio. Se conhecesse o método de teu pai, neste momento estaria já a roubar gado.
Sorriu ligeiramente, e com suave ironia acrescentou:
—Mas ainda não me disseste em que consiste esse tal método inventado por teu pai. Ou será que receias que eu também o vá pôr em prática?
Nos olhos de Joyce quando o fitou, havia desamparo, amargura, dor. Era como se a tivessem ferido no mais íntimo do seu ser, da sua alma.
—Basta queimar o antigo sinal com pólvora; mas tem de haver muito cuidado para que a cicatriz não saia além dos limites da anterior marca. Ao colocar-se em cima o novo ferro não se vê nem rasto do anterior, e ninguém será capaz de suspeitar que a rez tenha sido roubada.
Joyce tinha falado com voz insegura. Quando terminou, deu meia volta e ficou de costas para Eddie. Este ficou imóvel uns segundos. Depois acercou-se da rapariga e colocou-lhe a mão sobre o ombro.
—Obrigado por me teres dito, Joyce. Ë uma prova de confiança. E perdoa-me. Compreendo que as minhas palavras te pudessem magoar.
Ela voltou-se; dos seus olhos caíam lágrimas que deslizavam pelo rosto.
—Não Eddie. No fundo sou eu quem tem a culpa de tudo. Tratei-te com desprezo e pensaste que não tinha confiança em ti. Sei que estava enganada. Já te disse que me arrependo agora do meu procedimento. Mas, quando te conheci estava desenganada e tinha sofrido um tremendo desgosto. Eu já tinha ouvido falar de ti, sabia que eras um pistoleiro famoso, e pensava que serias igual a Jeff. Não sabia distinguir. Pensava que todos os pistoleiros eram necessariamente iguais. E tu és tão diferente dele!
O jovem sorriu levemente.
—Diferente? Sim. Dele gostaste tu e de mim não.
Ia para se retirar, quando Joyce o agarrou por um braço e depois pela mão. Olharam-se por momentos nos olhos e sem que nenhum deles soubesse o que acontecera estavam nos braços um do outro. Era como se o amor tivesse quebrado com violência o dique que o mantinha prisioneiro. Os lábios ardentes de Eddie queimavam a pele do rosto e o pescoço de Joyce, que cada vez mais o estreitava contra si. De seguida a rapariga procurou refugiar a sua cabecinha no largo peito do jovem e sussurrou docemente:
—Eddie, a ti que eu amo verdadeiramente.
Eddie tomou o seu rosto entre as mãos e olhou profundamente nos seus olhos.
—E Jeff?
—Nunca o amei, Eddie. Juro-te. Agora que te conheci, não tenho a mais ligeira dúvida. Aquilo não passou dum capricho de menina estúpida, melhor dizendo duma ilusão. Eu sempre vivera só e aquele foi o primeiro homem com experiência que conheci. Mas não gostava dele, nunca teria chegado a ser sua mulher. A ti, pelo contrário, quero-te acima de tudo, porque me ensinaste a ser nobre, a ser uma pessoa íntegra. A teu lado, sinto-me segura, Eddie, e amo-te, amo-te com todas as minhas forças.
Nas suas palavras havia tal acento de sinceridade, que ele a estreitou novamente nos seus braços enquanto lhe sussurrava aos ouvidos:
—Acredito em ti, Joyce, porque eu também te amo. E o coração diz-me que não me enganas.

Sem comentários:

Enviar um comentário