sábado, 6 de junho de 2015

PAS479. A hora dolorosa de Mary Foster

Era um homem. A primeira coisa em que Mary reparou foi na sua pele muito escura, acobreada, como se descendesse de índios.
Mary colocou-se atrás do balcão.
– Que deseja, senhor?
O homem não respondeu. Limitou-se a sorrir e a fitá-la com olhos profundos, negros, penetrantes.
– Que deseja? — insistiu.
Gerson não respondeu. Via agora porque Foster, mesmo na prisão, se preocupava tanto com aquela mulher. Reparou como era bela. Ocorreu-lhe também a ideia de que faltavam cinco meses para ser mãe. Mas a sua silhueta não quebrava a harmonia do conjunto.
Avançou e encostou-se ao balcão.
Mary receou que se tratasse de um bêbado. Desde que se encontrara só, desde que John cumpria a pena em Salt Lake, temia sempre aqueles momentos de solidão, quando enfrentava um desconhecido.
De resto, estava certa de que muitos poucos a ajudariam. Em Cortewood não perdoavam o que seu marido fizera.
Mary afastou-se do homem, aproximando-se do sítio onde guardava as maças com que partia o carvão. Sentia-se mais segura perto daqueles instrumentos.
Gerson percebeu-lhe as intenções.
— Que deseja? — insistiu. — Se não quer comprar nada, peço-lhe que se vá embora... Ordeno-lhe que se retire.
— Ordena-me? — perguntou o desconhecido, com um sorriso irónico.
— Vá-se!
— Não grite, não grite! Falemos antes, não é verdade preciosidade?
Ela aproximou-se mais das maças.
Mas Gerson, com um gesto, rápido, segurou-lhe o pulso e torceu-o, dobrando-a sobre o balcão.
Mantinha-a presa, com a mão esquerda. Com a direita prendeu-lhe a cara e conservou-a quieta.
— Macaquinha... Tens de obedecer-me, compreendes Há muito tempo que não encontro uma mulher como tu. Há mais de cinco anos, percebes? Dos que acabei de passar em Salt Lake.
Ao ouvir aquele nome, Mary compreendeu, ou julgou compreender o que se passava.
— Conhece..., conhece-o...?
— Sim, preciosidade, sim... Estivemos uns meses juntos. E ele passava oito horas por dia a falar-me de ti… como era bela, maravilhosa, como sabias fazer bem todas às coisas... Falou-me muito de ti... Percebes...?
— Como..., como se encontra?
— Eu, muito bem.
— John... John Foster... Largue-me...! Largue-me, por favor?
— John está entre as grades... Soltar-te-ei se prometeres portar-te como uma boa pequena... compreendes... ? Como uma boa pequena.
Gerson repetia as frases e as palavras. Os seus pensamentos corriam, tresloucados, sem que os conseguisse ordenar. Apenas a beleza de Mary lhes enchia o cérebro.
Tremiam-lhe os lábios.
— Solte-me! — repetiu ela, fazendo um esforço para se livrar das garras do foragido.
Mas não o conseguiu.
– Se prometes portar-te bem... — murmurou ele, sem acabar a frase.
Inclinou-se. A mão comprimia com força as faces de Mary, obrigando-a a entreabrir os lábios.
Gerson aproximou a boca. Um ardor indescritível percorreu-lhe o corpo.
Mary não pôde impedi-lo.
O corpo de Gerson apoiou-se sobre o seu, esmagando-o. Os seus lábios sentiram o contacto repelente dos de Gerson.
Tentou afastar o rosto, mas só conseguiu que ele a mordesse para a reter.
Quando Gerson a largou, Mary cuspiu-lhe com todas as forças em plena cara.
— Canalha!
Gerson não esperava a cuspidela e fez um gesto forçado para a evitar.
Mary aproveitou aquele décimo de segundo. Com os braços empurrou Gerson, atirando-o para trás, ao mesmo tempo que com o pé procurou fazê-lo cair.
E conseguiu-o.
Gerson cambaleou como um bêbado e caiu no chão. A queda ressoou com fragor mas o mestiço nada sofreu. Pelo contrário, largou a rir. Mary tentou aproveitar a ocasião para fugir, mas Gerson impediu-a saltando na sua direção como que movido por molas.
Mary esquivou-se e correu para as traseiras.
Gerson, rindo, seguiu-a.
— Gosto delas assim... Ferazinhas... — murmurou.
Ao entrar nas traseiras, Mary atacou-o com a maça de partir o carvão.
Gerson apenas teve tempo de aparar o golpe com o braço, evitando que ela lhe estilhaçasse a cabeça.
Rugiu de dor. Teve a impressão de que o osso ficara partido.
Mary tornou a levantar a maça.
Mas não conseguiu desferir o segundo golpe porque Gerson lhe assentou uma tremenda bofetada que a projetou para cima de um monte de sacos.
A pancada foi terrível. Mary sentiu que perdia os sentidos. Caiu de joelhos. A sua volta tudo andava à roda.
Gerson aproximou-se. Segurou-a pelo cabelo e levantou-lhe a cara.
Furioso, pregou-lhe outra bofetada.
O mestiço estava louco. Era, na realidade, um autêntico louco. As pancadas faziam-lhe perder a razão. Era um sádico desatinado que se punha a bater violentamente, com brutalidade, pronto a destruir tudo o que se opusesse aos seus desejos. E Mary opunha-se. Voltou a dar-lhe outra bofetada. E outra, e outra. A mão estalava com rapidez na cara da mulher.
Mary não pôde conter as lágrimas provocadas pela dor e pelo ódio, pela impotência e desejo de vingança.
Com as poucas forças que lhe restavam agarrou-se às pernas de Gerson e cravou-lhe os dentes.
A pressão na carne do mestiço fê-lo uivar de dor.
Para se desprender da rapariga, que continuava a mordê-lo, deu-lhe um pontapé.
A pancada atingiu o ventre de Mary. Foi tão violenta que a projetou, fazendo-a rolar pelo chão.
Gerson lançou-se sobre ela, aos pontapés.
Já não o preocupava a ideia de a possuir. Apenas queria satisfazer os instintos sanguinários.
Bateu-lhe até à saciedade, até que o cansaço foi superior à violência que lhe corria no sangue.
Quando se sentiu cansado, parou de bater-lhe.
Mary ficou estendida no monte de sacos, sangrando de um ombro e deixando escapar um fio de sangue entre os lábios.
Gerson cuspiu nas mãos e limpou-as às calças.
Depois, inclinou-se sobre ela e beijou-lhe os lábios ensanguentados.
Mary estava inconsciente. Não pôde opor-se.
Gerson acariciou-lhe o rosto. Sentiu nas mãos a pele fina, cálida da mulher...
 

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