segunda-feira, 1 de outubro de 2018

CLF017.08 Vim para te levar

Deu a volta à fechadura com extremo cuidado. Apenas se ouviu um ligeiro clic. Graças ao que Mamie indicara, foi fácil dar com o quarto. Empurrou suavemente a porta e entrou fechando-a rapidamente nas suas costas.
Joyce, que estava sentada num sofá, levantou-se aterrada ao advertir que alguém entrava. Eddie pôde ver à luz do candeeiro que estava sobre a mesa de cabeceira a tremenda, angústia do seu rosto. Mas aquela angústia transformou-se em esperança, em alegria, numa profunda emoção ao reconhecer quem tinha entrado.
—Eddie— soluçou, chamando-o pela primeira vez o seu nome.
Correu ao encontro dele, buscando refúgio entre os seus braços poderosos. Apertada contra si, não deixava de murmurar com VOZ entrecortada pelos soluços:
—Eddie, Eddie...
O jovem não pôde evitar uma estranha sensação ao advertir a profunda diferença que se tinha operado na rapariga. Estava acostumado ao seu carácter enérgico, teimoso, decidido, e vê-la assim vencida, fraca, buscando instintivamente uma proteção, produziu-lhe um efeito perturbador. Com certa falha de jeito, passou-lhe a mão pelos cabelos.
—Vim para te levar.
Ela fitou-o com os seus belos olhos cor violeta, agora humedecidos pelas lágrimas.
—Eddie, és realmente tu? —disse agarrando-o ainda mais. Como é possível se aqueles homens te levaram para...? Oh, foi horrível! Quando se fez noite, passei os piores momentos da minha vida pensando que nunca mais te voltaria a ver, que estavas morto... Tu não sabes a tortura que é imaginar uma cena assim! Winters veio ver-me e disse que os seus homens tinham acabado contigo. Eu...
Os soluços afogaram a sua voz. Parecia uma mulher que tinha passado por tal dor, que tinha perdido toda a vontade.
— Não te preocupes — cortou para a tranquilizar. —Estou bem; consegui livrar-me deles.
Joyce afastou-se dele.
—Como pudeste chegar até aqui?
—Mamie deu-me uma chave deste quarto.
A rapariga empalideceu.
— Essa mulher insultou-me.
—Ê que está apaixonada por Jeff — explicou Eddie. — Mas não podemos perder mais tempo. E preciso sair desta casa quanto antes. Até agora as coisas têm sido demasiado fáceis e isto não pode continuar.
Eddie abriu a porta com cuidado e olhou para fora. O corredor estava deserto e silencioso, e da habitação de Winters continuava a sair um rasto de luz.
Começaram a andar com grande cuidado. Desceram lentamente as escadas, procurando que os degraus não os denunciassem. Joyce, com as mãos crispadas, agarrava fortemente o braço do jovem. Cruzaram a sala, esquivando-se das mesas e dirigindo-se para a janela por onde Eddie tinha entrado, quando subitamente se abriu uma porta nas suas costas e um jorro de luz os apanhou em cheio. Ambos giraram velozmente sobre os tacões. A porta que se tinha aberto correspondia certamente com qualquer das dependências do saloon, e no umbral viam-se as silhuetas de dois homens.
— Quem anda aí? — perguntou um deles.
O outro exclamou:
—Mas é a rapariga...!
Eddie no momento em que os outros empunhavam as pistolas, empurrou Joyce deitando-a sobre a proteção das mesas. De seguida, puxou dos seus revólveres e de cada um saiu uma mortífera carga de chumbo.
Ainda soavam os dois tiros pela sala quando os dois homens, perdendo o equilíbrio, caíram de bruços. Um embateu na parede junto à porta e escorregou lentamente para o solo; o outro deu um passo e como tivesse o vazio na sua frente caiu então de bruços.
Eddie guardou um dos revólveres. Depois, agarrando Joyce pela mão, obrigou-a a levantar-se.
— Corre! — exclamou.
Esquivando-se às mesas, tropeçando com algumas cadeiras que lhe apareciam pelo caminho, dirigiram-se para a janela.
—Salta! —ordenou Eddie.
A rapariga obedeceu. Passando as pernas pela abertura, ficou na rua. Atrás dela, Eddie fez o mesmo.
Correram para a esquina onde o jovem deixara o cavalo. Então viram um pouco mais adiante, atados a um dos postes do passeio, três cavalos que certamente pertenciam aos que estavam no interior do saloon.
—Monta um deles —disse Eddie empurrando Joyce.
A rapariga correu para o que estava mais próximo e começou a desatar a correia. Naquele momento, abriu-se a porta do estabelecimento e três vultos surgiram. Três homens armados fizeram fogo.
Eddie estava com um pé no estribo quando os outros atiraram. Ouviu silvar os projéteis muito junto da sua cabeça. Deixou-se cair no solo e começou a disparar com os dois revólveres.
Um dos homens deu um grito e caiu para a frente, ficando com os pés no passeio e o rosto mergulhado na poeira da rua. Um outro tiro de Eddie apanhou o segundo bem no meio da testa, derrubando-o imediatamente. O terceiro retrocedeu instintivamente para o interior do edifício, procurando proteger-se contra a terrível pontaria do jovem.
Joyce tinha já desatado as rédeas e montou, rapidamente, o mesmo fazendo Eddie. Ambos picaram os animais com as esporas e partiram a galope perdendo-se na noite. Tudo se tinha passado em poucos segundos e um homem acompanhado por Winters, apareceu então na rua; já não se via rasto dos fugitivos; só se ouvia ao longe o golpear das ferraduras dos cavalos num galope desenfreado.
Jeff com a ira refletida no rosto, olhou os cadáveres caídos por terra.
—Isto só pode ser coisa de Eddie Parker —mastigou entre dentes.
O da cicatriz fitou-o com estranheza.
—Parker deve estar morto. Tu mesmo mo disseste quando afirmaste ter mandado Gus liquidá-lo com mais dois dos teus.
Winters tinha o sobrolho carregado.
—Tenho que averiguar o que realmente aconteceu. Aqueles imbecis devem ter fracassado. Mas isto tudo me parece muito estranho... Há pontos que quero esclarecer. A primeira coisa é ir às primeiras horas até à cabana de Gus para ver o que ali se passou. Tu virás comigo.
—Que pensas fazer?
—Já vais ver quando chegar o momento—disse Winters entrando em casa.
*
O amanhecer indicava timidamente o ponto Este. Sentado sob a copa duma árvore, com um cigarro entre os lábios, Eddie contemplava Joyce que permanecia envolta na manta do seu cavalo. Estava muito quieta, mas o jovem sabia que ela não estava dormindo.
—És tu quem deve decidir o caso—disse ele, com voz grave. —Creio que o momento é bastante oportuno. Se o que acabou de suceder te assustou é agora ocasião para que medites e vás para casa. Mas se te sentes com ânimo, podes continuar a missão de procurar o teu pai.
A rapariga moveu-se inquieta.
—Que pensas tu fazer, Eddie?
Após uma longa fumaça no cigarro, ele respondeu.
—Eu tenho de saldar uma dívida com Winters. Desafiou-me, dizendo que não era capaz de o enfrentar empunhando um revólver. Não tenho por hábito voltar as costas a quem me diz o que ele disse, e não penso mudar de conduta. Hoje mesmo teria saldado essa conta pendente, se antes não tivesse resolvido investigar o paradeiro do teu pai.
—Então, pensas ficar?
Eddie moveu a cabeça em sinal afirmativo.
—Se decidires ir avante, esperarei até que o teu caso esteja resolvido. Mas se preferes partir, irei imediatamente ao encontro de Jeff desafiá-lo publicamente. De qualquer modo tenho que ficar aqui.
Joyce pôs-se de pé. Apesar da obscuridade, Ed-die viu que seus olhos o examinavam fixamente.
—Eu também fico. Acima de tudo é preciso que se saiba onde está meu pai para o salvar, caso esteja ainda vivo.
— Estou de acordo — murmurou Eddie. — E agora trata de dormir. A missão que temos a cumprir ainda agora começou, e é muito mais difícil do que imaginas.
Em vez de lhe obedecer, a rapariga manteve-se de pé, e aproximou-se ainda mais.
— Eddie—murmurou, estranhamente, proferindo estas palavras: —Creio que me portei mal para contigo.
— Porquê?
Joyce parecia envergonhada.
—Aproveitei-me da tua ajuda desde o princípio, meti-te numa aventura perigosa e ainda não tive sequer a delicadeza de te explicar o que na verdade acontece comigo. Estás lutando por meu pai e por mim, a arriscar a tua vida sem saber se a causa que defendes merece esse sacrifício.
—Nunca te pedi que explicasses nada—respondeu ele deitando fora a ponta do cigarro.
 A rapariga deu alguns passos, nervosa, indecisa. Depois, voltou-se para ele.
—Passei horas terríveis encerrada naquele quarto. Eddie, creio que foi realmente um momento decisivo na minha vida. Só então entendi que muitas coisas eram por mim encaradas de modo errado; entre elas cito esta: é que sou muito pior do que tu.
— Mas que...
— Não me interrompas, por favor — apressou-se a dizer ela. —Necessito dizer-te tudo quanto penso. Quando nos conhecemos no deserto insultei-te e disse que não passavas dum pistoleiro como tantos outros. Desprezava-te porque a tua vida não tinha sido limpa. Mas, entretanto, não tive inconveniente em aceitar a tua ajuda quando te ofereceste a vir comigo e a arriscar a tua vida para salvar o meu pai. Fui tremendamente egoísta; hoje é que o compreendo perfeitamente. De nós dois, foste tu o caridoso, o desprendido, o que te entregaste a uma pessoa só porque o teu coração to ditava. E eu aproveitei-me da tua generosidade.
Fez uma pausa para continuar em seguida:
—Mas hoje tenho os olhos bem abertos para a realidade. Enquanto estava encerrada naquele quarto vi algo terrível: que tu ias ser assassinado por minha causa. E eu nem sequer tivera a caridade de te explicar o motivo pelo qual ias morrer. Quando a noite desceu finalmente e com ela a hora em que Jeff tinha ordenado para que te matassem, senti uma angústia insuportável e dei conta de toda a mesquinhez da minha alma. Eddie, rezei com todo o fervor para que não morresses.
O jovem aguardou uns instantes.
—Bem, aqui estou—murmurou.
Joyce respirava com dificuldade e tinha empalidecido.
—Eddie, quero que saibas porque estamos aqui; quero contar-te tudo. Preciso de o fazer, compreendes? Sentir-me-ei menos culpada pelos riscos que corras para me salvares a mim e a meu pai.
Ele não se opôs.
—Está bem. Desabafa.

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