terça-feira, 28 de outubro de 2014

PAS388. A chicote e a murro

Antes que pudesse evitá-lo, aquele anel obrigou-o a andar de costas uns passos. Estrangulava-o. Com ambas as mãos quis tirar a argola, mas nesse momento o laço desapareceu. Ouviu-se outro barulho, e a estranha cobra enrolou-se-lhe nas pernas e derrubou-o.
Ao mesmo tempo que rolava no chão dava-se conta do que acontecia. No centro da ampla rua, um indivíduo de brilhantes polainas de couro e trajo de veludo azul, com uma fivela de prata, manejava um chicote. O seu rosto, intensamente moreno, mostrava uma dentadura branquíssima, um bigode negro, cuidadosamente tratado. Ouviram-se alguns risos. A Charly pareceu-lhe que era a dona dos cães que exclamava:
— Muito bem, Rodgers! Obrigado!...
O indivíduo vestido de veludo azul pareceu erguer-se mais na sua esbelta figura. De novo, com um sinal lânguido, cheio de segurança, levantou o chicote e descarregou-o sobre o corpo caído de Charly. Este parecia aturdido. Não obstante, observava atentamente, o seu agressor. Viu que não levava revólver, e não quis saber mais. Fazendo como se intentasse cobrir-se, curvou o corpo, adotando uma atitude quase grotesca. Os risos aumentaram. Uma vez mais caiu o chicote, confiado... E, subitamente, como impulsionado por uma mola, Garner saltou, apreendeu no ar aquela inquietante serpente, e puxou-a.
Com tal força o fez, que o indivíduo com traje azul, colhido de surpresa, inclinou o corpo para a frente. Quando se deu conta já tinha Charly a dois passos.
Ao primeiro embate Garner acertou-lhe no rosto, fazendo-lhe saltar o chicote, este golpe foi como o toque de campainha que pôs em funcionamento todas as faculdades do indivíduo vestido de azul. A sua figura elegante, de languidez estudada, converteu-se em algo de brutal, violento.
Deu-se princípio à mais feroz luta. Em poucos momentos Charly já tinha conhecimento de que se enfrentava com um lutador hábil e potente, muito diferente do que tinha imaginado. Era ocasião de que o outro soubesse por sua parte que ele tão-pouco era mole...
Com os punhos cerrados alcançava o rosto e o peito. Sangravam ambos pela boca. Por duas vezes caíram no chão, rolando, rolando sobre o pó, convertidos os dois homens numa só fera, com quatro extremidades calçadas e com esporas.
Outras tantas vezes se levantaram, cambaleantes, os olhos injetados de sangue. Ambos descansavam, ambos mostravam suas roupas cobertas de poeira, sujas de sangue e de suor. Descansava o indivíduo quando deixava escapar algum rugido. Mas não cedia. Havia momentos em que cambaleava e dava a sensação de que ia cair, para não se levantar mais, quando, de repente, parecia possuído de novo vigor.
«É duro de verdade — pensava Charly. — Outro, em seu lugar, já se tinha retirado... Algo muito importante deve ter em jogo. Tão importante como eu... Quem será este tipo?»
E tudo isto, entre labaredas vermelhas e pensamentos meio formados, não dava um momento de repouso aos punhos.
«Quem será este tipo? Algum admirador de «Orgulho a cavalo»?
E olhou para o «buggy», pela primeira vez.
E numa visão vermelha, viu erguida em cima da carruagem, como uma estátua que representava a beleza e o orgulho, a rapariga que há uns momentos acabava de o tratar como a um boneco de palha. Achava-se de pé, com um cão de cada lado, segurando-lhes a correia.
Pensou na cabana do velho Row. Na maneira de falar do velho, com o cachimbo nos lábios. «Se um cão sabe fazer frente às coisas, deve deixar-se pisar... ou afastar-se da situação, como faço eu».
O indivíduo vestido de veludo, num dos seus estranhos acessos de vigor, saltava então sobre ele.
 «Vai, Charly! Acabou-se, precisamente no teu início!»
E este pressentimento cinzento soou na sua mente com a voz do velho Row...
Parecia, em verdade, que tudo estava terminado para ele. Os punhos do seu adversário buscaram-lhe os olhos, a boca, a cabeça... Houve um momento em que um murro na nuca lhe deu a sensação de que o chão se ondulava, tomando a forma de um mar revolto.
Não ouvia nem via quanto se passava em volta. Instintivamente, foi aparando os golpes, sem outra obcecação que recuperasse, sem que o seu inimigo reparasse naquela contração de mole.
E de repente, a investida, incontível, algo que arrancou à multidão de espectadores uma exclamação de admiração. Charly começou a contra-atacar, com rapidez vertiginosa. Golpeava com os olhos fechados, procurando que o eu adversário não se separasse demasiado, confiando na rapidez dos seus golpes em que o outro não pudesse reagir...
E de novo os espectadores gritaram outra exclamação. Foi no momento em que os punhos de Garner golpearam o vazio. Então, abriu os olhos e viu, junto à borda da valeta, caído de costas o indivíduo vestido de azul.
Ao mesmo tempo alguém situado atrás de Charly, uma voz conhecida, a do sheriff, advertiu, autoritária:
— Cuidado, Grayson! Não consinto porcarias!
O xerife Reed colocou-se junto de Charly. Tocou-lhe no ombro e juntou:
— Vamos, forasteiro. Como amostra já está bem.
Em volta do indivíduo caído tinha-se feito um círculo de homens. Alguns olhavam Charly com um ar que não era 'um presságio muito bom.
A multidão, que já obstruía a rua num muro compacto, voltou-se rapidamente, ao mesmo tempo que rompia em gritos.
O «buggy» acabava de arrancar e a rapariga, de pé, lançava vozes ao cavalo, que para não lançar-se sobre a multidão, tinha-se posto quase de pé. Os mastins, entretanto, excitados pelos gritos da sua dona, ladravam com uma grande fúria. E apenas o cavalo voltou a pôr as suas mãos no chão, investiu pela rua abaixo...
 Aquela carroça parecia converter-se num veículo das fúrias. Jenny Keyes animando o cavalo e dirigindo impropérios à multidão; os mastins, fazendo eco da sua dona; a multidão começava a reagir com indignação...
Perdeu-se a carruagem pela rua abaixo, e uma onda de cólera ficou como sinal.

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