terça-feira, 9 de junho de 2015

PAS482. Uma mulher de armas salva um homem derrotado

Estava derrotado. O sangue continuava a jorrar pela sobrancelha aberta. Toldava-se-lhe a vista.
Mal distinguia as feições de Gerson. As casas, os «saloons», esfumavam-se. Os contornos desapareciam entre sombras e névoas vermelhas.
A silhueta da diligência aparecia-lhe transformada numa sombra imóvel.
Gerson avançou um passo mais. Bastava-lhe premir o gatilho para lhe fazer saltar a cabeça, desfeita.
Foster tentou agarrar-lhe os pés, mas Gerson afastou-se, dando-lhe um pontapé na mão, e Foster caiu desamparado no chão, quedando-se imóvel, vencido.
— Não devias ter vindo... — murmurou Gerson, apontando friamente à cabeça de Foster. Teria sido melhor para todos... Eu continuaria aqui... E tu continuarias no mundo dos vivos...
Gerson sentiu um prazer satânico no momento em que pensou que ia premir o gatilho.
De novo ressoou o ruído de um tiro.
Mas desta vez não provinha do revólver que Frankie Gerson empunhava.
Vinha de uma espingarda, atrás de si.
O projétil queimou-lhe o braço esquerdo, desfazendo--lhe o cotovelo e fazendo-o uivar de dor.
Gerson revolveu-se como se uma cascavel o tivesse mordido.
Enfrentou a solidão, procurando quem disparava contra ele.
No meio da rua continuava imóvel a diligência. Na boleia, com os braços ao alto, estavam o cocheiro e o ajudante.
Toda a gente se sumiu pelas portas e das janelas. Temiam que de um momento para o outro se desencadeasse o inferno na rua.
— Cobarde, sai! — rugiu Gerson, louco de dor, sem dominar os nervos.
A única resposta foi urna voz vinda da diligência.
Era uma voz de mulher.
— O único cobarde és tu, Gerson... Maldito Gerson.
— Sai! Sai, ou, irei buscar-te!
— Vieste uma vez, Gerson, e não tinha uma espingarda à mão para me defender... Agora tenho-a e estou disposta a fazer-te pagar todo o mal que me fizeste... Gerson, recorda aquela maldita noite de Cortewood... Recorda-a, canalha, porque a tua vida não vai durar muito tempo!
Gerson avançou para a diligência. Uma suspeita atravessou-lhe o cérebro.
— Estás morta, estás morta! — gritou, avançando.
— Não, Gerson, não... Não estou morta... E tenho uma espingarda nas mãos...
Assim era. Mary, ao ver Foster saltar, teve uns momentos de hesitação. Depois, ao compreender que o marido conseguira evitar a morte, arrebatou a espingarda a um dos viajantes e apontou com cuidado a Gerson.
Teria podido matá-lo. Mas quis fazê-lo sofrer, pelo menos, uma pequena parte do que ela sofrera.
— Estás morta...! Eu matei-te, eu matei-te! — rugiu Frankie, desatando a correr para a diligência.
Não conseguiu chegar nem a dez jardas.
Apareceu uma figura à janela. Era Mary.
Empunhava a espingarda com segurança, com decisão, sem medo, firmemente disposta a matar, sem sentir vergonha nem receio disso.
Ao vê-la, Gerson quis parar, tentou dominar os movimentos e disparar.
Mas apenas conseguiu mover grotescamente os braços quando soou o primeiro tiro. Deu a impressão de que acabava de embater numa barreira invisível.
Depois outro tiro. E outro.
Mary manejou com rapidez o carregador da espingarda. E disparou com a mesma serenidade e tranquilidade.
Frankie, a menos de quinze jardas, retorceu-se a cada tiro. Não queria cair; pôs nisso todas as forças. Era o seu último gesto, a sua última façanha, estúpida e inútil.
Quis resistir, como se desejasse morrer de pé. Mas as energias escaparam-se dos seus músculos. E os revólveres caíram no chão.
Depois, foram os joelhos que se inclinaram, que falharam.
Mary disparou de novo. O corpo do foragido agitou-se como um boneco de palha e caiu de joelhos.
Manteve-se naquela posição durante uns segundos, apoiado às mãos. Depois, rolou.
A morte chegava definitivamente. Frankie Gerson acabava a sua vida acanalhada numa rua poeirenta, de botas calçada, como morrem os fora-da-lei.
Mary suspirou profundamente. Pela primeira vez tinha matado um homem. E o surpreendente era que não o lamentava. Pelo contrário, fora como se acabasse de libertar-se de um peso. Deixou cair a espingarda e saltou da diligência. Correu para o corpo inanimado de seu marido. — John! — gritou, ao ajoelhar-se. Segurou-o pelos ombros, ergueu-o, acariciou-lhe o rosto ensanguentado.
Os olhos de Foster moveram-se lentamente.
— Mary... — murmurou.
Naquele instante, perdeu o conhecimento.
Ela abraçou o corpo do único homem que sempre amara.
Sentiu que umas mãos se apoiavam nos seus ombros.
— Tratá-lo-emos melhor, senhora — disse uma voz. Era Swede, o xerife de Springtown.
Entre ele e os ajudantes levantaram o corpo de Foster e dirigiram-se para as casas. Mary seguiu-os.
— Xerife... que pensam fazer? — murmurou, suspeitando que começava uma nova odisseia.
— Nada receie, senhora... Todos somos testemunhas do que sucedeu... E do que confessou este canalha... Não lhe sucederá nada. Agiu em legítima defesa... E seu marido estava desarmado, lutava a corpo limpo... Nada receie, senhora...
Transportaram John Foster para a casa do médico. Pousaram-no numa cama e o doutor iniciou o seu trabalho.
Bastou-lhe um ligeiro exame para diagnosticar:
— Esgotamento geral em consequência de pancadaria brutal... Havia muito tempo que não via um homem tão golpeado como este... Quem é?
— Um forasteiro.
— E o seu inimigo?
— Morto... Era Frankie Gerson.

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