PAS485. O mistério do lenço desaparecido

Foi pouco antes do jantar que Farley conheceu as duas filhas de D. António. Guadalupe, a mais velha, era uma linda mulher, de olhos verdes e cablo muito negro. As suas feições revelavam a ascendência da raça, tendo em conta que D. António tinha contraído matrimónio com uma americana, mas o espírito decidido tinha-o herdado do pai. Alice, pelo contrário, era loira e de olhos azuis. Aparentava um temperamento doce e sonhador, mas Farley cedo se apercebeu de que era tudo precisamente ao contrário. Irritava-se com frequência e disputava até com a irmã. Ambas deram mostra de uma desmedida curiosidade ao saber da presença de Farley na fazenda. Encheram-no de perguntas e desfizeram-se em amabilidades por lhe tornar agradável a sua presença ali.
Farley, observando-as, deixava que uma ideia se infiltrasse no seu cérebro. Seria, acaso, uma das duas irmãs a dona do lenço escarlate que servira de isca para o atrair à cilada, junto ao rio? E ocorreu-lhe a ideia de que mostrando-o e referindo a sua história talvez pudesse descobrir, pelas suas reações, se alguma delas se havia cruzado com ele antes da sua chegada ao rancho.
Guadalupe foi quem primeiro os deixou, pretextando que tinha de dar algumas instruções à criadagem. No entanto, Farley ficou com Alice a quem contou mil anedotas da sua vida solitária, que a rapariga parecia escutar com singular atenção... Depois, também como a irmã, desculpou-se para se retirar para descansar, visto que se achava muito fatigada pelo grande passeio dado naquela tarde.
Mesmo assim, Farley teve ainda de escutar alguns pormenores que D. António lhe contou acerca da história daquela região. Elias, o capataz, levou-o às coudelarias para que pudesse admirar os formosos exemplares de «puro sangue» que havia.
Por fim retirou-se para descansar. O seu quarto estava no andar alto da quinta. Farley disse para consigo que na manhã seguinte poderia mostrar o misterioso lenço às duas irmãs e tirar-se assim de dúvidas, no que se referia á sua possível participação nos factos que tanto o tinham intrigado.
Na escada encontrou Alice. Descia da parte alta e, ao vê-lo, pareceu um tanto perturbada. Sorriu enquanto desculpava puerilmente:
— Esqueci um livro que leio todas as noites antes me deitar -- disse. — Boas noites.
— Boas noites, menina Alice.
Desceu apressadamente a escada, enquanto Farley a seguia com o olhar. Não podia subtrair-se ao encanto que parecia emanar da sua pessoa, e, ao dar conta disso, acabou de subir para o seu quarto.
Ao atravessar o corredor, descobriu uma pessoa que entrava precipitadamente no quarto do fundo. Mesmo não tendo podido vê-la bem julgou reconhecer nela Guadalupe. O pressentimento de que ela tinha estado a vê-lo de cima a contemplar a irmã produziu-lhe uma irreprimível sensação de mágoa.
Dirigiu-se ao quarto e abriu de par em par as janelas. A noite estava calma e no céu destacavam-se com surpreendente nitidez as estrelas. Farley aspirou o delicioso aroma que se evolava dos campos, cheios de salvios e artemisas, e que era transportado pela brisa vespertina. Algo desvanecidos, chegava dos currais os mugidos das reses. De um ponto longínquo brotavam os sons melodiosos de uma guitarra. Depois, uma voz elevou-se forte e vibrante, cantando a viril epopeia daquela raça que a adversidade não conseguia enfraquecer.
Regressou para junto do leito e logo se recordou lenço. Um instintivo pressentimento fê-lo ir junto da gavetinha cómoda, onde havia deixado algumas das suas coisas. Estas continuavam como as deixara, mas o lenço havia desaparecido.
Por um momento Farley ficou imóvel, tratando recordar se o teria colocado noutro sítio. Mas não; não havia dúvida de que o tinha guardado ali logo que Elias, o capataz, lhe indicou o quarto que lhe era destinado.
A descoberta deixou-o estupefacto. Um lenço não era um objeto valioso que pude despertar a cobiça de algum criado. Mas era inegável que encerrava um valor inestimável para a sua dona. E esta de modo algum queria que aquele objeto continuasse um só instante em seu poder.
Farley voltou à janela e por algum tempo os seus pensamentos concentraram-se nas duas encantadoras filhas do dono do rancho. E a convicção de que uma das duas era a que tinha estado a disparar junto ao pequeno bosque de acácias foi-se arreigando no seu espírito até se converter numa firme realidade.