A jovem dobrou o cotovelo do caminho, perguntando a si própria se não se teria equivocado no carreiro. Mas não, aquele parecia ser o único carreiro da montanha, pelo menos por aquela banda.
De súbito, o cavalo estacou, de orelha fita. Depois relinchou aterrorizado e a jovem teve de empregar todas as suas forças para evitar que desse a volta e desatasse a correr outra vez para baixo.
— Quieto, quieto! — disse com voz acariciadora.
Mas o cavalo via, farejava ou pressentia qualquer coisa que a ela lhe escapava. Um calafrio percorreu--lhe as costas.
Eram dez horas. Em algumas zonas do bosque havia ainda manchas de um ligeiro nevão que caíra na noite anterior. Reinava um profundo silêncio, apenas cortado pela viva passagem de algum esquilo nos ramos das árvores, fugindo de uma silenciosa marta.
O cavalo voltou a encabritar-se, abrindo muito os olhos, espantado. A jovem tentou domá-lo, mas não conseguiu. Um brusco esticão do animal e Eileen inclinou-se para um dos flancos, perigosamente.
A jovem não pôde reprimir um grito que pareceu espantar ainda mais o animal. Este ergueu as mãos e Eileen Traven foi parar, definitivamente, ao chão. Então, para sua imensa surpresa, o cavalo, que costumava ser de um temperamento mais doce, relinchou de novo e rompeu a correr pela senda abaixo.
Foi inútil a jovem chamá-lo. O animal dobrou o cotovelo do caminho e dentro em pouco perdia-se o ruído que os seus cascos produziam na areia endurecida pela geada.
A jovem pôs-se de pé. Ajeitou o cabelo que lhe tinha caído sobre os olhos e olhou em volta. O sangue gelou-se-lhe nas veias quando viu o que tinha espantado a sua montada.
Era um monstro enorme, de uma cor pardo-acinzentada, que andava a quatro patas, lentamente, mas que se ergueu sobre as duas traseiras, apoiando-se a uma árvore ao descobrir a jovem. Do seu focinho rosado, saía um contínuo fio de baba. Era o terrível urso cinzento, das montanhas, de que tantas vezes tinha ouvido falar, mas que nunca vira até então.
A vontade da jovem foi largar a fugir, mas as pernas tinham-lhe ficado paralisadas pelo terror. Sentiu que uma, onda de medo lhe subia do peito e a sufocava. Depois, com um violento esforço sobre si mesma, compreendeu que se se deixasse dominar pelo terror seria muito mais provável morrer do que se tentasse, pelo menos, conservar o sangue-frio.
O animal fitava nela os olhinhos minúsculos como se não a visse bem. Depois rugiu surdamente, com um ruído que pareceu encher todo o espaço'.
Eileen concentrou o máximo das forças que pôde. Sabia que tinha de desatar a correr imediatamente, antes de que a fera se precipitasse sobre ela, que devia subir a uma árvore, fazer qualquer coisa mas fazê-la depressa.
E começou, a'correr. O animal rugiu e, deixando cair as patas dianteiras, precipitou-se em sua perseguição num trote tão veloz que parecia impossível num animal tão corpulento. Um momento depois, Eileen deu a volta a uma árvore, compreendendo, desesperada, que nunca lhe daria tempo de subir a nenhuma. Não, o animal ia alcançá-la. Sentia já o fétido hálito nas suas costas... aquelas garras horríveis despedaçar-lhe-iam a carne...
E então, o milagre que confusamente desejara tornou-se realidade. Um corpo escuro, flexível como um álamo jovem, interpôs-se entre, o urso e ela. Eileen naquele momento tropeçou e caiu no chão. Já no solo, deu uma volta rápida para ver o que se passava atrás de si.
O homem era alto, forte, de corpo poderoso, cujos músculos se notavam mesmo por baixo da jaqueta índia, de pele, que trazia. Na mão direita, empunhava uma machadinha, índia também, e na esquerda uma faca de mato, a terrível arma de dez polegadas de folha afiada. Estava descoberto e usava o negro cabelo muito curto.
Mergulhou a faca na garganta do urso, procurando-lhe a grande artéria que o sangraria em poucos minutos. Mas devia ter falhado. O golpe enfureceu mais ainda a fera que tentou abraçá-lo entre os peludos antebraços com o que lhe teria quebrado os ossos. O homem, porém, saltou agilmente para o lado, ergueu a machadinha ao alto e, após um rápido molinete, deixou-a cair sobre a crânio do urso.
As cabeças destes animais têm fama de fortes, mas o golpe tinha sido tão violento que a folha da machada se enterrou na testa do plantígrado e o homem não pôde retirá-la. Com surdos bramidos de dor o animal começou a dar sapatadas no ar. Qualquer delas podia matar uma pessoa se a achasse no caminho, mas o homem voltara a afastar-se.
— Vamos, rápido, fuja daí! — gritou o homem para Eileen. — Pode cair-lhe em cima com todo o peso.
A jovem apressou-se a obedecer e afastou-se do caminho da animal, o qual, agora, girava em círculos dada vez mais estreitos.
— Ficou cego — disse o homem. — Vou acabar com ele.
— Cuidado. Pode esmagá-lo.
— Não.
O homem deu um salto, com a faca empunhada desta vez com a mão direita. Nesse momento, a fera deve tê-lo ouvido chegar, porque se volitou para ele e agitou as ferozes garras em frente da cara do homem. Este voltou a saltar com a mesma agilidade e, por fim, encontrou a caminho do selvagem coração do urso.
Quando a enorme massa tombou quieta., sacudida ainda por um ou outro estremecimento, a homem voltou-se para Eileen.
— Que ideia foi essa de vir sozinha à floresta? — perguntou. Não havia nenhuma nota de repreensão, mas apenas de curiosidade e simpatia.
— Creio... creio que me perdi — disse ela, levantando-se.
— Aqui? É possível. Conheço tão bem o bosque que às vezes não me dou conta de que os outros podem não o conhecer.
Tinha olhos cinzentos, inteligentes e muito separados. A sua idade oscilaria entre os trinta e quatro e os trinta e oito anos. Eileen disse de si para si que era um dos homens mais atraentes — na realidade, o, mais atraente, — que tinha visto em sua vida.
— Começa a nevar — disse o homem. — Vamos, não fique aí. Eu ensino-lhe o caminho. E o seu cavalo?
— Assustou-se ao ver o urso. Não pude dominá-lo.
O homem começou a andar, adiante dela e a jovem seguiu-o, observando-lhe as costas poderosas e a harmonioso andar de ser que vive em constante contacto com a natureza e que caminha muito pela montanha.
— Chamo-me Eileen Travem — disse ela por fim. O homem voltou-se cortesmente e examinou-a sem sorrir. — Sou... sou a telegrafista de Santa Rita.
— O meu nome é Merrick, Paul Merrick.
De súbito, o cavalo estacou, de orelha fita. Depois relinchou aterrorizado e a jovem teve de empregar todas as suas forças para evitar que desse a volta e desatasse a correr outra vez para baixo.
— Quieto, quieto! — disse com voz acariciadora.
Mas o cavalo via, farejava ou pressentia qualquer coisa que a ela lhe escapava. Um calafrio percorreu--lhe as costas.
Eram dez horas. Em algumas zonas do bosque havia ainda manchas de um ligeiro nevão que caíra na noite anterior. Reinava um profundo silêncio, apenas cortado pela viva passagem de algum esquilo nos ramos das árvores, fugindo de uma silenciosa marta.
O cavalo voltou a encabritar-se, abrindo muito os olhos, espantado. A jovem tentou domá-lo, mas não conseguiu. Um brusco esticão do animal e Eileen inclinou-se para um dos flancos, perigosamente.
A jovem não pôde reprimir um grito que pareceu espantar ainda mais o animal. Este ergueu as mãos e Eileen Traven foi parar, definitivamente, ao chão. Então, para sua imensa surpresa, o cavalo, que costumava ser de um temperamento mais doce, relinchou de novo e rompeu a correr pela senda abaixo.
Foi inútil a jovem chamá-lo. O animal dobrou o cotovelo do caminho e dentro em pouco perdia-se o ruído que os seus cascos produziam na areia endurecida pela geada.
A jovem pôs-se de pé. Ajeitou o cabelo que lhe tinha caído sobre os olhos e olhou em volta. O sangue gelou-se-lhe nas veias quando viu o que tinha espantado a sua montada.
Era um monstro enorme, de uma cor pardo-acinzentada, que andava a quatro patas, lentamente, mas que se ergueu sobre as duas traseiras, apoiando-se a uma árvore ao descobrir a jovem. Do seu focinho rosado, saía um contínuo fio de baba. Era o terrível urso cinzento, das montanhas, de que tantas vezes tinha ouvido falar, mas que nunca vira até então.
A vontade da jovem foi largar a fugir, mas as pernas tinham-lhe ficado paralisadas pelo terror. Sentiu que uma, onda de medo lhe subia do peito e a sufocava. Depois, com um violento esforço sobre si mesma, compreendeu que se se deixasse dominar pelo terror seria muito mais provável morrer do que se tentasse, pelo menos, conservar o sangue-frio.
O animal fitava nela os olhinhos minúsculos como se não a visse bem. Depois rugiu surdamente, com um ruído que pareceu encher todo o espaço'.
Eileen concentrou o máximo das forças que pôde. Sabia que tinha de desatar a correr imediatamente, antes de que a fera se precipitasse sobre ela, que devia subir a uma árvore, fazer qualquer coisa mas fazê-la depressa.
E começou, a'correr. O animal rugiu e, deixando cair as patas dianteiras, precipitou-se em sua perseguição num trote tão veloz que parecia impossível num animal tão corpulento. Um momento depois, Eileen deu a volta a uma árvore, compreendendo, desesperada, que nunca lhe daria tempo de subir a nenhuma. Não, o animal ia alcançá-la. Sentia já o fétido hálito nas suas costas... aquelas garras horríveis despedaçar-lhe-iam a carne...
E então, o milagre que confusamente desejara tornou-se realidade. Um corpo escuro, flexível como um álamo jovem, interpôs-se entre, o urso e ela. Eileen naquele momento tropeçou e caiu no chão. Já no solo, deu uma volta rápida para ver o que se passava atrás de si.
O homem era alto, forte, de corpo poderoso, cujos músculos se notavam mesmo por baixo da jaqueta índia, de pele, que trazia. Na mão direita, empunhava uma machadinha, índia também, e na esquerda uma faca de mato, a terrível arma de dez polegadas de folha afiada. Estava descoberto e usava o negro cabelo muito curto.
Mergulhou a faca na garganta do urso, procurando-lhe a grande artéria que o sangraria em poucos minutos. Mas devia ter falhado. O golpe enfureceu mais ainda a fera que tentou abraçá-lo entre os peludos antebraços com o que lhe teria quebrado os ossos. O homem, porém, saltou agilmente para o lado, ergueu a machadinha ao alto e, após um rápido molinete, deixou-a cair sobre a crânio do urso.
As cabeças destes animais têm fama de fortes, mas o golpe tinha sido tão violento que a folha da machada se enterrou na testa do plantígrado e o homem não pôde retirá-la. Com surdos bramidos de dor o animal começou a dar sapatadas no ar. Qualquer delas podia matar uma pessoa se a achasse no caminho, mas o homem voltara a afastar-se.
— Vamos, rápido, fuja daí! — gritou o homem para Eileen. — Pode cair-lhe em cima com todo o peso.
A jovem apressou-se a obedecer e afastou-se do caminho da animal, o qual, agora, girava em círculos dada vez mais estreitos.
— Ficou cego — disse o homem. — Vou acabar com ele.
— Cuidado. Pode esmagá-lo.
— Não.
O homem deu um salto, com a faca empunhada desta vez com a mão direita. Nesse momento, a fera deve tê-lo ouvido chegar, porque se volitou para ele e agitou as ferozes garras em frente da cara do homem. Este voltou a saltar com a mesma agilidade e, por fim, encontrou a caminho do selvagem coração do urso.
Quando a enorme massa tombou quieta., sacudida ainda por um ou outro estremecimento, a homem voltou-se para Eileen.
— Que ideia foi essa de vir sozinha à floresta? — perguntou. Não havia nenhuma nota de repreensão, mas apenas de curiosidade e simpatia.
— Creio... creio que me perdi — disse ela, levantando-se.
— Aqui? É possível. Conheço tão bem o bosque que às vezes não me dou conta de que os outros podem não o conhecer.
Tinha olhos cinzentos, inteligentes e muito separados. A sua idade oscilaria entre os trinta e quatro e os trinta e oito anos. Eileen disse de si para si que era um dos homens mais atraentes — na realidade, o, mais atraente, — que tinha visto em sua vida.
— Começa a nevar — disse o homem. — Vamos, não fique aí. Eu ensino-lhe o caminho. E o seu cavalo?
— Assustou-se ao ver o urso. Não pude dominá-lo.
O homem começou a andar, adiante dela e a jovem seguiu-o, observando-lhe as costas poderosas e a harmonioso andar de ser que vive em constante contacto com a natureza e que caminha muito pela montanha.
— Chamo-me Eileen Travem — disse ela por fim. O homem voltou-se cortesmente e examinou-a sem sorrir. — Sou... sou a telegrafista de Santa Rita.
— O meu nome é Merrick, Paul Merrick.
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