sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

PAS708. O vagabundo amrgurado encontra a bela do cavalo branco

Espicaçou o cavalo e perdeu-se a caminho do lago. Não sabia verdadeiramente a razão pela qual se dirigia para aquele lugar e não para outro qualquer. Não tinha a intenção de tomar banho, como dissera à senhora Allison, nem tão-pouco a sua caminhada poderia classificar--se de simples passeio. De qualquer modo, dirigiu-se para ali e estendeu-se de costas no solo, com os braços cruzados atrás da nuca, à sombra de alguns arbustos, enquanto o animal pastava na margem do lago.
Assim se passou um bom bocado, durante o qual Charles permaneceu pensativo, visivelmente inquieto. Qual seria a causa do seu estado de ânimo? Nem ele mesmo o sabia, embora algo lhe segredasse que podia muito bem respeitar a Tula Charisse e à notícia que seu primo lhe dera quanto aos seus propósitos de se casar com ela.
Como podia ter sucedido aquilo se a própria rapariga lhe garantira não serem as suas relações com o primo as mais cordiais? Howard Charisse afirmara haver-lhe feito uma promessa a troco do seu consentimento, mas Charles Derek não teria confiado em nenhuma espécie de promessas feitas por tal indivíduo. Desde o primeiro instante em que o conhecera, tinha-o na conta de um astuto e imundo réptil, e a anunciada transformação não lhe merecia a menor confiança.
Estava realmente amargurado.
O sol, na distância, lambia já com os seus derradeiros raios os picos das montanhas. Charles Derek olhou nessa direção e não pôde conter um suspiro.
A tarde estava muito bela. A atmosfera, limpa e transparente, cheirava a artemísias e alecrim. As águas do lago haviam-se tingido de um vermelho sanguíneo e nelas refletiam-se as árvores e os arbustos da margem.
Derek nunca imaginara que ela aparecesse num momento daqueles tão propício ao sonho. Fê-lo sobre o seu nervoso cavalo branco e de maneira que ele julgou estar sonhando. Não obstante, não era um fantasma, mas sim uma deliciosa realidade.
Ergueu-se de um salto e aguardou anelante que Tula se aproximasse. No momento de a ver compreendera que o que o seu subconsciente aguardava não era outra coisa que a rapariga.
Ela saudou-o com um movimento do seu chicote e saltou do cavalo. Estava muito corada, belíssima e o seu cabelo ruivo despedia reflexos cobreados ao ser beijado pelos últimos raios do astro-rei.
— Devia-lhe uma explicação e venho dar-lha. Um sexto sentido advertiu-me da possibilidade de o encontrar aqui.
— Talvez fosse esse mesmo sexto sentido que me obrigou a deslocar-me aqui sem qualquer razão aparente retorquiu ele docemente, embriagado com a presença da mulher e o embruxador da tarde agonizante. —Mas não tem de me dar explicação alguma. Você é senhora de agir como melhor lhe parecer.
— É que eu desejava confiar-me a, alguém. Vou-me casar com Howard, sim. Não obstante, não o amo. Pelo menos com esse amor que, em meu entender, se deve ter pelo homem com quem temos de partilhar a nossa vida para sempre.
— Como se justifica, portanto, que o tenha aceitado para marido, Tula?
— Você falou-me de coisas que me encheram de pavor. Depois soube que o culpavam a si da morte de Blucson, bem como a esses pobres madeireiros. Meu primo assegurou que era vítima dos seus próprios amigos, os quais o arrastavam às vezes para coisas que não queria. Desejei pô-lo à prova e prometi-lhe que se ele olvidasse a morte de Blucson, o deixasse a si e aos madeireiros em paz e despedisse a quadrilha de indesejáveis que tinha ao seu serviço, seria sua mulher.
— Não cumprirá a sua palavra, Tula. Vai ter ocasião de o verificar. Portanto, não se case com ele. Um dia poderia despertar para a realidade e chegar à conclusão de que se casara com um monstro. E eu lamentaria que, para me salvar a mim e a mais alguns homens, a quem mal conhece, se tivesse sacrificado. Espere algum tempo... Eu, Tula... eu também lhe quero, nobre e sinceramente. Sentiria muito ser causa da sua infelicidade.
Tula e Charles, inconscientemente, tinham-se aproximado um do outro de tal maneira que a respiração de um bafejava o rosto do outro.
— Vejo que continua a duvidar de Howard... No entanto, até este momento, não tenho nada a reprovar-lhe. Despediu o pessoal e não intentou coisa alguma contra si e esses trabalhadores.
— Ainda não é tarde. Para onde foram Fnrlow e os outros? Charisse falou-lhe do enigma da montanha? Ontem mesmo, durante a noite, ao deixá-la a si, surpreendi seis cavaleiros do seu rancho. Segui-os, mas, de súbito, desapareceram. Não me tinha ainda refeito do meu assombro quando me surpreendeu a aparição de seis homens a cavalo, «que não eram os mesmos» — sublinhou.
Enquanto falavam, a noite caíra por completo. Charles Derek prosseguiu, apontando motivos para que Tula não confiasse demasiadamente no homem com quem aceitara casar-se.
Por fim, esta prometeu-lhe que retardaria o mais possível data desse casamento, e tão distraídos estavam que não se advertiram da presença de Charisse.
Howard, ciumento e desconfiado, havia seguido sua prima a uma prudente distância e arrastara-se depois até se situar a dois passos dos jovens. Ali, com os maxilares contraídos, escutara todas e cada uma das palavras que Tula e Charles haviam pronunciado nos últimos minutos.
 Decorrido um bom bocado, Tula e o ex-«rural» despediram-se com um afetuoso aperto de mão. Ela retomou o caminho do rancho, presa de uma doce angústia e ele perdeu-se, não menos angustiado, na direção de Pecos.
Howard Charisse permaneceu ainda durante algum tempo junto dos arbustos que o tinham ocultado e foi depois em busca do seu cavalo, que deixara escondido entre um grupo de árvores não muito distante. Montou a cavalo e lançou-se a galope rumo ao bosque.

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