Hada atravessou a rua.
Parecia ter emagrecido um pouco e estar mais pálida naqueles dois últimos dias, mas continuava bonita e tentadora como sempre.
Roy encontrava-se junto da porta principal, como outras vezes, desbastando um pedaço de madeira com a sua navalha. Parecia que não tinha nada que fazer. Mas na realidade vigiava, com todos os sentidos alerta.
Quando viu Hada aproximar-se quase cortou um dedo, com a navalha. Fez todos os esforços para se manter indiferente, mas sentia um aperto estranho no coração de cada vez que a via.
— Roy... — disse ela suavemente.
— Olá!
— Disseram-me que anteontem deste uma boa lição à «Amalgamated» nos seus próprios escritórios.
— Fiz o que pude. E não foi tão difícil como parece.
— Queria agradecer-te. Foi... depois de Flanagan e tu...
Roy não a olhava. Mas sentia a presença da mulher, corno uma sensação cálida na pele, com um estremecimento nas veias.
— Não eras obrigado a fazer aquilo — continuou Hada.
— Bom, que te importa isso?
Mas quero pedir-te que te vás embora. Ninguém te pagará agora os sete mil e quinhentos dólares. Nem Flanagan nem eu queremos que trabalhes para nós.
— Já o supunha.
— Então... eu só queria dizer-te isto. Perdes tempo ficando aqui e desprezando outra oportunidade.
— Ia-me embora quando os da «Amalgamated» me atacaram pelas costas — murmurou. — Foi então que resolvi ficar aqui. Porém por conta própria.
— Que te importa isso a ti, Roy? Não é assunto teu.
— Embirro solenemente com os da «Amalgamated». E nem tudo o que faz é contra pagamento, pois não? Não me interessa que não esteja a ganhar um centavo.
Hada entrelaçou nervosamente os dedos.
— Eu... estaria muito mais tranquila se te fosses embora. Mas queria que soubesses que te estou agradecida pelo que, ao fim e ao cabo fizeste, Roy. Não te guardo nenhum rancor. O único que to tem é...
— Flanagan?
Hada acenou afirmativamente.
— Sim.
— Diz-lhe que nada receie. Gosto de ti, quis-te com loucura e não poderei esquecer o que houve entre nós. Mas há coisas que um homem não deve fazer. Aprendi-o agora.
Ia guardar a navalha. Porém o seu olhar captou um gesto.
— Cuidado!
Atirou-se sobre a mulher e deitou-a por terra, cobrindo-a parcialmente com o corpo. Ao mesmo tempo sacava o revólver. A sincronização dos seus movimentos era perfeita. Disparou uma vez.
O tipo que se encontrava em cima do telhado, preparando-se para puxar o gatilho da sua espingarda, soltou um enorme grito e rebolou vindo cair na rua, já morto.
Ouviram-se gritos de entusiasmo.
— Magnífico tiro!
— É incrível!
Roy passou a mão pela boca para disfarçar um sorriso. Porque tinha a certeza de que não atingira o inimigo. Quem o eliminara fora Bart, sempre atento. Lembrou-se que as detonações simultâneas se tinham convertido numa só. O morto encontrava-se já rodeado de um pequeno grupo de curiosos.
— Caramba... — murmurou alguém. — Isto é que é surpreendente...
— O quê?
— Tem um buraco nas costas. A bala entrou por este lado.
— Devia estar a voltar-se no momento de ser atingido.
— Pois a mim pareceu-me que estava de frente.
— Voltou-se um pouco para não ser um alvo tão. vantajoso — disse Roy, intervindo. — Eu vi-o melhor do que ninguém. E agora, alguém quer ajudar-me a levar este homem à funerária? Vamos enterrá-lo já.
— Sem deixar que o vejam? Era Burley, um famoso pistoleiro. Diziam que nunca falhava!
— Alguma vez havia de falhar—murmurou Roy. — E afinal de contas um morto não é um espetáculo. Vá, vamos com ele para a funerária. Eu encarrego-me das despesas do enterro.
O que Roy não queria era que algum curioso extraísse a bala e visse que era de espingarda e não de revólver. Trabalhar com Bart tinha também os seus inconvenientes. Mas afinal a ele devia continuar com vida. Quatro homens transportaram o morto. Ao vê-los, o dono da agência funerária, esfregou as mãos de contente.
— Bons dias, amigos—disse a Roy. —O senhor e eu temos de chegar a um acordo.
— De que género?
— Se me garantisse um cadáver todos os dias, quando o apanhassem a si fazia-lhe um enterro de primeira classe, de graça.
— Isso não me interessa, compadre. O meu enterro pagá-lo-á muito gostosamente a «Amalgamated Trust».
— Pois creio que isso não vai tardar... se continua por este caminho.
Roy encolheu os ombros. Que é que pensavam? Que ele não sabia isso? Depois de ter tratado tudo a respeito do enterro do inimigo, Roy dirigiu-se ao centro da cidade. Não podia dizer-se que estivesse alegre. Não, não o estava, de modo nenhum.
Atormentava-o estar ali porque tinha que ver Hada e sabê-la nos braços de outro.
Quando estava quase a chegar às casas do centro, alguém o chamou.
- É, Roy!
Roy voltou-se e um sorriso apareceu nos seus lábios.
— Olá, Key!
Conhecia bem Key porque ambos tinham andado juntos um ano antes. Key era um aventureiro e muito mulherengo, porém era também bom atirador e um homem que suportava sem vergar as provas mais duras.
Quando urna vez Bart ficou ferido, Roy esteve quase a propor-lhe trabalhar com ele. Bastava ver uma mulher para que abandonasse o trabalho mais importante e a seguisse sem querer saber de mais nada, até que ela não lhe interessasse ou lhe tivesse pregado dois pares de bofetadas. Apertaram-se as mãos.
— Como vão as coisas? — perguntou Roy.
— Assim, assim. Lá vou andado.
— Tens trabalho?
— Não me tenho dado mal ultimamente. Tenho algum dinheiro junto, mas interessava-me fazer-te uma proposta.
— Qual é?
— Homem, assim não. A coisa é séria. Porque é que não tornamos um copo?
— Como te pareça. Vamos.
Quando se encontraram no saloon, Key mostrou-se no entanto pouco inclinado a falar no caso. Beberam uns copos em silêncio.
— Não querias fazer-me urna proposta? perguntou Roy.
— Deixa. Fica para outro dia.
— Porquê para outro dia?
— Homem, é um assunto bem triste.
— Parece-me que estás cheio de manias.
— Não, não são manias e estranho que estejas tão animado.
— Porque não hei-de estar?
Key olhou-o com certa surpresa e por fim encolheu os ombros.
— Bom, bom... ao fim e ao cabo isso é contigo.
— A verdade, rapaz, é que estás muito estranho hoje. Mas se queres que falemos de outra coisa não vejo inconveniente nisso. Tens tido muitas aventuras com mulheres ultimamente? Tu eras incorrigível nisso.
— Na verdade queria mudar.
— Transformaste-te em bom rapaz?
— Um homem aborrece-se de andar sempre por aí... se encontrasse uma mulher de quem gostasse casava-me.
— E portavas-te como uma pessoa decente?
— Estarei disposto a isso.
— E a trabalhar honestamente?
— Com certeza que sim.
Roy refletiu um momento.
— Sabes, talvez possa solucionar o teu problema. Conheço uma rapariga que se não casar vai ficar muito só.
— A quem. te referes? Não a conheces. Suponho que ao princípio não te agradaria, ela precisa de mudar muito. Em que sentido?
— É como um rapaz!
— Então... pfff...
— Não a desprezes sem. a veres. antes, rapaz. Talvez gostes dela.
— Não se perde nada em experimentar. Onde vive ela?
— Neste hotel aqui em frente. Chama-se Ingrid. Não tens mais do que perguntar por ela.
Key esfregou as mãos.
— Creio que o farei. Tu sempre tiveste bom gosto em questão de mulheres. E se dizes que essa não é má...
— Não, não é, mas já te disse que precisa de mudar muito. Mas há uma coisa.
— Que é?
— É uma boa rapariga. Ou se trata de casares honestamente ou parto-te o nariz.
— Sim, sim, homem. Está descansado. Disseste que se chama Ingrid? Exatamente e é loira.
— Está bem.
Já à porta, o rapaz voltou-se.
— Ouve, Roy, tu e eu temos de falar de outro assunto.
— Podíamos ter falado se tu tivesses querido.
— É que me pareceu muito triste... Enfim, falaremos depois. Para essas coisas há sempre tempo.
E desapareceu.
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