terça-feira, 21 de abril de 2015

CNT007. «Abutre Negro», o índio renegado

LARRY Jones ficou parado à porta do «saloon», com as mãos a segurarem os batentes. Quase abriu a boca de espanto e por duas vezes a seguir abriu e fechou os olhos, como se não acreditasse no que via.
Era possível existir no velho Oeste turbulento, cheio de perigos e traições, uma cidade cujos habitantes deixassem vazio o «saloon» por volta da meia-noite? Não! Aquilo era um sonho! Larry não podia estar acordado!
Tal facto era tão impossível como dez e dez serem dezassete Resolveu avançar e esclarecer a incógnita. A sala era grande, estava cheia de mesas, simetricamente arrumadas, e o balcão limpo, a brilhar, mostrava falta de uso. Os candeeiros, de luz forte, estavam acesos, a iluminar aquela atmosfera vazia de vida e calor. Por trás do balcão estava o taberneiro — o único homem presente — que abria a boca de aborrecimento.
Larry dirigiu-lhe a palavra:
— Oiça, amigo. Que aconteceu por aqui? A cidade está despovoada? Ou será que ninguém por cá gosta de beber?
Como resposta, o recém-chegado viu na cara do taberneiro, uma sombra de susto, e os olhos, de cansados que estavam, acenderam-se subitamente com essa luz que tão bem traduz o terror. Voltou-se, avisado pelo extinto e levou as mãos aos coldres.
Nesse momento, uma seta sibilou no espaço e veio 'cravar-se no balcão entre as suas pernas.
Larry fixou a porta. Primeiro, só avistou um braço, um arco e uma seta, depois os batentes permitiram a entrada a um corpo esguio, mas musculoso (o que se via pelos movimentos) — e o «cow-boy» contemplou um índio da tribo dos arangonis, de rosto cavado pelos piores sentimentos, e uns olhos onde brilhavam chamas de malvadez.
 — Quem és? — perguntou Larry.
— «Abutre Negro respondeu o «pele-vermelha». — «Abutre Negro», que vem avisar-te para saíres imediatamente da cidade enquanto tens vida. Aqui, quem manda sou eu! Todos os «rostos-pálidos» estão sob as minhas ordens! Pela primeira vez, um índio manda nos usurpadores das terras de Manitu! — E levado por um entusiasmo, onde se notavam embrutecimento alcoólico e princípio de loucura, continuou: — Toda a cidade me teme. Ninguém sai à noite! As minhas setas e a minha espingarda têm calado os mais ousados! Rio-me das leis dos brancos e não vês como o «saloon» está vazio? Ah! Toda a bebida é para mim, sou o dono de tudo isto...
Larry Jones, sem se mexer uma polegada do sítio onde estava, com as mãos caídas sobre as coronhas das pistolas, observou melhor o índio e verificou que aquele homem era perigoso. Notavam-se-lhe atitudes de branco, o que denotava grande convívio com esta raça, e uma profunda inclinação pelo «whisky» de baixa qualidade que então abundava pelas cidades do «Far-West». Não respondeu a toda aquela «lengalenga». Olhou de soslaio para o taberneiro, e viu-o pálido, a tremer, ansioso de arranjar esconderijo na parte baixa do balcão.
Entretanto, «Abutre Negro», que avançara alguns passos dentro da sala, perguntou:
— Finalmente! Quem és tu? Que queres daqui? Não sabes que não gosto de ver caras estranhas em «Mountain City»!
Larry Jones abriu os lábios num sorriso, que fez admirar o índio, e retorquiu:
— Venho de Denver, «Abutre»! Sou o novo «sheriff» da cidade! Nomeado pelo próprio Governador... e com a missão de te prender.
A estupefação do «pele-vermelha» foi enorme.
— Prender-me… a mim?!
— Sim.
— Ah! Ah! Ah! — O índio desatou às gargalhadas, enquanto os olhos iam endurecendo e criando um brilho criminoso. Lentamente as suas mãos apertaram novamente o arco, e uma delas começou a esticar a corda, onde estava apoiada uma flecha...
Nada disto passou despercebido a Larry. Antes que «Abutre» tivesse tempo de completar o gesto, soou um tiro, e arco e flecha partiram-se nas mãos do renegado. O índio ficou paralisado pela admiração e por dois ou três segundos esteve com a vista cravada nos restos da arma; depois, levantou os olhos e fitou a pistola fumegante que Larry empunhava, sem abandonar a posição primitiva.
Nesse instante, o taberneiro, curioso, levantou a cabeça acima do balcão e espreitou. Teve um «ah!» e deixou-se cair para o mesmo lugar. Era possível que existisse um homem que se atrevesse a enfrentar «Abutre Negro»? E a sua estupefação subiu, quando ouviu Larry dizer:
— Considera-te preso, patife! Acabaram-se 'os teus dias de imposição e terror! Desta vez vais bater com os ossos na prisão, e pagarás por todos os teus crimes!
O índio, que compreendia agora a classe de adversário que tinha de enfrentar, não se precipitou. Apesar de tudo era valente e depressa viu, que na presente situação, um passo que desse, era morte certa. Aquele homem era de boa pontaria e tinha o indicador sobre o gatilho, pronto a disparar. Resolveu, por isso, fugir.
Antes que Larry o suspeitasse, sem se mover em gestos inúteis ou denunciadores, deu um salto para trás, de costas, e caiu sobre os batentes da porta, • que se abriram para o deixarem passar e logo se fecharam com estrondo, impulsionados pelas molas.
Foi este último movimento dos batentes que salvou «Abutre Negro». As balas disparadas simultaneamente pelas pistolas do «cow-boy» cravaram-se na madeira.
Mas Larry não hesitou; de um salto, atravessou a sala, saiu para a rua, a tempo de ver o índio que se afastava a todo o galope, montado num cavalo branco, e desaparecer no caminho da planície. Pouco depois, Larry Jones seguia-o...
 Ao mesmo tempo, o taberneiro corria par rua e depressa se viu rodeado por uma multidão de curiosos. Narrou a chegada do «sheriff», a intromissão do «Abutre» e terminou com uma pergunta, que traduzia bem o pensar de todos os presentes.
— Qual dos dois homens regressaria: Larry Jones ou «Abutre Negro»?
* * *
O cavalo de Larry Jones era melhor, ou estava mais fresco do que aquele que o «pele-vermelha» montava. A todos os segundos ganhava terreno. Assim, os animais aproximavam-se um do outro, encurtando as distâncias.
Larry largou as rédeas, fincou os joelhos nos flancos do cavalo para manter o equilíbrio, e tirou as pistolas. O índio, mais adiante, tomado pela raiva de se sentir quase apanhado, virou-se no dorso do animal, levantou a espingarda que levava presa da rudimentar sela do cavalo e carregou no gatilho. Ouviu-se um «clique» sonoro, bem elucidativo: a arma estava sem balas. O índio proferiu uma praga e bateu com força na garupa da montada. 
O «sheriff», que tinha percebido o que acontecera, voltou a guardar as pistolas, e preparou-se para saltar sobre o adversário. Colocou os cavalos a par, tirou os pés dos estribos, e num mergulho atirou-se sobre o «pele-vermelha».
Os dois homens rolaram pelo solo, durante alguns metros. O primeiro a levantar-se foi «Abutre Negro», o índio renegado. Agiu como uma onça, quis aproveitar esta peque-ma vantagem e disparou um potente pontapé, que Larry aparou com uma das mãos, para logo levar a outra à perna, obrigar o «pele-vermelha» a saltar sobre si. Pulou, a seguir, para cima dele e agarrando-lhe no ornamento de penas que lhe enfeitava a cabeça, sacudiu-o com violência, para o entontecer.
Depois, puxou-lhe a cabeça para o peito é desferiu-lhe um soco curto, destruidor, nos maxilares, seguido de outro, no nariz. O índio quis reagir, mas um novo soco, desta vez na ponta do queixo, fê-lo exalar um gemido de dor...
* * *
Em frente do «saloon», o taberneiro mantinha-se à frente da multidão. Um silêncio pesado envolvia aqueles homens devorados pela expectativa. Todos os olhos estavam cravados na entrada da cidade.
De súbito, lá longe, dois vultos começaram-se a desenhar nas sombras da noite. Um montado num cavalo, outro atravessado na sela — um vencedor, outro vencido.
Seria Larry Jones ou «Abutre Negro»? A resposta veio dos lábios do taberneiro, que atirando o chapéu ao ar, gritou:
-- Viva o novo «sheriff»!
 

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