quarta-feira, 1 de abril de 2015

PAS452. Encontros que mudam um destino

Contexto da passagem: Vance Logan, depois de tratado por um médico, sai de Dodge não sem ter sido contratado para nova matança a desencadear em Mesa. Mas o seu ferimento não lhe dá descanso e acaba por se refugiar numa gruta
 
Andy Terrel chegou às margens do Cimarron a meio da tarde, procurando refúgio contra a espetacular tormenta que se aproximava vinda do Sul, com grande abundância de relâmpagos e trovões.
Andy era um bom moço de seis pés e três polegadas de altura, amplo de ombros, estreito de cintura, comprido de pernas, magro de carnes, forte como um carneiro montanhês. Tinha vinte e cinco anos e nascera nas montanhas Ozark de Missouri, filho de um batoteiro e de uma mestiça índia.
De índio tinha a rara habilidade de seguir toda a espécie de pistas, a paciência, a sobriedade e uma espécie de religioso amor pelas imensas solidões da pradaria; de branco, a viva inteligência, a habilidade para o comércio, o génio e a coragem serena que raciocina e teme os riscos.
Desde os dezasseis anos que caçava sozinho. Não tinha irmãos, os pais tinham morrido. Toda a sua família era formada por «King», um garanhão que caçara quando ainda era um potro e nunca mais se separara dele.
Homem e cavalo chegaram apressadamente  à margem norte do rio. Antes de atravessar, Terrel deitou um olhar à ameaçadora tormenta que se aproximava a toda a velocidade.
Na outra margem estava um cavalo sem cavaleiro.
— Olha para ali, «King» —falou ao seu cavalo. — Que achas? Onde estará o cavaleiro?
Atravessaram o rio e aproximaram-se do cavalo. Este parecia bastante manso.
Uma série de pormenores fizera Terrel franzir o cenho. Quem quer que fosse o cavaleiro, levara tudo menos a sela. Era absurdo.
Olhou para o chão. Descobriu as pegadas de um homem que se arrastava com extraordinária dificuldade, como se estivesse bêbedo.
A tempestade estava quase a chegar.
Terrel viu uma gruta cavada na rocha e adivinhou o que se passava com o cavaleiro.
Seguiu as pegadas e entrou na gruta. Viu um homem ainda jovem, alto e extraordinariamente magro, deitado no chão, de bruços. Tinha uma barba de muitos dias. Os olhos estavam fechados e respirava com dificuldade. O cantil e a espingarda, junto dele, falavam eloquentemente do supremo esforço realizado para chegar e morrer ali.
Terrel tinha o seu próprio código. Aquele homem podia ser um proscrito, um foragido; quase todas as possibilidades eram de que o fosse. Mas era um ser humano indefeso e prestes a morrer. Terrel só tinha uma coisa a fazer.
Arranjou uma fogueira, e estava a acendê-la quando ouviu um ruído atrás de si.
Voltou a cabeça.
O cavaleiro tinha voltado a si. Estava apoiado noutro cotovelo e olhava-o com olhos furibundos. Com a outra mão apontava-lhe o revólver.
— Eu se estivesse no seu lugar guardava a arma. Não tem forças nem para apertar o gatilho. E se me matar será para si um suicídio.
A voz do ferido soou débil, rouca...
— Quem é e quando chegou?
— Chamo-me Terrel e cheguei quando começava a tormenta. Precisamente a tempo de o ajudar.
O ferido reparou então que tinha uma ligadura nova. Baixou o revólver.
— Porque me tratou?
— Porque é um ser humano, como eu.
O ferido olhou-o durante um minuto. Depois deixou-se cair, vencido.
— Acertaram-me um balázio há cinco dias, numa luta — disse. — Longe daqui. Tive que partir, depois de um médico me tratar. Não era uma ferida perigosa mas a falta de tratamento infetou-a. Passei uns dias e umas noites infernais. Não sei como pude chegar aqui... e também não me interessa. Parece-me que cheguei ao fim, companheiro...
— É possível. Tem muito mau aspeto. Mas pode ser que não. É preciso recorrer a medidas extremas. Se se atrever...
— A que se refere?
— Com um ferro incandescente queimar essa maldita ferida, ficará bom.
O ferido assentiu.
— Adiante. Creio que resistirei.
Terrel tirou do cinto o punhal e aproximou-o do lume.
— É a primeira vez que alguém me faz um favor sem sequer me perguntar o nome.
— Preferi deixar que mo diga quando lhe convier.
— Pode chamar-me Vance. Crê que escaparei desta?
— Assim o espero.
— Poderia sentar-me nessa pedra e esperar tranquilamente a morte. Tenho lá fora um bom cavalo. E tenho quinhentos dólares.
Terrel olhou-o.
— Não costumo ganhar assim o meu dinheiro, Vance -- disse secamente.
O ferido calou-se.
Dez minutos mais tarde, a folha do punhal estava ao rubro. Terrel ajoelhou junto do ferido.
— Grite. Ninguém o ouvirá.
— Adiante. Não penso gritar.
Apertando os lábios, Terrel aproximou o punhal da ferida. Quando lhe tocou, a carne abriu-se e cheirou a queimado. A mão direita de Vance crispou-se sobre a areia e todo o seu corpo estremeceu violentamente. Terrel olhou-o. E viu que perdera os sentidos. Com um gesto pensativo, queimou mais a ferida.
Doze dias mais tarde, Terrel montava de novo, a cavalo, para seguir o seu caminho. Vance, magro como um faquir, pálido como um morto, mas vivo, estendeu-lhe a mão esquelética, olhando-o fixamente nos olhos.
— Foi o único homem que jamais fez algo por mim, desinteressadamente, Terrel — disse. — Se alguma vez puder devolver-lhe este favor, devolverei, ainda que seja a jogar a vida, que no fim de contas, é sua, a partir de agora.
— O que eu fiz não tem importância, Vance. Qualquer teria feito o mesmo.
— Ambos sabemos que não. Bem, boa sorte. Muitos homens o odiariam se soubessem que me salvou a vida. Mas daqui em diante haverá um que pensará que nem todas as pessoas são más e atuará de maneira diferente, graças a si.
— Isso paga-me o meu trabalho, Vance. Boa sorte.
Após um novo aperto de mão os dois separaram-se. Estavam quase seguros de que não voltariam a ver-se. Mas nenhum dos dois esqueceria aqueles doze dias passados na gruta nas margens do Cimarron, doze dias que, sem que o notassem, tinham mudado o seu destino.

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