sexta-feira, 25 de fevereiro de 2022

RB074.11 Um contrato com o coveiro

 Hada atravessou a rua. 

Parecia ter emagrecido um pouco e estar mais pálida naqueles dois últimos dias, mas continuava bonita e tentadora como sempre. 

Roy encontrava-se junto da porta principal, como outras vezes, desbastando um pedaço de madeira com a sua navalha. Parecia que não tinha nada que fazer. Mas na realidade vigiava, com todos os sentidos alerta. 

Quando viu Hada aproximar-se quase cortou um dedo, com a navalha. Fez todos os esforços para se manter indiferente, mas sentia um aperto estranho no coração de cada vez que a via. 

— Roy... — disse ela suavemente. 

— Olá! 

— Disseram-me que anteontem deste uma boa lição à «Amalgamated» nos seus próprios escritórios. 

— Fiz o que pude. E não foi tão difícil como parece. 

— Queria agradecer-te. Foi... depois de Flanagan e tu... 

Roy não a olhava. Mas sentia a presença da mulher, corno uma sensação cálida na pele, com um estremecimento nas veias. 

— Não eras obrigado a fazer aquilo — continuou Hada. 

— Bom, que te importa isso? 

Mas quero pedir-te que te vás embora. Ninguém te pagará agora os sete mil e quinhentos dólares. Nem Flanagan nem eu queremos que trabalhes para nós. 

— Já o supunha. 

— Então... eu só queria dizer-te isto. Perdes tempo ficando aqui e desprezando outra oportunidade. 

— Ia-me embora quando os da «Amalgamated» me atacaram pelas costas — murmurou. — Foi então que resolvi ficar aqui. Porém por conta própria. 

— Que te importa isso a ti, Roy? Não é assunto teu. 

— Embirro solenemente com os da «Amalgamated». E nem tudo o que faz é contra pagamento, pois não? Não me interessa que não esteja a ganhar um centavo. 

Hada entrelaçou nervosamente os dedos. 

— Eu... estaria muito mais tranquila se te fosses embora. Mas queria que soubesses que te estou agradecida pelo que, ao fim e ao cabo fizeste, Roy. Não te guardo nenhum rancor. O único que to tem é... 

— Flanagan? 

Hada acenou afirmativamente. 

— Sim. 

— Diz-lhe que nada receie. Gosto de ti, quis-te com loucura e não poderei esquecer o que houve entre nós. Mas há coisas que um homem não deve fazer. Aprendi-o agora. 

Ia guardar a navalha. Porém o seu olhar captou um gesto. 

— Cuidado! 

Atirou-se sobre a mulher e deitou-a por terra, cobrindo-a parcialmente com o corpo. Ao mesmo tempo sacava o revólver. A sincronização dos seus movimentos era perfeita. Disparou uma vez. 

O tipo que se encontrava em cima do telhado, preparando-se para puxar o gatilho da sua espingarda, soltou um enorme grito e rebolou vindo cair na rua, já morto. 

Ouviram-se gritos de entusiasmo. 

— Magnífico tiro! 

— É incrível! 

Roy passou a mão pela boca para disfarçar um sorriso. Porque tinha a certeza de que não atingira o inimigo. Quem o eliminara fora Bart, sempre atento. Lembrou-se que as detonações simultâneas se tinham convertido numa só. O morto encontrava-se já rodeado de um pequeno grupo de curiosos. 

— Caramba... — murmurou alguém. — Isto é que é surpreendente... 

— O quê? 

— Tem um buraco nas costas. A bala entrou por este lado. 

— Devia estar a voltar-se no momento de ser atingido. 

— Pois a mim pareceu-me que estava de frente. 

— Voltou-se um pouco para não ser um alvo tão. vantajoso — disse Roy, intervindo. — Eu vi-o melhor do que ninguém. E agora, alguém quer ajudar-me a levar este homem à funerária? Vamos enterrá-lo já. 

— Sem deixar que o vejam? Era Burley, um famoso pistoleiro. Diziam que nunca falhava! 

— Alguma vez havia de falhar—murmurou Roy. — E afinal de contas um morto não é um espetáculo. Vá, vamos com ele para a funerária. Eu encarrego-me das despesas do enterro. 

O que Roy não queria era que algum curioso extraísse a bala e visse que era de espingarda e não de revólver. Trabalhar com Bart tinha também os seus inconvenientes. Mas afinal a ele devia continuar com vida. Quatro homens transportaram o morto. Ao vê-los, o dono da agência funerária, esfregou as mãos de contente. 

— Bons dias, amigos—disse a Roy. —O senhor e eu temos de chegar a um acordo. 

— De que género? 

— Se me garantisse um cadáver todos os dias, quando o apanhassem a si fazia-lhe um enterro de primeira classe, de graça. 

— Isso não me interessa, compadre. O meu enterro pagá-lo-á muito gostosamente a «Amalgamated Trust». 

— Pois creio que isso não vai tardar... se continua por este caminho. 

Roy encolheu os ombros. Que é que pensavam? Que ele não sabia isso? Depois de ter tratado tudo a respeito do enterro do inimigo, Roy dirigiu-se ao centro da cidade. Não podia dizer-se que estivesse alegre. Não, não o estava, de modo nenhum. 

Atormentava-o estar ali porque tinha que ver Hada e sabê-la nos braços de outro. 

Quando estava quase a chegar às casas do centro, alguém o chamou. 

- É, Roy! 

Roy voltou-se e um sorriso apareceu nos seus lábios. 

— Olá, Key! 

Conhecia bem Key porque ambos tinham andado juntos um ano antes. Key era um aventureiro e muito mulherengo, porém era também bom atirador e um homem que suportava sem vergar as provas mais duras. 

Quando urna vez Bart ficou ferido, Roy esteve quase a propor-lhe trabalhar com ele. Bastava ver uma mulher para que abandonasse o trabalho mais importante e a seguisse sem querer saber de mais nada, até que ela não lhe interessasse ou lhe tivesse pregado dois pares de bofetadas. Apertaram-se as mãos. 

— Como vão as coisas? — perguntou Roy. 

— Assim, assim. Lá vou andado. 

— Tens trabalho? 

— Não me tenho dado mal ultimamente. Tenho algum dinheiro junto, mas interessava-me fazer-te uma proposta. 

— Qual é? 

— Homem, assim não. A coisa é séria. Porque é que não tornamos um copo? 

— Como te pareça. Vamos. 

Quando se encontraram no saloon, Key mostrou-se no entanto pouco inclinado a falar no caso. Beberam uns copos em silêncio. 

— Não querias fazer-me urna proposta? perguntou Roy. 

— Deixa. Fica para outro dia. 

— Porquê para outro dia? 

 — Homem, é um assunto bem triste. 

— Parece-me que estás cheio de manias. 

— Não, não são manias e estranho que estejas tão animado. 

— Porque não hei-de estar? 

Key olhou-o com certa surpresa e por fim encolheu os ombros. 

— Bom, bom... ao fim e ao cabo isso é contigo. 

— A verdade, rapaz, é que estás muito estranho hoje. Mas se queres que falemos de outra coisa não vejo inconveniente nisso. Tens tido muitas aventuras com mulheres ultimamente? Tu eras incorrigível nisso. 

— Na verdade queria mudar. 

— Transformaste-te em bom rapaz? 

— Um homem aborrece-se de andar sempre por aí... se encontrasse uma mulher de quem gostasse casava-me. 

— E portavas-te como uma pessoa decente? 

— Estarei disposto a isso. 

— E a trabalhar honestamente? 

— Com certeza que sim. 

Roy refletiu um momento. 

— Sabes, talvez possa solucionar o teu problema. Conheço uma rapariga que se não casar vai ficar muito só. 

— A quem. te referes? Não a conheces. Suponho que ao princípio não te agradaria, ela precisa de mudar muito. Em que sentido? 

— É como um rapaz! 

— Então... pfff... 

— Não a desprezes sem. a veres. antes, rapaz. Talvez gostes dela. 

— Não se perde nada em experimentar. Onde vive ela? 

— Neste hotel aqui em frente. Chama-se Ingrid. Não tens mais do que perguntar por ela. 

Key esfregou as mãos. 

— Creio que o farei. Tu sempre tiveste bom gosto em questão de mulheres. E se dizes que essa não é má... 

— Não, não é, mas já te disse que precisa de mudar muito. Mas há uma coisa. 

— Que é? 

— É uma boa rapariga. Ou se trata de casares honestamente ou parto-te o nariz. 

— Sim, sim, homem. Está descansado. Disseste que se chama Ingrid? Exatamente e é loira. 

— Está bem. 

Já à porta, o rapaz voltou-se. 

— Ouve, Roy, tu e eu temos de falar de outro assunto. 

— Podíamos ter falado se tu tivesses querido. 

— É que me pareceu muito triste... Enfim, falaremos depois. Para essas coisas há sempre tempo. 

E desapareceu. 


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