Tonapah...
Um conjunto de casas perdidas numa paisagem silenciosa, debaixo de sol, rodeadas pelo deserto de todos os lados.
Tonopah a selvática. Tonopah a violenta.
Roy parou o seu cavalo a certa distância e contemplou a cidade. Nunca ali tinha estado e a primeira sensação que a cidade lhe produziu foi muito desagradável.
Mas a verdade é que ia ali ganhar sete mil e quinhentos dólares. Não tinha ido precisamente para fazer turismo.
Tirou do bolso a carta que recebera em Elko e onde se encontravam instruções para encontrar o destinatário.
Essas instruções eram muito simples.
Num post-scriptum dizia-se simplesmente:
«Em Tonopah encontrará um hotel chamado «Grand Bassin». Pergunte pelo quarto n.° 4.»
Bom, era isso que ia fazer.
Geralmente as pessoas que o contratavam estavam sempre metidas em assuntos perigosos. E por essa razão procuravam não dizer a sua identidade até ao último momento.
Penetrou na rua principal, que era poeirenta, larga e direita. A rua começava numa zona desértica e acabava noutra zona desértica. Dir-se-ia que antes de Tonopah não havia vida e que não voltaria a haver depois.
Caminhava muito pouca gente pelos passeios.
Vista por dentro, a cidade não era tão feia como do exterior. Encontravam-se ali muitos edifícios verdadeiramente notáveis e compreendia-se que existia ali gente a quem o dinheiro sobrava.
Roy amarrou o cavalo a um corrimão onde havia sombra, se bem que aquele não ficasse junto do hotel.
Acabava de fazer o nó, quando de repente abriu a boca, assombrado.
— Hada....
A mulher que passava junto dele e que ainda não o tinha visto, parou então.
Era uma verdadeira rainha.
Era difícil imaginar que em Tonopah pudesse haver uma mulher assim. Ia vestida com tanta elegância como uma dama de Filadélfia ou de Washington. Levava um vestido branco, muito cingido, realçava as linhas elegantes do seu corpo.
Não admirava que toda a gente a olhasse. Mas ninguém havia dito uma palavra, o que mostrava que Hada era muito respeitada na cidade.
Ao ver Roy, Hada empalideceu.
Deu a sensação de que ela achava a coisa mais
estranha do mundo encontrar Roy ali.
— Hada, que fazes aqui?
— Vivo na cidade.
— Eu... não podia calcular...
Os olhos de Roy brilhavam perigosamente. Era difícil imaginar que pensamentos passavam naquele momento pelo seu cérebro; mas, desde logo, não podiam ser agradáveis para a pessoa que se encontrava na sua frente.
Hada disse com indiferença:
— Também não esperava encontrar-te aqui.
— E é tudo quanto tens a dizer?
— Porque havia de te dizer outra coisa?
Os dois falavam em voz baixa, no passeio solitário. Ninguém podia ouvir a conversa deles.
— Há dois anos íamos casar. E uma semana antes desapareceste. Teve graça, não teve?
— Muita graça.
Roy sorriu amargamente, mas dando aos seus lábios uma expressão de desprezo.
— Sempre te julguei outro género de mulher,
Hada. Mas se soubesses como agora te desprezo
não querias estar junto de mim.
— Eu não quero estar junto de ti. Tu é que me
chamaste.
Roy encolheu os ombros.
— Se queres vai-te embora, mas primeiro diz-me qualquer coisa sobre a tua vida para que eu possa
rir-me um bocado.
— Talvez nos possamos rir os dois. Que queres
saber?
— Antes de tudo, em que saloon trabalhas?
— Que te faz pensar isso? Nunca trabalhei em nenhum saloon.
— Pois não creio que agora sirvas para outra coisa.
— Queres que te esbofeteie, Roy? Que te esbofeteie diante de todos?
— Farias melhor em dizer-me quem te mantém.
— Um homem, claro.
— Pois, pois...
— Porque dizes isso com esse tom?
— Cá me entendo. Então que tinha para te oferecer era pouco não? Não te chegava?
— O que não podias oferecer-me era o que eu mais desejava. Um lar... És um desses homens que não sabem viver duas semanas seguidas no mesmo sítio. Ter-te-ias feito guarda-costas profissional, guia do exército, condutor de caravanas, eu sei lá... contando que não estivesses quieto. Quando deixaste de ser professor deixei de ser tua noiva.
Roy sorriu sarcasticamente outra vez.
— Bonita explicação. Porém podias tê-la dado na altura. Agora não interessa.
— Contigo não valiam a pena as explicações. Só os factos.
Roy fechou os olhos para ocultar urna expressão de desgosto que havia neles.
— Sabes, Hada? Eu estava muito apaixonado por ti.
— Gosto muito de saber tão importante notícia.
— Troças?
— Não. Quero dizer apenas que são águas passadas e que agora não importam.
— Mas importam-me a mim.
— Porquê?
— Porque continuas a ser uma mulher bonita.
— Isso também não é nenhuma novidade.
— Agradas-me. Agradas-me muito mais do que dantes.
— Acabas de fazer uma descoberta maravilhosa. Todos os homens dizem o mesmo.
— Mas comigo é diferente.
— Porquê?
Os olhos da mulher tremeram um momento, só um momento. Logo a seguir ergueu a cabeça e desafiou-o com um olhar.
— Esperas isso?
— Não espero. Tenho a certeza. Sabes perfeitamente que quando quero uma coisa a consigo sempre. E tu agora és o meu objetivo. Vais ser minha quer queiras quer não. Ficarei em Tonopah o tempo que for preciso, até que estejas nos meus braços. E até que por cima mo agradeças.
Hada voltou a cabeça com um gesto brusco.
— Maldito o dia em que te conheci, Roy!
— Pois agora estamos iguais. Muitas vezes eu tenho amaldiçoado o mesmo.
Hada deu meia-volta.
— Espero ter a sorte de não voltar a ver-te.
— Não confies nisso, querida. Já te disse que ficarei em Tonopah todo o. tempo necessário para que me peças para seres minha.
Hada fez um gesto de desprezo e acelerou o passo, afastando-se rapidamente.
Roy ficou a olhá-la.
Nos seus olhos via-se uma mistura de amor e de ódio. Uma mistura inquietante, explosiva, que poderia conduzi-lo à mais estranha decisão.
Amara muito aquela mulher. Amara-a com toda a sua alma.
Era ela que ele elegera para sua companheira na vida. Seria a única pessoa por quem seria capaz de renunciar à sua vida de aventura. Mas ela nem sequer lhe perguntara se estava resolvido a mudar. Afastara-se simplesmente sem dar mais explicações ao perceber que ele não era o homem «à sua medida».
E agora, um novo sentimento, além do amor e do ódio, complicava as coisas para Roy.
O desejo.
Hada era naquele momento a mulher mais tentadora que se lembrava de ter visto. Era uma mulher por quem valia a pena fazer qualquer loucura. E Roy sentia-se ainda mais desgraçado porque ela tinha dito que era mantida por um homem. Abanou desgostosamente a cabeça.
«Os meus assuntos em Tonopah começam mal... — pensou.
E afastou-se em direção ao hotel «Gand Bassin», que acabava de ver a pouca distância dali, à esquina de uma das principais ruas da cidade.
O interior era elegante. Havia plantas, por toda a parte, jarras e alcatifas. As escadas que conduziam ao segundo andar eram de mármore e não de madeira. Os lustres de cristal lapidado pareciam ter sido trazidos expressamente da Europa.
O hotel era novo.
No entanto dava a sensação de que se ia desintegrar pouco a pouco, de que aquele edifício e aquelas decorações não poderiam resistir aquele clima infernal do centro de Nevada.
O porteiro cumprimentou Roy.
— Bons dias, senhor. Quer um quarto?
— Sim, mas teria de ser algo de especial.
— Em que sentido?
— Quero um quarto no rés-cio-chão e com uma porta para as traseiras do prédio.
— Vai receber visitas? Aviso-o de que é expressamente proibido trazer raparigas para aqui.
— Não. Não vou trazer ninguém. Mas gosto de entrar e de sair sem que os outros deem por isso.
— Bom. Tenho um quarto nessas condições. Dá para um pequeno pátio que fica nas traseiras do hotel. Vou-lho mostrar.
— Obrigado.
O quarto não era o melhor que o hotel podia oferecer, mas convinha a Roy. Era independente e a porta das traseiras poderia ser utilizada por Bart, se fosse necessário.
— Convém-me -disse.
— É um dólar e meio por dia. Pago adiantadamente.
— Pagarei uma semana inteira. Não sei quanto tempo estarei na cidade.
Voltaram ao vestíbulo e o porteiro deu-lhe um recibo.
— Espero que goste da nossa cidade, senhor. Se bem que seja um pouco perigosa.
— Já me tinha parecido isso... Ouça...
— Diga, senhor.
— Queria falar com o hóspede do quarto número quatro.
— É a nossa melhor suíte, senhor. Tem duas janelas para a rua principal.
— Não precisa de fazer propaganda dos alojamentos. Eu desejo apenas falar com a pessoa que o ocupa.
— Pode subir. Parece-me que deve lá estar agora.
Roy agradeceu e subiu pelas escadas alcatifadas até ao primeiro andar.
A porta número quatro era dupla e encontrava-se no fim do corredor.
Roy bateu com os nós dos dedos.
Ninguém convidou a entrar, mas, no entanto, a porta foi-se abrindo do lado de dentro. Uma mulher apareceu na entrada.
Roy reconheceu-a imediatamente não só pelas suas formas esculturais, pela boca fresca, pela sua maravilhosa juventude, e também pela expressão de ódio e de espanto que apareceu no rosto dela. Com um murmúrio, disse:
— Hada...
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