Ao entardecer daquele mesmo dia em que Pierce e os seus homens iludiram os seus perseguidores, o bando dos sequestradores, levando consigo a jovem raptada, fazia a sua aparição no alto vale das «Big Horn» que eles apelidavam de «Gruta das Aguias».
A jovem prisioneira, completamente derreada pela dura caminhada a que fora obrigada, quase se sentiu alegre pela chegada aquela casa que iria ser dal em diante a sua prisão. Não sentiu ânimo para admirar as paisagens e simplesmente se apercebeu que era levada para uma espécie de cabana de sólida aparência, distante cerca de vinte metros da casa principal. Essa cabana era constituída por um singelo compartimento. Apesar disso emanava de toda ela uma espécie de conforto que lhe advinha da cama de pernas curtas e que parecia oferecer uma certa comodidade, a julgar pelo amplo colchão que ostentava.
Uma espessa pele de urso servia-lhe de «édredon» e aos pés da mesma cama, outra pele, também de urso, dava uma agradável sensação ao seu corpo pisado, como se fosse um fofo tapete.
Doris, que se deixara cair na cama logo que Pierce a deixou sozinha, sobressaltou-se grandemente quando sentiu que alguém batia à porta. Sabia que adormecera, mas, por quanto tempo? Não o sabia; mas a vaga claridade que se coava pelo postigo já não existia. Antes que tivesse mandado entrar quem batia, abriu-se a porta e a luz de uma lanterna portátil encandeou-a por um momento.
Por fim, foi-lhe possível verificar quem era a pessoa portadora do farol: tratava-se de uma mulher, de cujo rosto e ombros nós se espargiam reflexos cor de bronze. Era uma mulher nova e bonita, apesar de um certo ar selvagem que se desprendia da sua pessoa. Talvez esse aspeto fosse devido às estranhas roupas que vestia: uma curta saia feita de pele de anta que não chegava a cobrir-lhe os joelhos e uma espécie de blusa ou jaleco do mesmo material, com que cobria os dois seios, mostrando a sua doirada carne entre a saia e o jaleco.
A jovem prisioneira reparou então que a outra era portadora de uma tigela fumegante que lhe ofereceu quando se aproximou. Afinal de contas, Pierce, no seu desejo de querer ser amável, tinha-se lembrado dela.
-- Podes levá-la; não tenho apetite nem disposição para comer seja o que for — disse Doris, não muito convencida de que a índia a tivesse compreendido.
— Como quiseres — respondeu a rapariga que trouxe os alimentos e no tom das suas palavras havia qualquer coisa de altivo e de arrogante. -- Mas, segundo disse Carl, ainda hoje não comeste nada; se o fazes por desprezo entendo que é uma grande tolice porque te prejudicas a ti mesma.
Doris devia ter reconsiderado por que se sentou na cama e apoderou-se da tigela. Não cheirava mal; devia tratar-se de um guisado de carne de veado. Olhou sem agrado para a índia que, como resposta, deixou ficar a lanterna sobre uma mesa e encaminhou-se para a porta. Chegada ali e antes de fechar a porta atrás de si fletiu ligeiramente os joelhos, imitando o cumprimento de uma mulher civilizada. E se não tivesse fechado rapidamente a porta, talvez lhe viesse cair em cima a tigela que a prisioneira segurava nas mãos, por se ter apercebido do escárnio da reverência.
Cheia de raiva, mas também cheia de apetite a rapariga acabou de comer o que a tigela continha, lamentando não ter à mão um pedaço de pão ou de bolo para o ensopar no molho. Não havia dúvida de que o molho estava uma delicia. Atirou com a tigela ao chão e deitou-se toda para trás, mas ergueu-se rapidamente e foi empurrar a mesa contra a porta, juntamente com dois bancos rústicos ali existentes. Voltou para a cama, estendeu-se e cobriu-se com metade da pesada pele de urso. Tinha de pensar em muitas coisas: a sua pobre mãe, o seu avô que talvez aquelas horas fossem já sabedores das suas angústias...
Alguma coisa de insólito lhe roçava pelos cabelos, o que a levou a abrir um dos olhos e a espreitar de soslaio: era a mão da índia que lhos acariciava, completamente debruçada sobre si. Ergueu-se de um salto, o que obrigou a outra a dar um pulo para trás toda assustada, mostrando-lhe de seguida e, risonhamente, uma fiada de dentes como pérolas, tendo na boca uma expressão de bonomia.
— Que estavas fazendo? — perguntou Doris, sendo ela agora a agarrar-lhe nos cabelos com desconfiança.
— Queria simplesmente verificar se o teu cabelo... era mesmo cabelo ou se eram fios de ouro.
Doris sorriu-se ante a ingenuidade da rapariga.
—E porque te pareceu que seria ouro?
— Porque ao entrar fiquei maravilhada pela maneira como ele brilhava ao dar-lhe a luz do sol.
A prisioneira parecia agora muito assustada.
— Como é que conseguiste entrar aqui? A porta está atravancada...
— Eu sei, porque experimentei. E custou-me bastante a consegui-lo porque tu não respondeste ao meu chamamento.
A luz do sol batia agora em cheio no rosto de Doris, levando-a a perguntar:
— Que horas são?
— Muito tarde. Vim para te ajudar a vestir, foi Pierce quem mo pediu.
— Vestir-me? Ainda não reparaste que nem sequer me despi esta noite?
Os olhos da índia foram poisar-se num objeto de cor intensamente vermelha que se destacava. sobre a mesa: um vestido feminino.
— Mas, afinal, que é isto? — disse Doris.
— É o que estás vendo. É para ti, sou eu que to ofereço. Sempre te assentará melhor a ti do que a mim.
Doris que, no fundo, era mulher, não pôde evitar a tentação de se aproximar da mesa e de mergulhar as mãos no tecido.
— Peço-te que o aceites. Foi-me trazido por James não há ainda muito tempo. Quando o vesti pela primeira vez, ficou aborrecido e disse-me que gostava mais de me ver com os meus trajes da selva.
— Mas tu não és nenhuma selvagem. Falas perfeitamente a nossa língua, mas... és porventura a «squaw» de James?
A índia sorriu-se tristemente.
— Foi um missionário que me ensinou a vossa linguagem... Não sou a «squaw» de James; meu pai, chefe dos «shoshones», ofereceu-lhe um «wigwan» na nossa tribo, mas o homem branco, James, não quis lá ficar.
— Trouxe-te, então, com ele?
— Não; eu é que resolvi segui-lo.
Um silêncio reinou momentaneamente, entre as duas mulheres. Seguidamente a pele-vermelha aproximou-se de Doris e ajoelhando-se a seus pés começou a despojá-la das roupas masculinas que ela vestia sem que esta fizesse qualquer objeção. Minutos depois as duas jovens admiravam, sorridentes, o efeito que o vestido vermelho fazia no corpo da de pele branca. Doris punha-se na ponta dos pés para conseguir mirar-se num minúsculo espelho suspenso numa das paredes.
— Sabes? — dizia a rapariga. — Minha mãe escandalizar-se-ia se me visse com este vestido tão berrante. Entre nós é de muito mau gosto as raparigas solteiras, vestirem-se assim. É claro que eu sempre tive desejos de me vestir assim. É verdade: ainda não me disseste como te chamas.
— James dá-me o nome de «Bela-Estrela». Diz que nos meus olhos brilha um luzeiro que... tolices... Aqui todos me conhecem assim.
— Os meus agradecimentos Bela; recordar-me-ei de ti quando regressar a minha casa.
Nas pupilas da rapariga não brilhou um luzeiro como afirmava James, mas sim uma espécie de relâmpago que melhor se diria de tristeza. Puxando por um afiado punhal que ocultava entre os seios estendeu a mão armada para Doris que, assustada, recuou dois passos.
— Toma. Quero oferecer-te também isto.
A prisioneira suspirou, aliviada.
— É um objeto muito bonito, mas não compreendo...
— Por mim, se não tivesse sido James quem... quereria ter ao alcance da mão urna arma assim no dia em que... Compreendes?
«Bela-Estrela» falava agora muito a sério e Doris, horrorizada, sentindo uma espécie de sinal de perigo, recusou.
— És muito inocente, pequena. Estás convencida de que voltarás algum dia a tua casa? É preferível que te desiludas e estejas avisada. Carl não pensa em deixar-te ir embora.
— Mas ele... exigiu um resgate.
Novo sorriso da índia.
— Ficarás com o dinheiro e contigo.
Doris revoltou-se, quase furiosa.
— Convenci-me de que eras boa rapariga e afinal estás a enganar-me. Não sei porquê, mas sei que mentes.
A jovem pele-vermelha aproximou-se e poisou as mãos nos ombros da outra e fixou os seus olhos profundos nos olhos de Doris.
— Ontem à noite, enquanto jantavam, foste disputada. Godfrey, o homem mais repugnante da quadrilha, reclamou-te para ele próprio. E sabes o que respondeu Cari? — Que era sua opinião que James tinha preferência sobre ti e que, se ele não estivesse interessado, então... Estás a ver como as coisas são? Para eles não és mais do que uma mercadoria; uma presa das suas rapinas.
Doris desprendeu-se da índia e correu a esconder-se na cama, tapou a cara com as mãos e começou a soluçar.
— Não é possível! Deus não pode consentir que me espere um tal destino. Será verdade que existam seres tão hediondos à superfície da terra?
Aos seus ouvidos chegou a voz pausada e convincente de «Bela Estrela».
— Tu própria viste a maneira como foram assassinados os teus companheiros de viagem. Julga, por ti, a que extremos são capazes de chegar.
Quando cessou de chorar, certamente porque as lágrimas lhe secaram, olhou para trás de si: a índia já ali não estava. Sentou-se na cama e viu brilhar sobre a pele que a cobria, o punhal que a outra lhe tinha oferecido. Apoderou-se dele, examinando com os olhos enxutos a ponta da arma que apontou a si própria.
Teria chegado a hora de servir-se dele? Valeria a pena esperar? Apesar de tudo... Aquela selvagem meio civilizada podia tê-la enganado: via-se que estava apaixonada por aquele assassino e, talvez por isso, a induzira ao suicídio para afastar, de vez, uma rival dos seus amores.
Esperaria e se o momento que a índia lhe anunciou acabasse por chegar, não hesitaria um segundo em pôr em prática o seu propósito. E o seu juvenil e decidido carácter que tão rapidamente sabia sobrepor-se às maiores adversidades, ainda a levou a sorrir vagamente quando foi juntar o punhal ao «colt» de que se apoderara na véspera na cova onde os últimos passageiros tinham sido assassinados. Pensou que estava senhora de um verdadeiro arsenal e, quem sabe se não viria ainda a dar que fazer aos seus sequestradores!...
A jovem prisioneira, completamente derreada pela dura caminhada a que fora obrigada, quase se sentiu alegre pela chegada aquela casa que iria ser dal em diante a sua prisão. Não sentiu ânimo para admirar as paisagens e simplesmente se apercebeu que era levada para uma espécie de cabana de sólida aparência, distante cerca de vinte metros da casa principal. Essa cabana era constituída por um singelo compartimento. Apesar disso emanava de toda ela uma espécie de conforto que lhe advinha da cama de pernas curtas e que parecia oferecer uma certa comodidade, a julgar pelo amplo colchão que ostentava.
Uma espessa pele de urso servia-lhe de «édredon» e aos pés da mesma cama, outra pele, também de urso, dava uma agradável sensação ao seu corpo pisado, como se fosse um fofo tapete.
Doris, que se deixara cair na cama logo que Pierce a deixou sozinha, sobressaltou-se grandemente quando sentiu que alguém batia à porta. Sabia que adormecera, mas, por quanto tempo? Não o sabia; mas a vaga claridade que se coava pelo postigo já não existia. Antes que tivesse mandado entrar quem batia, abriu-se a porta e a luz de uma lanterna portátil encandeou-a por um momento.
Por fim, foi-lhe possível verificar quem era a pessoa portadora do farol: tratava-se de uma mulher, de cujo rosto e ombros nós se espargiam reflexos cor de bronze. Era uma mulher nova e bonita, apesar de um certo ar selvagem que se desprendia da sua pessoa. Talvez esse aspeto fosse devido às estranhas roupas que vestia: uma curta saia feita de pele de anta que não chegava a cobrir-lhe os joelhos e uma espécie de blusa ou jaleco do mesmo material, com que cobria os dois seios, mostrando a sua doirada carne entre a saia e o jaleco.
A jovem prisioneira reparou então que a outra era portadora de uma tigela fumegante que lhe ofereceu quando se aproximou. Afinal de contas, Pierce, no seu desejo de querer ser amável, tinha-se lembrado dela.
-- Podes levá-la; não tenho apetite nem disposição para comer seja o que for — disse Doris, não muito convencida de que a índia a tivesse compreendido.
— Como quiseres — respondeu a rapariga que trouxe os alimentos e no tom das suas palavras havia qualquer coisa de altivo e de arrogante. -- Mas, segundo disse Carl, ainda hoje não comeste nada; se o fazes por desprezo entendo que é uma grande tolice porque te prejudicas a ti mesma.
Doris devia ter reconsiderado por que se sentou na cama e apoderou-se da tigela. Não cheirava mal; devia tratar-se de um guisado de carne de veado. Olhou sem agrado para a índia que, como resposta, deixou ficar a lanterna sobre uma mesa e encaminhou-se para a porta. Chegada ali e antes de fechar a porta atrás de si fletiu ligeiramente os joelhos, imitando o cumprimento de uma mulher civilizada. E se não tivesse fechado rapidamente a porta, talvez lhe viesse cair em cima a tigela que a prisioneira segurava nas mãos, por se ter apercebido do escárnio da reverência.
Cheia de raiva, mas também cheia de apetite a rapariga acabou de comer o que a tigela continha, lamentando não ter à mão um pedaço de pão ou de bolo para o ensopar no molho. Não havia dúvida de que o molho estava uma delicia. Atirou com a tigela ao chão e deitou-se toda para trás, mas ergueu-se rapidamente e foi empurrar a mesa contra a porta, juntamente com dois bancos rústicos ali existentes. Voltou para a cama, estendeu-se e cobriu-se com metade da pesada pele de urso. Tinha de pensar em muitas coisas: a sua pobre mãe, o seu avô que talvez aquelas horas fossem já sabedores das suas angústias...
Alguma coisa de insólito lhe roçava pelos cabelos, o que a levou a abrir um dos olhos e a espreitar de soslaio: era a mão da índia que lhos acariciava, completamente debruçada sobre si. Ergueu-se de um salto, o que obrigou a outra a dar um pulo para trás toda assustada, mostrando-lhe de seguida e, risonhamente, uma fiada de dentes como pérolas, tendo na boca uma expressão de bonomia.
— Que estavas fazendo? — perguntou Doris, sendo ela agora a agarrar-lhe nos cabelos com desconfiança.
— Queria simplesmente verificar se o teu cabelo... era mesmo cabelo ou se eram fios de ouro.
Doris sorriu-se ante a ingenuidade da rapariga.
—E porque te pareceu que seria ouro?
— Porque ao entrar fiquei maravilhada pela maneira como ele brilhava ao dar-lhe a luz do sol.
A prisioneira parecia agora muito assustada.
— Como é que conseguiste entrar aqui? A porta está atravancada...
— Eu sei, porque experimentei. E custou-me bastante a consegui-lo porque tu não respondeste ao meu chamamento.
A luz do sol batia agora em cheio no rosto de Doris, levando-a a perguntar:
— Que horas são?
— Muito tarde. Vim para te ajudar a vestir, foi Pierce quem mo pediu.
— Vestir-me? Ainda não reparaste que nem sequer me despi esta noite?
Os olhos da índia foram poisar-se num objeto de cor intensamente vermelha que se destacava. sobre a mesa: um vestido feminino.
— Mas, afinal, que é isto? — disse Doris.
— É o que estás vendo. É para ti, sou eu que to ofereço. Sempre te assentará melhor a ti do que a mim.
Doris que, no fundo, era mulher, não pôde evitar a tentação de se aproximar da mesa e de mergulhar as mãos no tecido.
— Peço-te que o aceites. Foi-me trazido por James não há ainda muito tempo. Quando o vesti pela primeira vez, ficou aborrecido e disse-me que gostava mais de me ver com os meus trajes da selva.
— Mas tu não és nenhuma selvagem. Falas perfeitamente a nossa língua, mas... és porventura a «squaw» de James?
A índia sorriu-se tristemente.
— Foi um missionário que me ensinou a vossa linguagem... Não sou a «squaw» de James; meu pai, chefe dos «shoshones», ofereceu-lhe um «wigwan» na nossa tribo, mas o homem branco, James, não quis lá ficar.
— Trouxe-te, então, com ele?
— Não; eu é que resolvi segui-lo.
Um silêncio reinou momentaneamente, entre as duas mulheres. Seguidamente a pele-vermelha aproximou-se de Doris e ajoelhando-se a seus pés começou a despojá-la das roupas masculinas que ela vestia sem que esta fizesse qualquer objeção. Minutos depois as duas jovens admiravam, sorridentes, o efeito que o vestido vermelho fazia no corpo da de pele branca. Doris punha-se na ponta dos pés para conseguir mirar-se num minúsculo espelho suspenso numa das paredes.
— Sabes? — dizia a rapariga. — Minha mãe escandalizar-se-ia se me visse com este vestido tão berrante. Entre nós é de muito mau gosto as raparigas solteiras, vestirem-se assim. É claro que eu sempre tive desejos de me vestir assim. É verdade: ainda não me disseste como te chamas.
— James dá-me o nome de «Bela-Estrela». Diz que nos meus olhos brilha um luzeiro que... tolices... Aqui todos me conhecem assim.
— Os meus agradecimentos Bela; recordar-me-ei de ti quando regressar a minha casa.
Nas pupilas da rapariga não brilhou um luzeiro como afirmava James, mas sim uma espécie de relâmpago que melhor se diria de tristeza. Puxando por um afiado punhal que ocultava entre os seios estendeu a mão armada para Doris que, assustada, recuou dois passos.
— Toma. Quero oferecer-te também isto.
A prisioneira suspirou, aliviada.
— É um objeto muito bonito, mas não compreendo...
— Por mim, se não tivesse sido James quem... quereria ter ao alcance da mão urna arma assim no dia em que... Compreendes?
«Bela-Estrela» falava agora muito a sério e Doris, horrorizada, sentindo uma espécie de sinal de perigo, recusou.
— És muito inocente, pequena. Estás convencida de que voltarás algum dia a tua casa? É preferível que te desiludas e estejas avisada. Carl não pensa em deixar-te ir embora.
— Mas ele... exigiu um resgate.
Novo sorriso da índia.
— Ficarás com o dinheiro e contigo.
Doris revoltou-se, quase furiosa.
— Convenci-me de que eras boa rapariga e afinal estás a enganar-me. Não sei porquê, mas sei que mentes.
A jovem pele-vermelha aproximou-se e poisou as mãos nos ombros da outra e fixou os seus olhos profundos nos olhos de Doris.
— Ontem à noite, enquanto jantavam, foste disputada. Godfrey, o homem mais repugnante da quadrilha, reclamou-te para ele próprio. E sabes o que respondeu Cari? — Que era sua opinião que James tinha preferência sobre ti e que, se ele não estivesse interessado, então... Estás a ver como as coisas são? Para eles não és mais do que uma mercadoria; uma presa das suas rapinas.
Doris desprendeu-se da índia e correu a esconder-se na cama, tapou a cara com as mãos e começou a soluçar.
— Não é possível! Deus não pode consentir que me espere um tal destino. Será verdade que existam seres tão hediondos à superfície da terra?
Aos seus ouvidos chegou a voz pausada e convincente de «Bela Estrela».
— Tu própria viste a maneira como foram assassinados os teus companheiros de viagem. Julga, por ti, a que extremos são capazes de chegar.
Quando cessou de chorar, certamente porque as lágrimas lhe secaram, olhou para trás de si: a índia já ali não estava. Sentou-se na cama e viu brilhar sobre a pele que a cobria, o punhal que a outra lhe tinha oferecido. Apoderou-se dele, examinando com os olhos enxutos a ponta da arma que apontou a si própria.
Teria chegado a hora de servir-se dele? Valeria a pena esperar? Apesar de tudo... Aquela selvagem meio civilizada podia tê-la enganado: via-se que estava apaixonada por aquele assassino e, talvez por isso, a induzira ao suicídio para afastar, de vez, uma rival dos seus amores.
Esperaria e se o momento que a índia lhe anunciou acabasse por chegar, não hesitaria um segundo em pôr em prática o seu propósito. E o seu juvenil e decidido carácter que tão rapidamente sabia sobrepor-se às maiores adversidades, ainda a levou a sorrir vagamente quando foi juntar o punhal ao «colt» de que se apoderara na véspera na cova onde os últimos passageiros tinham sido assassinados. Pensou que estava senhora de um verdadeiro arsenal e, quem sabe se não viria ainda a dar que fazer aos seus sequestradores!...
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