quinta-feira, 12 de janeiro de 2017

PAS707. Isto não é comigo!

A gente voltava já do enterro. Salvo os quatro madeireiros sobreviventes, que se haviam demorado um pouco mais junto da cova comum dos seus companheiros, todos pareciam ter pressa em regressar à povoação, onde os sinos da igreja chamavam os fiéis.
Charles passou pela frente daqueles homens e mulheres e conseguiu descobrir ainda a jovem, detida na lomba onde estava encravado o cemitério. As cruzes, sob o sol ainda na sua, curva ascendente, recortavam-se como braços que implorassem clemência.
Esporeou o cavalo naquela direção, mas antes que pudesse ali chegar aconteceu algo de imprevisto que o encheu de confusão. Os quatro serradores haviam-se lançado contra ela.
A rapariga deixou escapar um grito e, apesar da resistência que oferecia, foi arrancada da sela e arrojada por terra, onde os seus atacantes procuraram dominá-la. Mas já Charles Derek se precipitava sobre o grupo.
— Que fazem vocês? — perguntou descavalgando e tratando de libertar a jovem. -- Será que enlouqueceram?
— Isto não é contigo, Derek! — recomendou Bart Shunny, cujo rosto se mostrava apoplético. .
Red Mulford atirou-se sobre Charles e este viu-se obrigado a descarregar os seus punhos no homem que procurava agredi-lo. Alcançou-o em cheio, mas nem por isso se livrou ele próprio de ser maltratado.
O madeireiro era forte como um búfalo e conseguiu derrubá-lo, ante as gargalhadas dos outros.
Charles, quase perdidos os sentidos, levantou-se e investiu contra Lanky Williams. Este, ante a tremenda cabeçada no estômago, retrocedeu com as mãos sobre a parte atingida e a boca aberta na ânsia de reabastecer os pulmões de ar.
Não obstante, a luta depressa acabou. Enquanto Bart Shunny continuava a sujeitar a jovem, Red Mulford e Jimmy Houston caíram sobre Derek. E enquanto um deles o agarrava pelas costas, o outro golpeava-o impiedosamente no rosto até o privar do conhecimento.
-- Selvagens! Selvagens! — gritou a rapariga incrustando o tacão de uma das suas botas na tíbia de Bart Shunny. — Meu primo não tardará em saber disto e podem estar certos de que o pagareis bem caro.
— Seu primo, hem? — replicou Bart, ameaçadoramente. — A esse é que desejaríamos ter agora nas mãos. De qualquer modo, temo-la a si, e isso pode ser uma boa maneira de obrigar essa raposa a sair da sua madriguelra.
A rapariga cessou de forcejar. Os seus rasgados olhos azuis quedaram-se fixos, desmesuradamente abertos, no homem que chamara raposa a seu primo.
Depois, declarou:
— Eu não tenho nada a ver com os assuntos de meu primo. Enganam-se se me julgam cúmplice nessa atrocidade, meu Deus!
Derek removeu-se no solo e escutou a réplica de Bart Shunny às palavras da jovem:
— Deixe Deus tranquilo. Jamais os assassinos e os que com eles convivem invocaram alguém que não fosse o demónio. Você e o seu amigo virão agora à povoação connosco. Entregá-los-emos ao xerife e ele saberá o que tem a fazer.
Tula Charisse olhou aterrada para Derek, que seguia no solo sem tentar levantar-se e ergueu a cabeça.
— Juro-lhes que estão em erro! Nem esse jovem nem eu sabemos nada desses assassínios. No que me diz respeito, só hoje, ao chegar à povoação, e por mera coincidência, soube do que se passara.
Os quatro trabalhadores, pendentes do que a rapariga dizia, esqueceram-se por completo de Charles Derek. Este, entretanto, foi-se recuperando lentamente. De súbito, ergueu-se e, de um salto, apontou os seus revólveres aos desprevenidos madeireiros.
— Para trás! bradou. — Não tentem nenhuma tolice, pois podem sair-se mal. Vamos, soltem essa menina e que se vá em paz. Já a ouviram dizer que está inocente!
Bart Shunny libertou a jovem. Esta, surpreendida ante o novo aspeto tomado pelos acontecimentos, ficou um momento Indecisa, olhando para uns e para outros.
— Vá-se embora, menina Charisse — aconselhou Charles. — Sim, vou... — hesitava Tula. Acho que será o Melhor. Muito obrigado, senhor...
— Já lho tinha dito antes. Chamo-me Charles Derek. A partir de hoje, você tem um amigo em Pecos.
A jovem respondeu:
Obrigada. Não me esquecerei. Tal como estão a pôr-se as coisas, é muito possível que precise da sua amizade.
—Pois não hesite em recorrer a ela. Terei muito prazer em ser-lhe útil.
Tula Charisse montou a cavalo e partiu a galope na direção do rancho de seu primo. Um enorme peso caíra sobre o seu coração. A certeza de que seu primo e quem o servia eram uns criminosos estendeu sobre o seu rosto um véu de intensa tristeza.
— Perdoem-me se intervim em favor dessa rapariga. Conheço desde ontem à noite a versão que circula acerca da morte dos vossos companheiros, mas não podia consentir que vocês cometessem um equívoco de que mais tarde teriam de arrepender-se. Terão de acreditar na minha palavra, visto que sou um homem de honra: essa pequena não sabia nada com respeito a esses assassínios até eu lho dizer há pouco, em frente da igreja, quando o funeral saía. amiga do pastor e este portar-se-ia de maneira diferente se ela fosse o que vocês pretendem.
— Você está a falar demasiado para nos convencer da inocência dessa jovem — cortou Bart. — Ela já aqui não está, pelo que só nos interessa saber quem responde por si?
— Eu mesmo — redarguiu vivamente Charles Derek. Vocês julgaram-me empregado dos Charisse, não é assim? Pois enganam-se. Trabalho na povoação, na oficina da senhora Allison, hospedo-me em casa de Maureen Cooley, com cuja amizade me honro, e sou também amigo do xerife. Intervim nisto por um dever de humanidade, embora também eu tenha as minhas contas pendentes com os homens desse rancho, especialmente com Terry Bucson o Mirky Farlow.
Fez uma pequena pausa e sorriu:
— E, agora que já lhes expliquei tudo, querem seguir à minha frente e olvidar o ocorrido? Aqui têm a minha mão.
—Na nossa situação — decidiu Shunny, de súbito—, será preferível contá-lo entre os amigos que entre os inimigos. Quem dizem vocês?
— De acordo — opinou Mulford, falando por todos.
Charles Derek, que já tinha remetido os revólveres aos coldres, apertou uma por uma as mãos dos madeireiros e regressaram todos juntos a Pecos.

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