Hada fez um gesto brusco. Para fechar-lhe a porta na cara.
— Soubeste muito depressa que eu estava aqui. Fora!
Roy empurrou a porta com a mão.
— Um momento. Não sabia que vivias aqui.
— Então porque vieste?
— Escreveram-me esta carta.
Tirou a carta do bolso e ela leu com olhos assombrados.
Por fim, uma expressão de contrariedade e de espanto apareceu no seu rosto.
— Entra.
— Adivinho que não foste tu que a escreveste.
Hada sentou-se numa cadeira, ainda com a carta na mão e a mesma expressão de espanto na cara, e cruzou as pernas.
«Tens umas pernas sensacionais — pensou Roy. — Maldição!»
Hada ergueu os olhos para ele, captou a direção do seu olhar e puxou as saias para baixo.
—Então agora dedicas-te a isso — disse asperamente.
— Isso, que tu desprezas, significa impor a lei numa cidade quando o xerife não é capaz de o fazer.
— De uma maneira ou de outra puxas o gatilho.
— Sempre ao serviço da lei.
— E que dirás tu se neste caso a lei estiver contra a pessoa que te escreveu a carta?
— Claro que primeiro teremos de falar. Se o assunto não me parece honesto não o aceito.
— Isso é comovedor... no entanto não conheço nenhum pacificador que seja completamente honrado. Enfim, era a única coisa que me faltava saber a teu respeito.
Voltou a esticar ligeiramente a saia, se bem que ele agora não a olhasse.
— Então se não foste tu que escreveste a carta, quem o fez? — perguntou Roy.
— Isso agora não interessa respondeu ambiguamente Hada. — Porque o assunto é meu.
— Nunca o poderia ter imaginado.
— Eu também não. É uma ironia do destino. Quando te vi há pouco não podia suspeitar que estivesses aqui por causa disto. Ia entrar no hotel pela porta das traseiras quando te ouvi chamar... Bom, não sei porque estou a suportar isto...— disse de repente... — Não quero ver-te mais. Esquece que recebeste esta carta. Vai-te embora.
— Isso não é assim tão simples — respondeu sombriamente Roy.
— Pagar-te-ei os gastos da viagem.
— Não é isso.
— E uma indemnização de mil dólares. É muito mais do que qualquer homem ganha aqui e sem teres de arriscar nada.
— Nem que me desses os sete mil e quinhentos dólares. Vou ficar por aqui.
— Mais vale que te vás embora, Roy. É um conselho.
Havia uma estranha segurança na voz da mulher. Dava a impressão de que ela tinha alguma carta escondida e não queria mostrá-la agora. Mas Roy não fez caso.
— Não merece a pena empregares ameaças. Desde que aqui entrei estou a olhar-te não como mulher, mas sim como cliente. Explicando-me o teu problema, afinal de contas, não perdes nada com isso.
— Talvez tenhas razão nisso...—murmurou Hada. — Mas o que me aborrece é simplesmente facto de estar contigo. No fim te explicarei o que sucede. Eu tenho uma mina de prata.
— Felicito-te... Existe muita prata em Nevada, mas parece que só as pessoas com sorte conseguem encontrá-la.
— Estou a mandar construir uma casa que vai ser a melhor da cidade, e, entretanto, vivo no hotel.
— Então felicito-te duplamente. Vejo que além de bonita és rica.
Hada fingiu ignorar o tom sarcástico com que ele falou e respondeu com voz indiferente.
— Nevada é uma terra rica em prata e em cobre, mas também o é em chumbo. Chumbo das balas que se disparam, pois isto está-se a transformar num inferno. Existe uma organização muito poderosa que quer tirar-me a propriedade da mina.
— Suponho que será um bando.
— Não. Enganas-te, Em Nevada os interesses que se ventilam são demasiadamente importantes e não há lugar para simples bandos de foragidos. Os homens a que me refiro formam uma companhia mercantil muito poderosa. Uma espécie de organização bancária.
— Como se chama?
— Tem um nome muito inexpressivo. A «Amalgamated Trust».
— Já ouvi falar nela.
— A sua maneira de proceder é bastante complicada — disse Hada. — Quando uma mina lhes interessa compram uns terrenos contíguos, mesmo que lá não exista nada e abrem galerias até encontrarem o filão, ou aproximarem-se muito dele. Então dizem que o filão é deles e como naturalmente o dono não se conforma fazem uma demanda legal ao juiz de Tonopah. O juiz está comprado, mas, mesmo assim, nem sempre se atreve a proferir sentença a favor da «Amalgamated». Há casos que são muito claros. Algumas vezes a companhia tem de penetrar pela extensão de uma milha no terreno vizinho, o que significa nem mais nem menos do que uma invasão. Toda a gente é dona do seu terreno, não apenas na parte que se vê, mas também até às entranhas da terra. A «Amalgamated», portanto, não tem nenhum direito ao filão e além disso tem de pagar danos e prejuízos. Porém os casos que o juiz não pode solucionar solucionam-nos eles a seu modo. Assustam os advogados dos prejudicados e já nenhum advogado daqui quer tomar conta de um caso contra a companhia. preciso ir buscar advogados a Carson City e mesmo esses aguentam-se muito pouco tempo aqui. Arranjam falsas testemunhas que afirmam que as medições estão mal feitas e que a «Amalgamated» se move, ao fim e ao cabo, no seu próprio terreno. Como se isso não bastasse, os donos dos filões são ameaçados, espancados e muitas vezes assassinados. Por fim acabam por desistir do pleito e deixar tudo nas mãos da companhia.
Roy, que tinha ouvido em silêncio as palavras da mulher, refletiu um instante.
Duas rugas de preocupação lhe apareceram na testa.
Tinha lutado muitas vezes com bandos que espalhavam o terror nas cidades, mas nunca com companhias poderosas que se moviam aparentemente dentro da lei. Isso era diferente.
— «Amalgamated» dispõe de muitos pistoleiros? — perguntou sombriamente.
— Muitos... Não sei quantos, mas praticamente tem todos os que necessita... e são bons.
— Diabo! Agora já compreendo porque é que me ofereceram sete mil e quinhentos dólares. É cinquenta por cento mais do que aquilo que costumo cobrar.
— Ninguém oferece nada — disse sombriamente Hada. — Esta é, desde logo, uma missão perigosa que, espero, tenhas o bom gosto de não aceitar?
—Ainda não disse que o faria — retorquiu Roy. — E de tudo o que me contaste o que se passa agora com a companhia?
— O pleito iniciou-se há mais de um mês. Tive que mudar duas vezes de advogado, porque os outros foram ameaçados de morte. Por fim começaram a dizer que a próxima vítima seria eu e que qualquer dia apareceria ultrajada e morta em qualquer esquina da cidade. Os pistoleiros da «Amalgamated» olham-me provocantemente. Sei que só esperam ocasião para levarem a efeito a sua ameaça.
— Qual é o principal chefe do bando? Estes grupos têm sempre um chefe.
— Chama-se Rusk.
— Conheço-o — disse pensativamente o rapaz.
— Rusk é mau bicho e além disso nunca atua só.
— Está bem... já tomei uma decisão.
— Aceita os mil dólares e vai-te embora — disse ela.
— Pelo contrário. Ficarei.
Hada olhou-o surpreendida.
— Percebes de que género de trabalho se trata?
— Claro que percebo, boneca. E vou aceitá-lo apenas para estar junto de ti. Para que tenhas de reconhecer que apesar de tudo precisas de mim.
— Julgas que não tenho quem me defenda?
— Não. Uma vez que recebi estas ofertas é porque não tens.
Naquele momento preciso ouviu-se uma voz dizer, na rua:
— Quieto, Flanagan!
Hada sobressaltou-se. Roy teve a impressão de que ela tinha sido subitamente beliscada. Levantando-se de um salto foi até à janela e afastou as cortinas para espreitar para a rua.
Roy imitou-a maquinalmente. Sabia que aquela voz só podia significar um desafio e os desafios interessavam-no. Nem sequer reparou que estava muito perto da mulher e que aspirava o seu enervante perfume.
Daquela janela, que dava para o centro da rua principal, viam tudo perfeitamente, como se estivessem num palco, preparando-se para assistirem a um espetáculo sangrento.
Dois homens tinham parado, um de cada lado da rua, sob o sol que parecia pôr reflexos de cobre em tudo.
Um era alto, forte e loiro. O outro, também alto, tinha um aspeto esquisito e os cabelos de um tom estranhamente ruivo.
— Disse para não te moveres, Flanagan, repetiu o último com voz sarcástica.
Roy reconheceu-o.
— Chuck, um atirador de primeira. Esse tal Flanagan vai passar um mau bocado.
Não percebeu que Hada continha a respiração. Tinha uma expressão anelante, angustiada e estava imóvel como uma estátua.
Flanagan, o loiro, murmurou:
— Estou já imóvel, Chuck, o que queres? Que me ponha a dormir?
— Avisei-te de que isto sucederia.
— Sim, avisaste-me.
Ninguém me poderá acusar de assassínio. Trata-se de um desafio legal...
— Tens mais razão do que um santo, Chuck. Ninguém te acusará.
— Tu menos que ninguém, porque estarás morto. Claro que ainda tens oportunidade de refletir.
— Já refleti, Chuck. E a minha resposta é não!
Chuck riu sombriamente enquanto arqueava os braços.
— De qualquer maneira lamento-o, Flanagan... crê que lamento... hei de mandar-te uma coroa de flores para que não te sintas tão só.
Os dois homens ficaram com músculos tensos, prontos para o desafio.
Estava tudo dito entre ambos.
Agora só os revólveres podiam falar.
Roy, da janela, murmurou sem poder conter-se.
— Esse Flanagan é um suicida... Devia dizer que...
Hada murmurou, corno se estivesse a rezar no funeral de um ente querido:
— Já não há tempo...
Com efeito não havia tempo para nada. Os dois homens moveram as mãos direitas com tal rapidez que foi impossível segui-los.
Roy ficou maravilhado, aturdido, com a velocidade demonstrada por Flanagan.
— Quem seria aquele homem? Era ainda mais rápido do que Chuck!
E foi. Chuck não tinha ainda posto o seu revólver em linha de fogo e já tinha recebido uma bala que quase lhe arrancou metade da cara. O seu rosto refletiu por instantes uma expressão de estupor absoluto e logo a seguir pareceu desintegrar-se no ar.
Roy estava de boca aberta.
— Que diabo! Quem é aquele? Trata-se de um verdadeiro campeão.
— Foi ele que te escreveu — disse Hada, olhando-o com expressão triunfante.
— O que me escreveu a mim? Mas se é esse não precisa ajuda de ninguém!
— Não, enquanto o atacarem de frente. Mas o que se passou hoje não voltará a suceder porque agora tratarão de o assassinar pelas costas como já têm feito a mais de um. Ele sabe-o e por isso pediu ajuda.
Hada correu as cortinas com um gesto gracioso deixando de olhar para fora. Depois respirou profundamente, fazendo realçar ainda mais o seu busto sugestivo.
— Ah — murmurou. — Esquecia-me de te dizer. Flanagan é meu marido. Casámo-nos há um ano.
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